Tuesday, April 03, 2012

Quando me afastei do beijo de Ozzy e corri para longe dele, tudo que queria era o colo da minha mãe. Estava vendo toda a conversa que tivemos depois do casamento de Katarina passar como um filme na minha cabeça, e como da última vez, quando cheguei ao dormitório afundei a cabeça no travesseiro e comecei a chorar.

ºººººº

- Parvati? – senti alguém me sacudindo, mas não me mexi – Parv, acorda, vai se atrasar pra aula. Já são 8h!

Reconheci a voz como sendo de Leo e entendi que devia ter chorado até dormir ontem à noite, antes que ela pudesse voltar da reunião do jornal. Ela me sacudiu outra vez, mas resmunguei que não queria assistir a aula e ela puxou o lençol de cima de mim, agarrando meus braços e me arrastando pra fora da cama.

- Me deixa em paz, Leo, não quero sair – puxei a coberta de volta e me enrolei nela.
- O que houve? Quando cheguei ontem estava dormindo e nem trocou de roupa.
- Não estou me sentindo bem, quero ficar aqui.
- Não parece bem mesmo – ela colocou a mão na minha testa, mesmo eu tentando afastá-la – É, você está com febre. Vou passar na ala hospitalar e pedir para a enfermeira vir até aqui. No intervalo venho ver como está.

Leo saiu e voltei a me encolher na cama. Devo ter dormido na mesma hora, porque não nenhuma lembrança daquela manhã de quarta-feira. Quando senti alguém me sacudindo outra vez e reconheci sua voz, deduzi que já era hora do almoço. Ela me agarrou com as duas mãos, como fez de manhã, mas ao invés de me puxar pra fora da cama, me virou na direção dela. Robbie estava ao seu lado e os dois estavam sérios.

- O que aconteceu ontem na terapia? – Robbie disse firme, os braços cruzados.
- E não diga que não aconteceu nada, porque Ozzy também não foi à aula hoje – Leo completou – Alec disse que ele não está doente, mas está esquisito, então pode soltar o verbo.

Sentei na beira da cama me sentindo fraca, mas conhecia-os bem o suficiente pra saber que, a menos que eu desmaiasse, teria que contar a verdade. Sem opção, contei tudo que aconteceu na sessão com o Dr. Pace, incluindo o que causou toda a confusão entre Ozzy e eu há quase três anos. Como já era esperado, ouvi um sermão deles de como eu já deveria ter contado aquilo há muito tempo e que não deveria ter deixado essa história se arrastar até hoje. Ouvi tudo sem dizer nada, apenas concordando, e dei graças a Merlin quando a enfermeira entrou no quarto para ver como eu estava e os expulsou, pois o horário de almoço já havia terminado.

Foram dois dias inteiros de cama com febre alta, o que acabou por comprovar o que minha mãe havia dito sobre minhas recaídas serem puramente emocional. Eu não fazia ideia de como agir agora que sabia o que realmente havia acontecido. Se eu pensava em ficar com ele? É claro que sim, isso nunca deixou de ser uma hipótese, mesmo quando eu estava com raiva dele. Nunca deixei de pensar em todo esse tempo o que poderia ter acontecido se eu não tivesse entrado no bar do hotel e ouvido a conversa entre eles. Será que estaríamos juntos até hoje ou já teríamos terminado, ainda mais magoados um com o outro?

Acordei me sentindo melhor na sexta-feira, mas não consegui sair da república. Ainda não estava pronta pra encará-lo, a ideia de que uma conversa seria inevitável estava me apavorando, mas eu não ia poder me esconder por muito mais tempo. Nessa semana a aula do curso de auror era naquela sexta à noite e não tinha a menor possibilidade de faltar, isso deixaria uma marca negativa na minha ficha e todo o esforço até agora teria sido em vão. Então às 19:40 eu já estava amarrando meu coturno, pronta para sair, mas não consegui levantar da cama.

- Você só pode estar brincando – Leo entrou no quarto depois da reunião do jornal e me encarou séria.
- Eu vou, só estou me preparando.
- Você não está indo pedi-lo em casamento, por Merlin! – ela atirou o exemplar do jornal pronto em cima de mim – Tudo que precisam fazer é conversar! Como pode ser tão difícil?
- Eu sei, eu sei! – atirei o jornal de volta nela e levantei, vestindo o casaco – Já estou saindo.
- Volte pra cá depois, quero saber como foi.
- Não espere acordada, não faço ideia do que é a aula. Só fomos instruídos a nos agasalhar, então não sei que horas volto.

Deixei a república pela primeira vez em dois dias e caminhei até a sala onde aconteciam as aulas do curso. Todos já estavam lá, fui a última a chegar. Por obrigação, tive que me posicionar ao lado de Ozzy. Nos cumprimentamos quando me aproximei, mas não nos encaramos. Era obvio que ele também não sabia o que dizer, o que tornava aquilo tudo ainda mais complicado. Se ele não tocasse no assunto, quem o faria? Eu certamente não seria. Por sorte não teria que pensar nisso agora, porque com a turma completa, as instruções da aula iam começar e pelos rabiscos no quadro negro, tinha muita coisa a ser dita.

A aula seria de vigilância, mas assim que alguns garotos começaram a se animar com a ideia de perseguir algum bruxo das trevas, professor Wade nos jogou um balde de água fria dizendo que nossa tarefa era apenas observar e reportar se algo suspeito aparecesse, sequer tocaríamos nossas varinhas. Cada dupla ficaria em um ponto especifico da praça do vilarejo, de onde teríamos uma visão diferente da outra do palco montado no meio dela. Palco onde minha mãe e todo o seu comitê politico iriam discursar em algum momento. Era um comício para as próximas eleições e eles estariam ali toda a madrugada.

Ozzy e eu acabamos sozinhos em um apartamento vazio em um prédio em frente ao palco. Estávamos no 3º andar e Oleg e Mitchell foram instalados no apartamento embaixo do nosso. Tudo que tinha dentro dele era um radio, que usaríamos para nos comunicar com os professores, e algumas velas, que fomos instruídos a não usarmos mais que uma a menos que fosse absolutamente necessário. O objetivo de uma vigilância era não chamar atenção, e uma luz em um apartamento deserto chama atenção. Ozzy sentou de um lado da janela e eu sentei do outro. Ficamos os dois em um silêncio horrível.

- Consigo ver tudo daqui – disse numa tentativa de quebrar aquele silencio – O que devemos observar, exatamente?
- Suspeitos. Alguém encarando demais outra pessoa, ou com a mão no bolso por muito tempo, essas coisas – ele respondeu olhando pela janela – Também consigo ver tudo daqui.

O assunto acabou e o silêncio voltou. Àquela altura eu já estava rezando para que ele falasse alguma coisa, que me forçasse a confrontá-lo, porque aquilo estava me fazendo mal e eu não tinha coragem de dizer nada, a menos que alguém me obrigasse. Leo e Robbie estariam me batendo agora, se pudessem, mas eu não conseguia. Talvez ele tenha lido meus pensamentos, estava tão atordoada que não estava tentando bloquear nada.

- Então... Vamos passar a noite inteira aqui fingindo que não aconteceu nada?
- Eu não sei o que dizer – admiti, com minha cabeça apoiada nos joelhos e sem encará-lo – Passei tanto tempo o odiando por algo que não era verdade que não sei o que deveria sentir agora.
- Você estava mesmo doente ou só queria me evitar?
- As duas coisas – ficamos em silêncio mais um tempo – Não sabia o que fazer, foi mais fácil fugir.
- É, você faz muito isso. Se tivesse me confrontado naquele dia, poderíamos ter evitado tanta coisa.
- Como sabe que eu teria acreditado que era tudo mentira?
- Como pode pensar que eu diria aquilo de você?
- Como pode dizer aquilo, mesmo sendo mentir? – rebati – Eu nunca diria isso sobre alguém por quem eu estava me apaixonando, mesmo que fosse pra calar a boca de alguém.
- Você estava se apaixonando por mim? – ele perguntou, mas não respondi e ficamos em silêncio outra vez – Olha, sinto muito por tudo isso, se pudesse voltar atrás, acredite, já teria feito isso. Naquela época eu era um idiota desesperado pela aprovação dos irmãos mais velhos em tudo, não percebia o quão idiota eles eram e o quão idiota eu era por querer que eles me achassem legal. Eu tinha 15 anos. Estava apaixonado pela garota mais popular da escola e queria que ela fosse minha namorada, mas ao mesmo tempo queria que meus irmãos pensassem que eu era descolado. Está vendo o conflito? – levantei a cabeça e o encarei, seu rosto refletido na única vela que fomos autorizados a acender – A única coisa que mudou foi que eu não ligo mais para o que eles pensam de mim.

Desviei o olhar dele e levantei do chão. Minha cabeça estava dando um nó e comecei a andar de um lado pro outro no apartamento. Não demorou muito e Ozzy levantou também, me parando quando passei por ele. Ele me forçou a encará-lo.

- Você me ama? – ele perguntou direto e me pegou desprevenida.
- Que pergunta é essa?
- Uma pergunta simples, que a resposta só pode ser sim ou não. Você me ama?
- Eu não sei.
- Sabe sim. Você sabe bem o que sente, mas se puder olhar pra mim e dizer que não sente nada, se disser isso olhando nos meus olhos, prometo que a deixo em paz.
- Está me dando um ultimato?
- Sim, eu estou lhe dando um ultimato, porque estou cansado de esperar. Esperei dois anos e meio pra entender o que aconteceu naquela noite e agora que sei a verdade, estou disposto a apagar tudo que aconteceu e recomeçar.
- Você consegue apagar tudo que fizemos e dissemos um ao outro nesses últimos dois anos?
- Sim, consigo, porque eu sou apaixonado por você desde muito antes daquele verão e quero que isso dê certo. O que você quer fazer?
- Eu quero que dê certo, mas não sei se consigo esquecer tudo.
- Ainda não respondeu minha primeira pergunta – ele me encarou sério e abaixei a cabeça, mas acabei confirmando.
- Você sabe que sim.
- Então podemos fazer dar certo - ele me puxou pra perto dele e fez menção de me beijar, mas o afastei.
- Não, não posso fazer isso com Lukas – disse o empurrando com as mãos.
- Isso nunca a impediu antes, porque justo agora?
- Está vendo? – gritei do nada, furiosa – É por isso que nunca vamos dar certo! Você não controla o que diz e eu também não!
- Desculpa! Droga! – ele gritou também, frustrado – Eu não vou mais fazer isso, vou aprender a me controlar.
- Lusth, Karev – ouvimos a voz do professor Wade saindo do radio.
- Lusth na escuta – Ozzy respondeu pegando o rádio.
- O que foi que eu disse quando expliquei o proposito de uma vigilância?
- Que não podemos ser vistos ou ouvidos pela pessoa que estamos vigiando.
- Então explique pra mim porque eu estou vendo vocês dois em pé no meio da sala e acabei de ouvir a Karev gritar.
- Desculpa professor, não vai acontecer outra vez – ele me olhou alarmado e tapei a boca.
- É melhor que não. O que quer que tenham pra resolver, ou esperem até que os libere ou mantenham as vozes baixas.

Sentamos depressa no chão, voltando às posições iniciais e mais uma vez ficamos em silêncio, mas dessa vez não durou muito. Ozzy pegou a vela do chão e aproximou do rosto, fazendo uma careta que me obrigou a rir.

- Não quis dizer que não quero ficar com você quando disse que não podia fazer isso com Lukas.
- Então o que é?
- Não posso fazer isso sem terminar com ele antes. Já o enganei tantas vezes e mesmo sabendo de tudo, ele continuou ao meu lado quando eu mais precisei. Não quero ser aquela garota outra vez, entende? Ele não merece isso.
- Eu entendo. E acho que está certa.
- Eu realmente quero que isso dê certo.
- Vamos fazer com que dê certo – ele estendeu a mão e a peguei – Já esperei tanto tempo, posso esperar mais um pouco.

Sorri pra ele e entrelacei meus dedos nos seus. Passamos a noite toda naquela posição, afastado pela vela queimando de mãos dadas, concentrados na tarefa que foi dada. Quando o comício terminou e entregamos os relatórios para sermos liberados pelo professor, me despedi de Ozzy e procurei minha mãe antes que ela fosse embora, pedindo uma carona pra casa. Precisava de uma chave de portal até o Canadá.

Voltei a Durmstrang no final da tarde de domingo, depois de passar um tempo em casa aproveitando a folga do meu pai. Com mamãe ocupada com a reeleição, tivemos a oportunidade de passar mais tempo juntos. Fomos a um parque de diversões que Mason estava louco pra ir e há muito tempo não me divertia tanto. Saímos para almoçar fora do parque e depois ele me deixou na estação para pegar o último trem expresso para Durmstrang. Estavam todos sentados nos bancos da praça conversando quando desembarquei, incluindo Ozzy, e fui até eles. Parei ao lado dele, mas continuei de pé.

- Lembra que você disse que ia voltar na sexta? – Leo perguntou me olhando feio, mas ri.
- Foi mal, precisei resolver algumas coisas.
- Foi pra casa? – Robbie perguntou e estava tão indignado quando Leo por tê-los deixado dois dias sem noticias.
- Sim, mas também fui ao Canadá.
- Ah, foi visitar o Lukas? Como ele está? – Lucian perguntou animado.
- Não exatamente. Fui pra terminar com ele – Leo, Robbie e Lenneth abriram um sorriso enorme, mas os outros reagiram surpresos.
- Como foi? – Alec perguntou – Está tudo bem?
- Foi uma conversa longa, dolorosa e sincera, mas estou bem.
- Então você terminou mesmo com ele? – Ozzy falou pela primeira vez desde que cheguei.
- Sim, terminei, não temos mais nada. Tem algo a dizer sobre isso?
- Não – ele respondeu e ficou de pé de frente pra mim – Prefiro fazer.

Ozzy me tomou nos braços e me beijou na frente de todo mundo. E se aquilo me incomodaria a algum tempo atrás, agora não tinha mais importância. Há muito tempo não me sentia feliz assim, e o que mais queria era que meus amigos soubessem disso.


But what do you say to taking chances,
What do you say to jumping off the edge?
Never knowing if there's solid ground below
Or hand to hold, or hell to pay,
What do you say?

I just want to start again,
And maybe you could show me how to try.
What do you say to taking chances,
What do you say to jumping off the edge?

Taking Chances – Celine Dion