Tuesday, March 27, 2012

"Nossa dúvidas são traiçoeiras e nos fazem perder o bem que poderíamos conquistar se não fosse o medo de tentar."

William Shakespeare



Passar 48h acorrentado a alguém que não quer sequer ouvir sua voz não é o que se pode chamar de uma atividade produtiva, mas aquele fim de semana revelou muita coisa a Ozzy sobre a pessoa presa ao seu pulso esquerdo. Ele agora podia dizer, com toda certeza, que Parvati era alguém que não se deve contrariar. Foi de longe o pior fim de semana que ele já passou e quando a hora de tirar as correntes chegou, os dois foram os primeiros a aparecer na sala de aula. Dr. Pace as retirou e ambos notaram o olhar de reprovação, mas não havia nada que pudessem fazer. Ozzy ainda tentou conversar com ela, pedir desculpas, mas depois de ser ignorado pela quarta vez, deu-se por vencido. A avaliação seria ruim, mas ele ao menos poderia dizer que havia se esforçado.

A semana não prometia ser muito melhor. Se quando estava atado a ela não conseguiu convencê-la a ouvi-lo, agora que estavam livres um do outro seria mais complicado. A esperança de Ozzy em força-la a escutar o que tinha a dizer era na consulta com o Dr. Pace, mas encontrar ele naquela semana significava ouvir tudo que ele tinha a dizer sobre a dinâmica do fim de semana e o quão mal eles se saíram, e aquilo era algo que Ozzy não estava nem um pouco ansioso para presenciar.

Parvati já estava na sala quando ele chegou, mas apenas Dr. Pace o cumprimentou quando se sentou em seu lugar no sofá.

- Sinto que a sessão hoje será interessante – ele comentou e Ozzy deixou escapar uma risada nervosa – Vamos começar com a avaliação da dinâmica das correntes.
- Nos saímos bem? – Parvati perguntou sarcástica.
- Você acha isso divertido, Parvati? Todas as duplas tiveram contratempos, mas conseguiram encontrar um ritmo. E vocês dois, os únicos que eu tinha certeza que se sairiam bem, foram os únicos a serem reprovados no exercício. Isso não é pra ser engraçado, o futuro de vocês como auror depende da avaliação final do curso. Uma avaliação ruim, ou até mesmo mediada, e nenhuma academia aceitará os dois. Ainda querem rir ou acha que já podemos falar sério?
- Foi minha culpa, doutor, eu disse coisas que não devia, mas tentei pedir desculpas e ela se recusou a aceitar – Ozzy respondeu e Parvati reagiu ao seu lado.
- Falar e depois pedir desculpas é muito fácil, porque não pensa antes de abrir a boca? – ela retrucou, irritada.
- Ah, está falando comigo agora?
- Você é ridículo, não acredito que um dia pensei que isso daria certo.
- Não daria mesmo, não tenho vocação pra corno manso, isso é função do Hölzenben.
- Ah, olhe só, você ouviu, não é? – Parvati olhou para o psicólogo – Agora ele pede desculpas e devemos todos fingir que nada aconteceu. Hipócrita!
- Chega! – Dr. Pace interferiu, visivelmente irritado – Parem agora mesmo. Não estou acreditando no que estou vendo. Quantos anos vocês dois têm? Vão mesmo jogar fora toda a evolução que fizeram nesses últimos meses por causa de uma desavença sem sentido? Os dois estão errados! Eu não me especializei em psicologia infantil, trabalho com adultos e espero esse comportamento de duas pessoas que já completaram 17 anos e são considerados maiores de idade pelas leis bruxas – nenhum dos dois respondeu, o que fez com que Dr. Pace balançasse a cabeça cansado – Muito bem, acho que agora é a hora de vocês me dizerem o que aconteceu de verdade.
- O que quer dizer? – Ozzy perguntou sem entender – Já contamos o que houve.
- Não estou me referindo ao último sábado. Quero saber o que aconteceu há dois anos e meio atrás, que desencadeou essa série de brigas sem sentido entre os dois. E que eles nunca haviam contado aquilo para ninguém, nem mesmo seus amigos mais próximos.

Ninguém disse nada. Agora, pela primeira vez desde que entraram na sala, os dois se encararam. Trocaram um olhar cheio de mágoa, mas não disseram uma única palavra. Estava mais do que claro para Martin que uma parte importante da história dos dois estava sendo omitida e ele não estava disposto a liberá-los sem antes ouvi-la.

- Ninguém sai dessa sala hoje sem contar essa história – ele alertou e os dois o encararam surpresos – Não importa se é algo que não gostam de comentar. Já ficou claro que, o que quer que tenha acontecido, é o que impede que vocês deixem suas diferenças de lado e tenham uma boa convivência. Então, quem vai começar?

Silêncio outra vez. Os dois trocaram outro olhar magoado e acusatório e Parvati abaixou a cabeça, mas Ozzy encarou Martin. Houve um segundo de hesitação, mas ele contou tudo. Martin ouviu durante uma hora Ozzy contar a história de quando as duas famílias se encontraram por acaso em um resort no Havaí, no verão de 2013. Ouviu-o contar que, naquela época, nenhum dos dois era o que poderia se considerar amigo, mas se davam bem, até passaram alguns dias de férias juntos e o que antes não significava nada, se transformou em atração, levando os dois a passarem os dois meses de férias juntos.

Martin já esperava por alguma revelação daquele tipo, no fundo ele sempre soube que os dois já haviam se envolvido de alguma forma, mas não esperava ouvir aquele desfecho, quando Ozzy contou sobre o último dia das férias. O dia em que ele havia planejado tornar especial e tudo deu errado.

- Ela me largou na praia sem roupas – ele não conseguia olhar pra ela enquanto narrava a história – Foi embora rindo, dizendo que eu era um idiota. Como não posso ter raiva de alguém assim?
- Parvati? – Martin a chamou, que até o momento parecia alheia ao que ele contava, sem interrompe-lo – Gostaria de contar a sua versão?
- Ele fala como se fosse inocente e eu a vaca que o enganou, mas eu ouvi você mais cedo naquele dia – ela o encarou pela primeira vez desde que começou a contar a história – Estava no bar do hotel.
- Você ouviu aquilo? – Ozzy reagiu surpreso.
- Sim, eu ouvi. Ainda bem que ouvi, ou teria continuado acreditando em você.
- O que você disse que ela ouviu, Oscar? – Martin interrompeu.
- Ele estava com os irmãos e eles estavam o interrogando sobre quanto tempo mais ia levar pra “subir a saia da loirinha” – Parvati disse com desprezo na voz – E ele riu, dizendo que não ia passar daquela noite. Que eu era difícil, mas ele já havia me dobrado.
- Não, você entendeu tudo errado! – ele agora parecia desesperado – Nada daquilo era verdade, só disse isso para eles saírem do meu pé! Ramon e Georgi são dois idiotas, que acham que não vale a pena se prender a uma pessoa só e estavam me enchendo desde quando começamos a ficar. Eu só os ignorava, mas estavam começando a me vigiar e a única forma de tirá-los do meu pé era concordando com eles. Eu nunca quis dizer nada daquilo. Parvati, eu ia pedir você em namoro naquela noite. As férias estavam acabando e eu tive medo que pensasse que tinha sido só um caso de verão que não significou nada, queria continuar com você quando voltássemos a Durmstrang.

Pela quarta vez naquela noite, a sala caiu em silêncio. Ambos abaixaram a cabeça e Martin percebeu quando Parvati rapidamente enxugou uma lágrima que começava a cair. Ozzy, por sua vez, permaneceu de cabeça baixa sem emitir nenhum som. A sessão havia terminado, não restava dúvida.

- Não posso força-los a dizer mais nada, a partir de agora só posso aconselhar – Martin quebrou o silencio depois de intermináveis cinco minutos de anotações – O que aconteceu foi um grave problema de falta de comunicação, mas agora que já sabem o que realmente aconteceu, os motivos que levaram aos atos de quase três anos atrás, o que pretendem fazer? Vão jogar para debaixo do tapete ou esclarecer de uma vez por todas tudo que passou? Pensem nisso, conversamos outra vez na semana que vem.

Os dois levantaram calados do sofá e saíram da sala, mas assim que pisaram no corredor, Ozzy segurou Parvati pelo braço forçando-a a parar. Ela o encarou com os olhos vermelhos por estar prendendo o choro e quando a primeira lágrima finalmente desceu, Ozzy a secou, alisando seu rosto. Parvati abaixou a cabeça, mas ele ergueu seu queixo e a puxou para um beijo. Como da última vez, Parvati cedeu ao beijo. E como também aconteceu na última vez, ela o interrompeu de forma repentina e o afastou com as mãos, correndo em seguida. Ozzy encostou-se à parede e deixou o corpo escorregar até estar sentado no chão, voltando a abaixar a cabeça e apoiá-la nos joelhos. Pela primeira vez em muito tempo, ele não tinha ideia do que fazer.


Here we are
Isn't it familiar
I haven't had someone to talk to
In a such long time
And it's strange
All we have in common
And your company was just the thing
I needed tonight
But somehow I feel I should apologize
Cause I'm just a little shaken by
What's going on inside

I Should Go – Levi Kreis