Tuesday, March 27, 2012

"Nossa dúvidas são traiçoeiras e nos fazem perder o bem que poderíamos conquistar se não fosse o medo de tentar."

William Shakespeare



Passar 48h acorrentado a alguém que não quer sequer ouvir sua voz não é o que se pode chamar de uma atividade produtiva, mas aquele fim de semana revelou muita coisa a Ozzy sobre a pessoa presa ao seu pulso esquerdo. Ele agora podia dizer, com toda certeza, que Parvati era alguém que não se deve contrariar. Foi de longe o pior fim de semana que ele já passou e quando a hora de tirar as correntes chegou, os dois foram os primeiros a aparecer na sala de aula. Dr. Pace as retirou e ambos notaram o olhar de reprovação, mas não havia nada que pudessem fazer. Ozzy ainda tentou conversar com ela, pedir desculpas, mas depois de ser ignorado pela quarta vez, deu-se por vencido. A avaliação seria ruim, mas ele ao menos poderia dizer que havia se esforçado.

A semana não prometia ser muito melhor. Se quando estava atado a ela não conseguiu convencê-la a ouvi-lo, agora que estavam livres um do outro seria mais complicado. A esperança de Ozzy em força-la a escutar o que tinha a dizer era na consulta com o Dr. Pace, mas encontrar ele naquela semana significava ouvir tudo que ele tinha a dizer sobre a dinâmica do fim de semana e o quão mal eles se saíram, e aquilo era algo que Ozzy não estava nem um pouco ansioso para presenciar.

Parvati já estava na sala quando ele chegou, mas apenas Dr. Pace o cumprimentou quando se sentou em seu lugar no sofá.

- Sinto que a sessão hoje será interessante – ele comentou e Ozzy deixou escapar uma risada nervosa – Vamos começar com a avaliação da dinâmica das correntes.
- Nos saímos bem? – Parvati perguntou sarcástica.
- Você acha isso divertido, Parvati? Todas as duplas tiveram contratempos, mas conseguiram encontrar um ritmo. E vocês dois, os únicos que eu tinha certeza que se sairiam bem, foram os únicos a serem reprovados no exercício. Isso não é pra ser engraçado, o futuro de vocês como auror depende da avaliação final do curso. Uma avaliação ruim, ou até mesmo mediada, e nenhuma academia aceitará os dois. Ainda querem rir ou acha que já podemos falar sério?
- Foi minha culpa, doutor, eu disse coisas que não devia, mas tentei pedir desculpas e ela se recusou a aceitar – Ozzy respondeu e Parvati reagiu ao seu lado.
- Falar e depois pedir desculpas é muito fácil, porque não pensa antes de abrir a boca? – ela retrucou, irritada.
- Ah, está falando comigo agora?
- Você é ridículo, não acredito que um dia pensei que isso daria certo.
- Não daria mesmo, não tenho vocação pra corno manso, isso é função do Hölzenben.
- Ah, olhe só, você ouviu, não é? – Parvati olhou para o psicólogo – Agora ele pede desculpas e devemos todos fingir que nada aconteceu. Hipócrita!
- Chega! – Dr. Pace interferiu, visivelmente irritado – Parem agora mesmo. Não estou acreditando no que estou vendo. Quantos anos vocês dois têm? Vão mesmo jogar fora toda a evolução que fizeram nesses últimos meses por causa de uma desavença sem sentido? Os dois estão errados! Eu não me especializei em psicologia infantil, trabalho com adultos e espero esse comportamento de duas pessoas que já completaram 17 anos e são considerados maiores de idade pelas leis bruxas – nenhum dos dois respondeu, o que fez com que Dr. Pace balançasse a cabeça cansado – Muito bem, acho que agora é a hora de vocês me dizerem o que aconteceu de verdade.
- O que quer dizer? – Ozzy perguntou sem entender – Já contamos o que houve.
- Não estou me referindo ao último sábado. Quero saber o que aconteceu há dois anos e meio atrás, que desencadeou essa série de brigas sem sentido entre os dois. E que eles nunca haviam contado aquilo para ninguém, nem mesmo seus amigos mais próximos.

Ninguém disse nada. Agora, pela primeira vez desde que entraram na sala, os dois se encararam. Trocaram um olhar cheio de mágoa, mas não disseram uma única palavra. Estava mais do que claro para Martin que uma parte importante da história dos dois estava sendo omitida e ele não estava disposto a liberá-los sem antes ouvi-la.

- Ninguém sai dessa sala hoje sem contar essa história – ele alertou e os dois o encararam surpresos – Não importa se é algo que não gostam de comentar. Já ficou claro que, o que quer que tenha acontecido, é o que impede que vocês deixem suas diferenças de lado e tenham uma boa convivência. Então, quem vai começar?

Silêncio outra vez. Os dois trocaram outro olhar magoado e acusatório e Parvati abaixou a cabeça, mas Ozzy encarou Martin. Houve um segundo de hesitação, mas ele contou tudo. Martin ouviu durante uma hora Ozzy contar a história de quando as duas famílias se encontraram por acaso em um resort no Havaí, no verão de 2013. Ouviu-o contar que, naquela época, nenhum dos dois era o que poderia se considerar amigo, mas se davam bem, até passaram alguns dias de férias juntos e o que antes não significava nada, se transformou em atração, levando os dois a passarem os dois meses de férias juntos.

Martin já esperava por alguma revelação daquele tipo, no fundo ele sempre soube que os dois já haviam se envolvido de alguma forma, mas não esperava ouvir aquele desfecho, quando Ozzy contou sobre o último dia das férias. O dia em que ele havia planejado tornar especial e tudo deu errado.

- Ela me largou na praia sem roupas – ele não conseguia olhar pra ela enquanto narrava a história – Foi embora rindo, dizendo que eu era um idiota. Como não posso ter raiva de alguém assim?
- Parvati? – Martin a chamou, que até o momento parecia alheia ao que ele contava, sem interrompe-lo – Gostaria de contar a sua versão?
- Ele fala como se fosse inocente e eu a vaca que o enganou, mas eu ouvi você mais cedo naquele dia – ela o encarou pela primeira vez desde que começou a contar a história – Estava no bar do hotel.
- Você ouviu aquilo? – Ozzy reagiu surpreso.
- Sim, eu ouvi. Ainda bem que ouvi, ou teria continuado acreditando em você.
- O que você disse que ela ouviu, Oscar? – Martin interrompeu.
- Ele estava com os irmãos e eles estavam o interrogando sobre quanto tempo mais ia levar pra “subir a saia da loirinha” – Parvati disse com desprezo na voz – E ele riu, dizendo que não ia passar daquela noite. Que eu era difícil, mas ele já havia me dobrado.
- Não, você entendeu tudo errado! – ele agora parecia desesperado – Nada daquilo era verdade, só disse isso para eles saírem do meu pé! Ramon e Georgi são dois idiotas, que acham que não vale a pena se prender a uma pessoa só e estavam me enchendo desde quando começamos a ficar. Eu só os ignorava, mas estavam começando a me vigiar e a única forma de tirá-los do meu pé era concordando com eles. Eu nunca quis dizer nada daquilo. Parvati, eu ia pedir você em namoro naquela noite. As férias estavam acabando e eu tive medo que pensasse que tinha sido só um caso de verão que não significou nada, queria continuar com você quando voltássemos a Durmstrang.

Pela quarta vez naquela noite, a sala caiu em silêncio. Ambos abaixaram a cabeça e Martin percebeu quando Parvati rapidamente enxugou uma lágrima que começava a cair. Ozzy, por sua vez, permaneceu de cabeça baixa sem emitir nenhum som. A sessão havia terminado, não restava dúvida.

- Não posso força-los a dizer mais nada, a partir de agora só posso aconselhar – Martin quebrou o silencio depois de intermináveis cinco minutos de anotações – O que aconteceu foi um grave problema de falta de comunicação, mas agora que já sabem o que realmente aconteceu, os motivos que levaram aos atos de quase três anos atrás, o que pretendem fazer? Vão jogar para debaixo do tapete ou esclarecer de uma vez por todas tudo que passou? Pensem nisso, conversamos outra vez na semana que vem.

Os dois levantaram calados do sofá e saíram da sala, mas assim que pisaram no corredor, Ozzy segurou Parvati pelo braço forçando-a a parar. Ela o encarou com os olhos vermelhos por estar prendendo o choro e quando a primeira lágrima finalmente desceu, Ozzy a secou, alisando seu rosto. Parvati abaixou a cabeça, mas ele ergueu seu queixo e a puxou para um beijo. Como da última vez, Parvati cedeu ao beijo. E como também aconteceu na última vez, ela o interrompeu de forma repentina e o afastou com as mãos, correndo em seguida. Ozzy encostou-se à parede e deixou o corpo escorregar até estar sentado no chão, voltando a abaixar a cabeça e apoiá-la nos joelhos. Pela primeira vez em muito tempo, ele não tinha ideia do que fazer.


Here we are
Isn't it familiar
I haven't had someone to talk to
In a such long time
And it's strange
All we have in common
And your company was just the thing
I needed tonight
But somehow I feel I should apologize
Cause I'm just a little shaken by
What's going on inside

I Should Go – Levi Kreis

Monday, March 26, 2012

Algumas anotações de Mitchell Callahan, Março de 2016.

‘Família é o lugar onde as mentes entram em contato entre si. Se essas mentes amam umas as outras, o lar será tão bonito quanto um jardim florido. Mas se essas mentes entrarem em desarmonia umas com as outras, será como uma tempestade que destrói o jardim’. Buda

Quando cheguei na casa da Leonora, estava suado e faminto por causa do treino de quadribol, mas senti que alguma coisa estava errada. Entrei e vi que a gata dela, Condessa, estava toda arrepiada andando de um lado a outro no hall de entrada, e quando me viu, miou alto e passou pelas minhas pernas, era como se quisesse me mostrar alguma coisa, me apressei a entrar na sala, e acabei vendo que Leonora estava caída no chão chorando, rodeada por cadernos velhos. Me aproximei e ela me agarrou soluçando e tudo o que eu pude fazer, foi me sentar no chão e segura-la bem forte, esperando que a crise passasse, enquanto ela ia me falando sobre suas descobertas.
Quando ela falou que havia sido roubada na maternidade, minha primeira reação foi de choque, e depois lembrando de como aquela familia agia com ela, comecei a pensar que tudo poderia ser verdade, a ouvi dizer que ela era uma farsa, eu apenas fiz que não com a cabeça, pois já pensava numa forma de averiguarmos sobre isso, e até pensei em perguntar ao professor Wade, como funcionava uma investigação deste tipo quando a vi jogar um dos diários revoltada, antes que eu a acalmasse, Soren, entrou pela porta trazendo a sacola com a comida que eu havia pedido para ele comprar.Peguei as sacolas e o dispensei.
- Hora do jantar...- tentei soar animado.
- Estou sem fome.- ela disse séria e eu respondi:
- É comida chinesa, você adora.- e ela desviou do assunto:
- Você não devia ir embora para a casa da sua tia? Você havia dito que ela queria te ver.
- Minha tia pode esperar. Esta noite eu à sua disposição.- disse soltando a sacola e tentando beijar seu pescoço para distraí-la e ela me repeliu tensa.
- Não estou legal hoje, tenho muita coisa para fazer, quero ver todos estes diários, separar o que é relevante e levar para a república, preciso falar com meu advogado...
- Acalme-se, eu estou do seu lado, Leonora. Sei pelo que você está passando.
- Ah é? O quê? O que eu estou passando?- disse nervosa e eu tentei soar o mais racional possivel:
- Sente-se magoada por descobrir segredos que afetam a sua vida e da sua familia, através da sua avó, a pessoa que você mais amava e confiava. Também está pensando que se ela realmente a amasse deveria ter lhe contado a verdade, por mais dolorosa que fosse...
- Não queira bancar o psicólogo comigo, isso só funciona no seu curso de auror.
-Eu não tenho intenção de bancar o analista, é só que eu conheço você...- e ela me interrompeu:
- Nós temos um namoro, ou pelo fato de dormirmos juntos podemos até chamar de caso, e só por isso não quer dizer que você me conheça, então não se empolgue muito.- ela disse me dando aquele olhar superior, que às vezes me irritava e tentou sair de perto de mim, mas eu a segurei pelos braços e seus olhos se arregalaram:
- Quando você não pára de pensar numa pessoa em nenhum momento do dia, isso não é um caso....Quando você se lembra do toque dela,como se ela estivesse ao seu lado, isso não é só um caso... Se você quer ficar sozinha, para processar tudo o que descobriu, eu respeito isso, mas não queira diminuir o que nós temos, que é muito mais forte que seu mau humor de menina mimada.- disse soltando-a e sai porta afora, mas não fui longe. Fiquei sentado no degrau da entrada e Condessa veio se juntar a mim.
Depois de meia hora, achei que ela talvez estivesse mais calma, e voltei. Quando entrei, senti cheiro de queimado e vi que saía muita fumaça da cozinha. Corri para lá e Leonora estava abrindo as janelas. Fui ajuda-la:
- Fui esquentar a sopa e acho que a queimei...- ela disse entre uma tosse e outra:
- Você acha? Pelo que estou vendo sua panela esta perdida.- disse quando joguei a panela dentro da pia e corri para o forno que apitava feito um doido e tirei de lá de dentro vários pedaços de carvão fumegando. Senti o cheiro do papelão queimado. ‘Ela não sabe que tem que tirar a comida da embalagem antes?? pensei mas não disse nada. – me ocupei em dispersar aquele cheiro com um aceno da varinha.
- Mas você queimou toda aquela comida?- perguntei e ela recomeçou a chorar quando ouviu meu estômago roncar.
- Hey,não fica assim, é só comida.- disse enquanto enxugava uma lágrima do seu rosto com o meu polegar, e ela me abraçou:
- Desculpa, ter bancado a megera antes, eu estava me sentindo péssima, Mitchell, eu realmente estava...
- Eu sei, e achou que se eu a visse vulnerável, descobrindo coisas sobre seu passado e precisando de ajuda, eu fugiria e a deixaria sozinha. Não fui ok? Tava sentado na escada aqui da frente de casa com a Condessa, achei que você iria me chamar.- eu admiti e ela sorriu:
- Vi vocês pela janela, e pensei em atraí-lo de volta com a comida, mas estraguei tudo.- e eu ri:
- Leonora, ainda bem que você não precisa testar as receitas do seu concurso pessoalmente, seria um risco à saúde pública. - e ela gargalhou, mas depois tornou a ficar séria:
- Passei a minha vida toda contando apenas com meus avós, depois só com vovó, até entrar em Durmstrang e conhecer Robbie e Parvati. Nem Finn, tem tanto acesso a mim quanto eles, e agora você... Depois de descobrir sobre o meu nascimento, e pensar em todas as dúvidas que passaram pela minha cabeça sobre quem eu sou realmente, se meus amigos vão continuar sendo os meus amigos....Acabei descontando em quem não merecia
- É compreenssível, no seu lugar eu também surtaria. Sou mais forte do que pareço, e nâo tenho medo de lutar pelo que eu acredito, e eu acredito em nós, nunca tenha dúvidas disso. E você não deve ter dúvidas sobre quem você é, amor é mais forte do que o sangue. Sua avó, a amou muito e a criou para ser uma mulher forte, independente, Robert e Parvati são os irmãos que você escolheu e sei que eles pensam o mesmo, e eu...Eu vou estar ao seu lado, te apoiando, só porque amo você, se concentra nisso e tudo vai ser mais fácil.
- Eu estou com medo, Mitchell.- ela me disse após refletir sobre as minhas palavras, assenti e a segurei firme entre os meus braços, enquanto beijava o alto de sua cabeça.

Tuesday, March 20, 2012

Chegamos às 17h em ponto na sala do curso de auror e nos deparamos com um aviso na porta mandando todos seguirem para o campo de quadribol. Ninguém tinha ideia do que nos esperava, mas uma coisa era certa: se a aula era em campo aberto, íamos cansar. E acertamos em cheio. Quando pisamos no campo vimos uma estrutura enorme montada, parecendo uma pista de obstáculos de treinamento militar: tinha uma plataforma alta, uma rede de escalada, uma pinguela, pneus enfileirados, vários troncos altos e baixos e uma pista de lama com cordas em cima, onde ficou bem claro que teríamos que rastejar por baixo delas pra passar.

- Boa noite, senhores – o professor Wade falou em seu tom de voz mais sádico. Aquilo era um mau sinal – Como já notaram, hoje vamos fazer algo diferente.
- Hoje nós vamos avaliar como anda a comunicação entre as duplas, e quanto vocês confiam um no outro – a professora O’Shea explicou – Um de vocês vai ficar vendado, enquanto o outro, de cima daquela plataforma, vai guiar o parceiro pelos obstáculos. Vocês vão começar em lados opostos e o objetivo é fazer o seu parceiro chegar até a sua plataforma em segurança.
- Não é uma corrida, isso não é Survivor e vocês não estão lutando pela imunidade, então não se apressem. Encontrem uma maneira de se comunicarem de forma eficaz, porque todos vão gritar ao mesmo tempo e vai ser difícil para o seu parceiro ouvir suas instruções. Vocês têm cinco minutos para decidir quem vai ficar vendado e quem vai guiar e bolarem uma estratégia antes de começarmos.
- Não acho que consigo gritar alto o suficiente – Parvati disse logo – Acho melhor você guiar.
- Você sabe que vai ter que rastejar na lama, não é? – perguntei rindo, mas ela deu de ombros – Ok então, eu guio.

Quando eles autorizaram o inicio do exercício, um caos se instalou. Todos gritavam ao mesmo tempo instruções confusas e os que estavam vendados, do outro lado da pista, pareciam galinhas decepadas andando rumo. Demorou até que Parvati conseguisse distinguir minha voz no meio daquela confusão, mas quando ela conseguiu me ouvir, trabalhamos bem. Passou sem muita dificuldade pela rede de escalada (quase saiu do alto dela, mas se segurou a tempo), atravessou os pneus sem pressa e seguindo minhas instruções para não tropeçar, passou pela pinguela colocando um pé na frente do outro e com os braços estendidos como mandei e pulou e passou por baixo de todas as traves que tinham no caminho sem acidentes. Só faltava o rastejo e quase todas as duplas estavam nele, as vozes começaram a se embolar outra vez e precisei gritar mais alto.

- Parvati, pra baixo! Você precisa rastejar!
- O QUE? OZZY? NÃO CONSIGO OUVÍ-LO.
- ABAIXA! VOCÊ PRECISA RASTEJAR!
- AI! – Oleg trombou feio com ela, derrubando Parvati por cima das cordas.
- Desculpa! – ele tentou ajuda-la a levantar, mas vendado estava atrapalhando mais do que ajudando – Quem caiu?
- Parvati! Quem é? Oleg?
- OLEG, SAI DAI! – Mitchell gritou da plataforma do meu lado – ESQUERDA, VAI PRA SUA ESQUERDA!
- PARVATI, FICA ABAIXADA! VOCÊ PRECISA RASTEJAR PRA ATRAVESSAR AS CORDAS!

Parvati finalmente ouviu e fez sinal de positivo, seguindo o que mandei e passando rastejando pela lama debaixo das cordas. Incentivei-a a continuar dizendo que faltava pouco e quando ela passou por todo o percurso de cordas, a professora O’Shea apitou e saltei da plataforma para encontra-la.

- Karev e Lusth estão ok, pode tirar a venda! – ela deu sinal positivo e Parvati arrancou a venda dos olhos. Estava suada, o rosto vermelho e toda suja de lama.
- Acho que fomos bem – ela falou quase sem folego, limpando a lama do rosto.
- Sim, vocês foram muito bem – a professora se aproximou – Apanharam um pouco no começo, mas quando conseguiram se comunicar Parvati confiou nas suas instruções e passou sem problemas pelo percurso – ela sorriu e apitou outra vez – Callahan e Karpov ok, pode tirar a venda!

Oleg tirou a venda dos olhos e vi que tinha um corte no supercilio direito, de quando não ouviu Mitchell mandando que abaixasse e deu uma cabeçada na trave. Também estava todo sujo, mas fora o machucado, eles passaram bem pelo percurso e tinham cumprido o objetivo da prova. Demorou mais meia hora até que todos tivessem concluído o percurso e sentamos na grama para ouvir a avaliação.

- No geral, todos se saíram bem. Alguns tiveram mais dificuldades, alguns até se machucaram – e Oleg passou a mão na testa na hora, fazendo a turma rir – Mas todos provaram que a comunicação entre as duplas está boa e que vocês confiam um no outro.
- O próximo exercício de dinâmica entre as duplas, como já havíamos avisado, é nesse fim de semana. Nós só vamos chegar aqui às 17h, então quem vai orientar vocês é o Dr.Pace. Estejam na sala de aula pontualmente às 10h.
- O que vai ser o exercício? – Mitchell perguntou com a mão levantada.
- Sábado vocês vão descobrir. Lembre-se que ninguém vai poder ir pra casa, ele vai ocupar todo o fim de semana, também já havíamos avisado sobre isso.
- Vocês vão gostar, é divertido – mais uma vez, o tom de voz sádico – Agora antes de liberarmos vocês, 50 voltas no campo. Vamos, vamos! – ele bateu palmas e gritou e todo mundo levantou depressa.

Corremos as 50 vezes que ele mandou em volta do campo de quadribol e conforme íamos terminando, éramos liberados da aula. Já eram quase 21h quando cheguei à Kratos e desmaiei na cama antes mesmo de considerar tomar banho. Ainda bem que não tinha sido eu a atravessar o percurso, ou teria dormido todo sujo de lama.

°°°°°°°°

Sexta-feira passou como um raio e quando me dei conta já era sábado e estava mais uma vez preso na escola por conta de algum trabalho do curso de Auror. Como havíamos sido orientados, às 10h estávamos todos na sala de aula esperando que o Dr. Pace chegasse para explicar o que teríamos que fazer. Foi impossível não notar que em cima da mesa dele havia uma caixa de madeira enorme e aquilo me preocupou. O que quer que fosse, se seria passado aos alunos por ele, a avaliação teria um valor muito maior do que parecia. Ele entrou logo depois que nos acomodamos e estava animado. Outro sinal de preocupação. O que deixa um psicólogo animado dificilmente anima seus pacientes.

- Bom dia, turma, como estão? – todos o cumprimentaram de volta e ele sorriu ainda mais animado – Muito bem, vou ser bem direto para podermos começar logo a dinâmica – ele abriu a caixa e puxou uma espécie de algema de dentro, mas era de pano e tinha uma corrente um pouco maior – Hoje, vocês serão acorrentados às suas duplas e terão que passar 48h assim. Só poderão retirá-las para usar o banheiro, mas a outra pessoa deverá ficar por perto. O que vamos avaliar nessa dinâmica é a habilidade de vocês em trabalhar juntos. Para a dinâmica funcionar, vocês precisam encontrar o ritmo.
- Dr. Pace, nem todos moram na mesma republica. Não podemos tirar pra dormir também? – Mitchell perguntou e todo mundo apoiou.
- Não, não podem, pois já pensamos na solução para isso – ele colocou a mão na caixa outra vez e puxou um saco de dormir – Para aqueles que não conseguirem chegar a um consenso sobre onde dormir, como é apenas uma noite vamos montar um acampamento aqui na sala e podem vir pra cá. A corrente pode ser usada nas mãos ou nos pés, cabe a vocês decidir onde fica melhor.
- Podemos ir até o vilarejo com elas? – perguntei
- Sim, podem. Só não devem ir para casa, mas podem circular normalmente pelo vilarejo. Estarei observando vocês de perto, assim como Micah e Shannon quando retornarem de Hogwarts. Amanhã às 17h recolheremos as correntes e entregaremos as avaliações durante a semana.

Um por um, as duplas foram até a mesa para receber a corrente e ser liberado. A maioria estava achando divertido e brincando com a idéia, como Oleg e Mitchell, que já começavam a ensaiar andar com os passos iguais, mas eu não estava achando aquilo muito divertido. Era verdade que se fosse um ano antes eu ia querer enforcar Parvati com aquela corrente, mas mesmo nos dando bem agora, passar 48h acorrentado a ela não tinha como dar certo.

Decidimos usar a corrente no braço, porque no pé íamos parecer uma dupla de presidiários. E no instante em que nos prendemos um ao outro, a falta de sincronia ficou clara. Passei pela porta e virei à esquerda, enquanto ela foi pra direita. Fomos puxamos de volta pra perto à força e ela alisou o pulso, reclamando de ter machucado.

- Isso não vai dar certo.
- Tem que dar certo, são 48 horas assim. Só temos que nos comunicar melhor.
- Certo, então vamos pra direita, porque eu tenho que passar no jornal.
- Eu tenho que ir ao vilarejo. Katarina pediu que a encontrasse no café às 10:30.
- Não vou ao vilarejo com isso.
- Eu tenho que ir até lá, ela disse que era importante.
- Ok, tudo bem, mas vamos passar no jornal antes.
- Não pode ser depois? Fico a tarde inteira lá se quiser, mas temos que ir até o vilarejo agora.

Ela finalmente cedeu e seguimos para a cidade. As ruas ainda estavam vazias, nenhum aluno circulava por elas ainda, todos deviam estar dormindo. Parvati caminhava depressa pra ninguém ter tempo de ver a corrente nos prendendo e sentamos na mesa mais afastada do café. Como sempre, Katarina estava atrasada. Já estávamos esperando há quase 10 minutos quando ela finalmente apareceu.

- Desculpe o atraso, maninho, mas não controle os acidentados que chegam ao hospital! – ela já chegou se explicando e puxando uma cadeira – Olá Parvati, que bom que veio!
- Não tive muita escolha – ela levantou nossas mãos e Kat viu a corrente.
- Curso de Auror? – ela perguntou e assentimos – Por isso escolhi ser Curandeira.
- Ok Kat, você disse que era urgente, então que tal começar a falar? – disse impaciente.
- Muito bem. Primeira coisa, não precisa mais bloquear a mente dela, eu já sei de tudo.
- Sabe tudo o que?
- Sei que ela morreu, e depois voltou – ela abaixou a voz e ficamos tensos – Sei o que você e os gêmeos fizeram.
- Quem contou isso a você?
- Ninguém me contou, mas você contou Eddie e isso bastou – ela deu um sorriso cínico e me amaldiçoei por ter dito a ele – Ele não teve culpa, bastou olhar pra ele e vi tudo.
- Por que você contou a ele? – Parvati perguntou nervosa.
- Ele sabia, ele leu o relatório da policia que o Dr. Pace me deu e me confrontou. Não pude mentir, ele queria saber por que só salvamos você.
- E por que você o deixou ler isso? Droga Ozzy, isso deveria ser um segredo, você mesmo disse que ninguém podia saber! – ela quase gritou, irritada.
- Eu não entreguei a ele, ok? – respondi tão irritado quanto ela – Ele viu em cima da cômoda e pegou! O que eu devia fazer? Tomar da mão dele e rasgar? Só ia piorar as coisas!
- Ok, se acalmem vocês dois! – Kat interferiu a tempo, pois já estávamos quase rosnando – Não vim aqui para dar bronca, vim para ajudar.
- O que? Você não vai nos denunciar ao Conselho?
- Está maluco? Tem idéia do que pode acontecer com vocês se eu entregá-los? Não quero perder meu irmãozinho, então não, não vou denunciar os três patetas.
- Então o que? Vai nos chantagear?
- Oscar, você tem muita pouca fé na sua irmã. Não vim chantagear ninguém, já disse que quero ajudar.
- Em que exatamente você pode ajudar? – Parvati perguntou em um tom mais gentil.
- Sei que você tem a mesma habilidade que nós dois, e existem tantas coisas que posso fazer que vocês nem podem imaginar. Isso vai muito além de ler mentes. Quero ajudá-la a aprender todas.
- E...? – emendei, pois aquela era Kat, tinha algo mais.
- E eu fiquei muito curiosa por saber que o ritual funcionou em uma mortal comum, sem ofensas – ela adiantou depressa e Parvati fez sinal de tudo bem – Não sabia que isso era possível. E você ainda voltou com poderes, achava isso ainda mais impossível.
- Por que impossível? Não é o ritual que desencadeia isso tudo?
- Eu sempre achei que fosse algo relacionado à linhagem sanguínea, mas acho que ficou provado que não é. Quero descobrir o que é.
- Cuidado com essas pesquisas, pode atrair a atenção de alguém.
- Não se preocupe, sei ser discreta quando preciso.
- O que exatamente podemos fazer, além de ler mentes? – Parvati perguntou de repente, como se só aquela parte da conversa tivesse lhe interessado.
- Ah, isso é conversa pra outra hora, quando eu tiver mais tempo – ela chamou o garçom – Um café para viagem, por favor. Preciso voltar para o hospital, mas quando forem para casa em um fim de semana e eu tiver folga, conversamos.

Kat pagou pelo café e assim que nos despedimos ela aparatou de volta pra Sofia. Pedimos cafés para viagem também e saímos para a rua. Ela já estava lotada, os moradores da cidade que ainda estavam dormindo quando chegamos agora já ocupavam a praça e as lojas do vilarejo. Parvati recolheu a corrente que nos separava e agarrou minha mão.

- O que está fazendo?
- Não quero que ninguém veja essa corrente idiota, vamos voltar depressa.

Andamos de mãos dadas cerca de um minuto até tudo dar errado. Quando fizemos a curva para pegar a estrada que subia até os portões do castelo, Lukas estava encostado no muro esperando por ela. A primeira reação dela foi sorrir animada, mas quando a expressão no rosto dele se fechou, ela percebeu que ainda segurava minha mão. Soltou depressa, mas era tarde demais. Lukas passou batido por nós dois e quando estava fora do alcance da proteção contra aparatação, desapareceu. Parvati correu até onde ele desaparatou, mas continuei parado e a corrente a freou.

- Solta essa coisa do meu pulso, tenho que ir atrás dele! – ela começou a desatar a corrente, mas segurei sua mão para impedi-la.
- Ficou maluca? Não podemos sair!
- Eu preciso ir, ele está pensando besteira!
- Ninguém morreu, então não pode sair! Estamos presos goste você ou não e eu não vou colocar em risco minha chance de ir pra Academia de Auror porque você quer ir atrás dele! Se não está levando isso a sério e prefere priorizar esse namoro falso, não devia ter se inscrito no curso!
- Namoro falso? Quem você pensa que é pra falar isso?
- Você nem gosta dele! Só está com ele porque não quer ficar sozinha! Relaxa, ele já está mais que acostumado com o peso do chifre, e um imaginário não vai fazer diferença – ok, eu tinha ido longe demais e nem teria sido necessário olhar pra expressão no rosto dela – Desculpa, não quis dizer isso.
- Não, você quis sim.
- Onde está indo? – perguntei quando ela passou por mim na direção dos portões – Ah, não vai me responder?
- Tenho que ficar 48h acorrentada a você, mas não precisamos conversar. Estamos entendidos?

Assenti sem opção e voltei para o castelo atrás dela. Como previ, não tinha como passar 48h acorrentado a Parvati sem que alguma coisa desse errado. Eu só esperava que demorasse um pouco mais para as coisas desandarem.

Thursday, March 15, 2012

- Vocês não querem vir comigo? Podemos fazer uma sessão de filmes trash, a tv é ótima, Mitchell quem escolheu. Imagina ver ‘Piranhas 3D’?- comentei e observei Robbie e Parvati trocarem olhares maliciosos entre eles.
- Eu já tenho planos, e não vou ficar de vela.Já é dificil quando vocês estão juntos no grêmio...Ou na biblioteca...Ou no salão de jantar...- zoou Parv e Robbie completou:
- Adoraria uma sessão trash, mas já fiz planos com Alec. Não vou empatar, quando vocês tão claramente no estágio seis.
- Estágio seis? Que isso?- perguntei e Robbie riu:
- Vai me dizer que você não sabe o que é o estágio seis? É do manual básico em relacionamento.- e Parv riu:
- Robbie, ela parou de ler as revistas adolescentes, agora que está firme com o Mitchell, não sabe do ‘estágio seis’.- olhei feio:
- haha, muito engraçado que coisa é esta de estágio seis que não estou sabendo? E eu odeio não saber das coisas.- e Robbie assumiu um tom professoral:
- Amiga, um relacionamento sério é composto de vários estágios, começa com o estágio um que é:- e apontou para Parv que respondeu:
- Assumir que está a fim.- e Parv começou a contar nos dedos, enquanto respondia:
- Estágio dois: passar o fim de semana juntos.Vocês fazem muito isso.- e Robbie continuou, enquanto eu prestava atenção:
- Estágio três: dar a cópia das chaves, sabemos que Mitchell a tem, ou ele não teria pego você esparramada em cima do Finn e pirado de ciúmes, e causado toodo aquele drama.
- Eu não estava esparramada em cima do Finn, cai por acidente, quantas vezes vou ter que dizer isso?- e eles riram, e continuaram:
- O número quatro é o fim de semana sensual: pelas olheiras que você chegou aqui semana passada, é claro que já passaram deste estágio. Amiga, não é só Deus que mata ok?- joguei uma almofada nele que riu:
- O estágio cinco são férias prolongadas, também já tiveram isso, e o estágio seis é morar junto. Ops, já moram juntos.Estágio seis completado.
- Nós não moramos juntos.- eu disse defensiva e ambos riram:
- Seus empregados compram as frutas que ele gosta para o café da manhã?
- Sim, mas é uma cortesia, assim como fariam com qualquer hóspede...
-E ele tem roupas na sua casa, posso até dizer que você separou um espaço no closet para as coisas dele. – disse Parv e Robbie não perdeu a deixa continuando:
- Vocês enfeitiçaram uma cama juntos e o mais decisivo: compraram uma super tv cheia de recursos, trocaram os sofás...
- Ele comentou com Oleg,que se acontecer algum acidente durante os jogos ou no treinamento de auror, o contato de emergências, é o seu.
- O segurança dele, o Soren, meu pai quem tem um nome destes? Bem, o segurança dele, reforçou a segurança da sua casa.- disse Parv e eu abria e fechava a boca como se fosse um peixe, olhando para os dois e ambos riram:
- Viu? Vocês moram juntos.- finalizou Robbie e depois de olhar para eles, disse séria:
- Isso não pode continuar assim.- e eles pararam de rir.
- Ai droga, Robbie! Sabia que ela não estava preparada para ouvir a verdade, já está pensando em besteira...- disse Parv e eu ralhei com ela:
- Pára de ler meus pensamentos, é falta de educação.
- Não preciso, sua cara diz que você está apavorada e se te conheço vai fazer alguma coisa para sabotar seu namoro. Não ouse terminar com o Mitchell de novo, nós gostamos dele.
- Não vou terminar...Mas morar junto?A família dele não gosta de mim...Nem saímos da escola ainda...E se não der certo? - e Robbie me segurou pelos braços olhando em meus olhos:
- Querida, vocês estão apaixonados, e isso é o importante aqui. E sei que lá do Paraíso, vovó está torcendo por vocês dois, acalme-se. – assenti e Parv completou:
- A única certeza que temos é que viver o presente intensamente, pode fazer um futuro melhor.Não se prenda às convenções Léo, sobre serem jovens ou a aprovação das famílias. Com o tempo tudo vai se ajeitando.Nossa, a convivência com o doutor Pace está me contaminando. – rimos e nós três nos abraçamos e nos despedimos, mas eu estava com a cabeça cheia, precisava pensar em toda esta coisa dos ‘estágios’.

-o-o-o-o-o-o-

A reunião havia começado da forma usual: a apresentação dos relatórios, os comentários, George até havia começado a me provocar sobre o concurso, mas quando ele começou a ver que membros do Conselho estavam animados, comentando sobre as receitas, a publicidade positiva que havia sido gerada e me cumprimentavam pela iniciativa, ele fechou a cara e não tocou mais no assunto, e se apressou em continuar a reunião. Terminamos cedo e eu voltei para a casa que a vida inteira eu conheci como sendo a casa de minha avó, mas agora era minha. Eu ainda me sentia estranha em entrar na casa e não encontrar vovó esperando por mim e o serviço de chá pronto, mas eu tinha que seguir em frente. Mantive todos os empregados, mas fiz algumas mudanças na casa, deixando tudo com a minha cara. Claro que Robbie, me deu algumas dicas, inclusive me deu a idéia de transformar o sotão em uma academia já que eu agora levava a sério, esta coisa de malhar. Optei por manter muitas coisas da vovó pela casa, como seus livros preferidos, suas fotos antigas com meu avô, alguns objetos queridos e muitas fotos nossas, que retratavam a minha infância. Segurei o porta retratos com uma foto em que eu usava marias chiquinhas e estava ao lado do meu avô. Eu exibia toda orgulhosa, meu primeiro dólar de prata dado pela fada do dente, eu tinha seis anos. Ao longo da minha vida, eu nunca entendi o porquê destas fotos estarem aqui e não na casa de meus pais, e agora eu sabia. Entendia o porquê das mães das outras crianças sempre irem nas festas da escola e no meu caso, eram vovô e vovó que sempre estavam presentes, e quando meu avô morreu, eu tinha quase nove anos, vovó tomou para si todas estas obrigações. Ela havia sido a minha mãe em todos os sentidos, e eu sentia muita falta dela. Enxuguei o rosto, coloquei a foto no lugar e subi para o sotão, acompanhada de Condessa, que desde o Natal, morava na casa, e como vovó adorava bichos de estimação e minha gata estava feliz aqui, não me incomodava. Era sempre bom saber que pelo menos algo familiar estaria em casa me esperando.
O sótão não era como os dos filmes, todo sujo, escuro e empoeirado. Era limpo, organizado, porém havia muitas caixas por lá, que eu precisava olhar antes de mandar pintar e comprar os aparelhos de ginástica.
Comecei a olhar umas malas antigas, quando uma pequena caiu e se espalhou, deixando alguns diários cairem no chão. Reconheci a letra de minha avó e abri um deles.Vi que eram coisas do seu começo de casamento, suas dúvidas...No começo fiquei constrangida de ler coisas tão pessoais e coloquei de lado, mas em algumas havia trechos de músicas antigas, receitas, lembrei que para vovó devia ter sido dificil, orfã e pobre, casar aos dezoito anos, com um homem de trinta e cinco anos, temperamental e rico. Naquelas páginas, pude entender as dúvidas dela, seus medos, e saber que eles haviam tentado ter filhos por muito tempo, até que conseguiram minha mãe. As palavras felizes, as esperanças...Folheando mais rapidamente, pulei vários estágios daquele crescimento e li que criaram minha mãe como se ela fosse dona do mundo e ela agia como tal. Algumas vezes, eles brigaram por isso, fizeram as pazes...Vovô era um pai babão, dava tudo o que a filha queria, não a punha de castigo mesmo que ela houvesse levado suspensão da escola e minha avó, impunha limites, até que quando ele morreu, minha avó parou de fazer as vontades de minha mãe, agora uma mulher adulta e mãe de duas filhas, porém continuava extremamente mimada. Claro que as coisas não sairam bem, mas quem poderia culpa-las? Ambas tinham gênio forte e queriam tudo à sua maneira.
Pensei que se vovó escrevia tudo em diários, poderia haver alguma coisa relacionada ao meu nascimento, e me animei. Comecei a procurar pelos outros, e encontrei alguns, Condessa resmungou com fome, e eu decidi levar aqueles diários comigo para a sala, e enquanto minha gata comia a sua lata de atum, eu tomava uma xicara de café e ia folheando os diários e voltei um pouco para o tempo antes do casamento de meus pais.
Li sobre os muitos namorados de minha mãe, sua expulsão da escola secundária, por conduta inadequada, sobre suas companhias que vovó não aprovava, e depois quando ela conheceu George Ivashkov, filho de familia rica e e decidiu que ele seria seu marido.
Tornei a ler, mas vovó havia dito isso mesmo: Christine decidiu que George seria dela, e se empenhou para consegui-lo, mesmo ele sendo alguns anos mais velho. Vovó até pensou que ela realmente gostasse dele, mas após o casamento as brigas começaram e eles viviam como cão e gato, tendo se separado algumas vezes, mesmo quando minha mãe estava grávida de Camille.
Nossa, isso estava rendendo mais que novela mexicana. Senti que Condessa se deitou sobre meus pés, mas nem e mexi continuei a ler, até que cheguei na parte onde vovó falava sobre a segunda gravidez de Christine e que desta vez ela suspeitava que teria um menino, e que todos estavam muito animados, pois este bebê faria com que finalmente George rompesse com sua jovem amante, e ele e Christine, seguissem com o seu casamento.
Como assim o segundo filho dela seria um menino? George tinha uma amante?- me perguntei enquanto procurava pela continuação e quando encontrei comecei a ler sem nem me preocupar em acender as luzes. Seu relato era tão contundente, que parecia que eu estava vendo as cenas como se fossem um filme.

'O parto de minha filha foi doloroso, mas a menina mesmo prematura, tinha bom tamanho e parecia forte. George estava viajando a trabalho e viria assim que possivel, estranhei porque ele não quis saber o sexo da criança. Depois que deixei Camille com a babá, voltei para passar a noite com Christine, na maternidade, embora ela tenha insistido que não era preciso, mas algo me incomodava, e achei melhor estar com minha filha.
Quando cheguei ao hospital passava da meia noite, quase não havia movimento nos corredores. Entrei, no quarto e a vi colocando o bebê dentro do berço, e sua feição era dura ao olhar para a criança, não era a mesma mãe amorosa que eu havia visto horas antes. Já havia ouvido sobre depressão pós parto, e comecei a me preocupar.
-O que houve Christine? Você está bem? Não deveria estar em repouso?- e olhei para o bebê e notei que a roupa estava mal arrumada e também percebi coisas diferentes, como o tom do cabelo, que estava mais claro, e a criança parecia maior. Fiquei apreensiva:
- Estou muito bem.- tentei me aproximar e ela se colocou na frente, dizendo:
- Mãe, preciso de sua ajuda.É para salvar meu casamento, é sobre este bebê....
- Como assim? Seu marido, estava animado quando contei que o bebê nasceu.
- Você disse a ele o sexo?
- Não, ele só queria saber se você estava bem, e que ele estava a caminho....O que aconteceu Christine?- e ela se virou para mim nervosa:
- O que vou lhe dizer, mãe, não pode sair daqui, de maneira nenhuma. Jure por todos os santos e pela saúde desta criança, que você não vai contar a ninguém o que aconteceu. Não foi minha culpa, eu só fiz o que era preciso para salvar meu casamento...Mamãe,não conte a ninguém ou sou capaz de me matar.... JURE!- ela disse tão nervosa que jurei, inclusive beijei o crucifixo que eu usava no pescoço. Ela se acalmou, pois sabia que eu falava a sério, e após olhar para a criança mais uma vez disse:
- O bebê morreu.- e eu me desvencilhei dela e me aproximei do berço e vi que a criança dormia bem.
- Não diga tolices, Christine, sua filha está bem.
- Agora que dei um jeito, é claro que ela está bem.- ela respondeu sarcástica.
- Seria bom você dormir um pouco, não está falando coisa com coisa - e ela me encarou e deu uma risada estranha.
- A boa e velha Leonora, aquela que é perfeita em tudo, querida por todos, acha que a filha enlouqueceu, tsc, tsc...
- Não filha, você esta exausta, seu parto foi complicado....- tentei dizer mas ela me interrompeu:
-A menina estava no berço e dormia tranquila, levantei para vê-la e ela estava fria, deve ter morrido enquanto dormia. Na hora saí para o corredor para pedir ajuda, mas sabia que por mais que tentassem meu bebê estava morto, e se ela acordasse que futuro ela teria? Estava sem respirar a tempo demais, para voltar a ser uma criança normal, e ai sim George não teria mais motivos para ficar comigo, e eu não vou acabar a minha vida cuidando sozinha de uma criança retardada.Então, consegui um outro bebê.
-Como assim, Christine? Onde está minha neta, o que você fez?- segurei seus braços com força e ela se soltou:
- Por ironia, uma moça no final do corredor teve um filho quase na mesma hora e está sedada. Troquei nossas crianças, afinal nenhum filho de alguém como ela teria futuro mesmo.
- Não se pode roubar o filho de uma mãe assim, isso é monstruoso.Não posso aceitar isso...
- Não me interessa, agora esta criança será filha de George, seu único defeito é ser filha daquela mulher...Mas você jurou segredo. Se contar, não só eu, mas esta criança também morrerá.
- Christine, converse com seu marido, ele vai entender....
- Entender o quê? – e era George parado na porta do quarto, e Camille se transformou e começou a chorar:
- Que eu me enganei, não esperava um menino George, tive uma menina, desculpe-me querido...sinto-me uma fracassada.- e ele entrou no quarto e a amparou:
- Não tem problemas, querida, vamos cuidar da nossa filha com todo amor e carinho. – e ele após beijar Christine na testa, se aproximou do bercinho e segurou a criança e nesta hora ela abriu os olhos, e George sorriu:
- Veja ela tem os meus olhos...
- Sim, ela é toda você meu amor.- disse minha filha e ela tinha uma expressão calculista no rosto e George continuou:
- Ola, Leonora Marie, eu sou o seu pai.- senti um baque, e abri a boca para acabar com aquele teatro, quando ouvimos um grito de cortar o coração e as pessoas começarem a correr no corredor....’.


- Leonora? O que houve, meu amor?- meus olhos estavam tão embaçados pelas lágrimas, que sabia que era Mitchell, pelo som de sua voz.Soltei o diário e me agarrei a ele e comecei a soluçar, e embora ele estivesse todo suado por causa do treino, não me importei. Ele se sentou no chão e me segurou em seu colo até que eu parasse de chorar.
- O que aconteceu, Leonora? Porque você está triste? São os diários da sua avó?
- Ela não é minha avó.- eu disse e tornei a chorar e ele ficou sem entender, após algum tempo, eu disse, depois de assoar o nariz:
- Eu sempre quis entender, o porque eu não era amada por meus pais, e lendo os diários de vo...dela, eu entendi.
- Certo, você entendeu porque seus pais são dois estúpidos, lendo uns diários velhos, parabéns economizou uma fortuna com terapeutas.- ele disse tentando soar engraçado, mas eu o olhei séria e disse:
- Eles não são os meus pais. Fui roubada da maternidade no dia em que nasci. – apontei para mim mesma e completei: - Esta pessoa aqui na sua frente? É uma farsa!