Tuesday, August 31, 2010

19 de Julho de 2014

Era o meu aniversário de 16 anos. Em vez de uma festa comum, com bebida e música alta, estava tudo no mais completo silêncio. Eu estava deitado em uma mesa de pedra, em uma masmorra. Meu avô, Oscar Sênior, usava um manto negro e misturava ingredientes de uma poção de cheiro desagradável. Pelo canto do olho via meus pais e irmãos de um lado, parecendo tranqüilos. Do outro lado, meus dois melhores amigos, Alec e Oleg, pareciam mais apreensivos. O que não me deixava exatamente calmo.

Aquela era uma poção para desacelerar os batimentos cardíacos, até que não existisse mais nenhum. Fazia parte do ritual. Não que eu não confiasse em meu avô. Claro que não, ele já havia feito aquilo dezenas de vezes. Mas não comigo. E se meu organismo decidisse que não ia obedecer ao seu encantamento, e eu morresse de vez? E se não desse tempo para ele me trazer de volta?

- Beba, Oscar. – vovô me entregou o cálice fumegante e antes que continuasse pensando demais, bebi de uma só vez. Não tinha gosto de nada, parecia água.
- O que tinha... – Não consegui completar a frase. Minha boca ficou mole e meus dedos começaram a formigar. Meu coração acelerou de um jeito assustador, depois me senti totalmente sem forças e apaguei.

ºººººº

As pessoas na masmorra estavam em silêncio, observando atentas meu avô parado ao meu lado, próximo a minha cabeça. Ele mantinha uma das mãos no meu pescoço, o dedo indicador posicionado em cima de uma marca de nascença que tinha. Parecia uma cicatriz e ficava bem abaixo da orelha esquerda. Ele falava baixo ao meu ouvido um encantamento muito antigo, como uma canção suave. Não entendia uma única palavra, mas era bonito. Alec e Oleg continuavam me olhando apreensivos demais para sequer respirar e agora meu irmão mais novo, Edgar, tinha a mesma expressão dos dois. Os outros continuavam observando como se aquilo fosse rotina. E era, na verdade.

Vovô repetia as palavras cada vez mais depressa, acelerando a canção. Senti alguma coisa me puxar, e então meu avô olhou para o alto, diretamente para mim. Foi quando me dei conta do modo que estava vendo aquela cena. Meu corpo estava deitado sobre a mesa de pedra, imóvel, os olhos fechados, sem respiração alguma. Entendi que a canção estava me chamando de volta a meu corpo e obedeci ao seu comando.

ºººººº

Quando abri os olhos outra vez, a primeira pessoa que vi foi meu avô. Ele me lançou um olhar enigmático e me estendeu a mão, me ajudando a levantar. Talvez esperasse que eu dissesse alguma coisa inteligente, mas tudo que consegui fazer foi abrir e fechar as mãos, me certificando que tinha o controle delas outra vez. Sentia-me do mesmo jeito de antes. Deveria me sentir diferente, ou a única coisa diferente era que agora eu era um Imortal? Como se isso fosse algo banal. Meus irmãos e amigos se aproximaram, curiosos.

- E ai? Está sentindo alguma coisa diferente? –Georgi, meu irmão mais velho, perguntou. Fiz que não com a cabeça, mas me arrependi instantaneamente.

Senti uma dor horrível, que nem de longe poderia ser comparada a uma dor de cabeça comum. De repente eu ouvia tudo, até mesmo uma leve respiração. Meus irmãos e amigos conversavam em um tom de voz normal, mas era como se eles estivessem gritando a plenos pulmões. Tapei os ouvidos depressa, mas as vozes não foram nem remotamente abafadas. Não demorou muito e senti meu nariz sangrar. Não sabia se continuava com as mãos nos ouvidos, mesmo que inutilmente, ou tentava conter o sangramento.

- Isso vai passar – ouvi a voz de minha irmã, Katarina, atrás de mim – No começo é um pouco ruim, mas você se adapta.
- Como assim? O que é isso?
- Seu poder, maninho – ela apertou meu ombro e soltou uma risada como se estivesse se divertindo – Está ouvindo todo o tipo de som, não é? Vozes altas? – assenti com a cabeça e ela latejou de novo – Você agora pode ler mentes, como eu.
- Ah ótimo, temos dois desse em casa agora – Ramon, meu outro irmão, falou desolado e todos riram. As risadas soaram como uma platéia de stand up comedy minha cabeça.
- Ande, levante daí – Oleg me puxou pela manga da camisa e me arrastou pra fora da mesa de pedra – Ainda é seu aniversário e temos uma comemoração especial – notei que ele trocou um olhar travesso com Alec e Georgi, mas não consegui processar uma pergunta com aquela dor latejando.
- Oscar – vovô me deteve antes que chegássemos à porta e pôs a mão sobre a marca de nascença que tinha no pescoço – Tome cuidado.

Assenti outra vez, embora não tenha entendido o que ele quis dizer. Talvez soubesse, mas no momento não me lembrava. Vovô ia me perdoar por isso. Tinha a sensação que minha cabeça explodiria em mil pedaços a qualquer momento, não podia desperdiçar meus últimos minutos com ela pensando. E não pensar pareceu apropriado, uma vez que chegamos ao local da “comemoração especial” do meu aniversário. Era um estúdio de tatuagens. Acho que hesitei, pois eles me empurraram pra dentro do estúdio os três juntos, bloqueando qualquer possibilidade de sair.

- Você tem que fazer uma! – Alec me empurrou sentado numa cadeira e puxou a barra da calça, deixando o tornozelo a mostra. Tinha uma tatuagem nele – Eu fiz uma, você não vai amarelar.
- Não é isso, mas e se ficar ruim? Vou ficar com ela pro resto da vida. Literalmente.
- Deixe de ser fresco, Ozzy! – Oleg atirou um catalogo aberto no meu colo e apontou para uma das tatuagens.

Era um Uróboro, o símbolo da eternidade. O mesmo do tornozelo de Alec. Oleg arregaçou a manga da camisa e deixou o dele amostra também. Meu irmão fez o mesmo, mostrando o que tinha nas costas. Todos eram iguais. Eles haviam feito daquilo uma tradição da qual eu não sabia.

- Não seja uma mulherzinha – Georgi bateu em meu ombro com força – Ramon e Katarina também fizeram uma, não vai ser você a quebrar a corrente, não é?

Olhei para eles e entendi que não ia sair dali sem ela. O tatuador já estava com o aparelho com aparência letal na mão, me esperando. Olhei mais uma vez para a tatuagem no papel. Uma serpente engolindo a própria cauda. Tirei a camisa antes de reconsiderar e deitei na mesa, deixando que ele marcasse a parte de trás do meu pescoço com aquela agulha. A dor de cabeça pareceu insignificante comparada a ela, mas era tarde demais para voltar atrás. E eu também não queria. Era hora de começar a viver a vida do jeito certo.