Thursday, April 26, 2012


Georgi Karev havia reunido os netos mais velhos para fazer uma busca pelo terreno da casa e arredores da floresta, deixando uma ordem expressa para que os mais novos não saíssem de dentro da casa. Entre os que foram deixados para trás estavam Jack, Julie e Parvati, inconformados em não poderem ajudar na busca por Rambo. Os três ficaram na varanda vendo os primos carregando lanternas e ouvindo as instruções do avô, e no minuto que a avó se distraiu com os mais novos dentro de casa, Julie e Parvati dispararam na direção da floresta. Jack ainda tentou convencê-las a ficar, mas elas nunca o ouviam.

Munidos de apenas uma lanterna que um dos primos havia deixado pra trás, as duas perderam a trilha de vista poucos minutos depois de entrarem na floresta. Sem perceber que estavam caminhando em um terreno sem marcação, continuaram indo cada vez mais fundo procurando pelo pastor alemão. Um trovão ecoou e um raio caiu a poucos metros de distancia de onde eles estavam.

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O som do raio atingindo a árvore me acordou. Cai da cama assustada e no mesmo instante minha cabeça de encheu com o som dos sonhos de todas as meninas da república. Meu coração estava disparado com o susto no sonho e não conseguia me concentrar para que as vozes parassem. Tudo que consegui fazer foi agachar no chão com as mãos tapando os ouvidos e gritar.

- Parvati, o que houve? – Leo apareceu na minha frente, um semblante assustado.
- O que aconteceu? – Jude surgiu atrás dela, a mesma expressão assustada.
- Alguém vá chamar o Ozzy, rápido! – Leo gritou agachando ao meu lado e vi Flora correr em direção à porta.

A imagem de Leo tentando me erguer do chão com a ajuda de Jude e Penny foi a última coisa que lembro. Minha cabeça começou a latejar de uma forma tão intensa que achava que fosse explodir. Meu nariz começou a sangrar em seguida e então tudo ficou preto.

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- Ela está voltando – ouvi vozes agitadas e reconheci uma delas como sendo de Ozzy – Parv? Está me ouvindo?
- O que aconteceu? – perguntei com a voz fraca. Minha cabeça ainda doía, mas não como antes, e não ouvia mais nenhuma voz.
- Você acordou gritando e desmaiou, nos deu o maior susto! – Leo respondeu ainda com a voz abalada – Saiu tanto sangue do seu nariz que Penny ameaçou desmaiar também.
- O que houve? – Ozzy perguntou com a voz calma, alisando meu cabelo – Estava sonhando com alguma coisa?
- Com a casa do lago outra vez. Entrei na floresta com Jack e Julie e uma arvore do nosso lado foi atingida por um raio. Foi quando acordei assustada com o barulho – olhei para Ozzy me esforçando para não começar a chorar – Não aguento mais isso. Sempre que sonho com isso fico tão atordoada que não consigo manter o controle. O que vai acontecer quando você não estiver aqui pra me ajudar?
- Eu sempre vou estar aqui – ele beijou minha testa e me puxou mais pra perto dele.
- Então fica aqui essa noite, por favor. Se você estiver aqui não vou sonhar com isso.
- Não sei, Parv, não é muito legal... – ele olhou para as meninas, incerto – E se algum professor aparecer...
- Se tudo que fizer for abraçá-la, pode ficar aqui essa noite – Leo falou e as meninas assentiram.
- Obrigada – sussurrei pra ela, enquanto Ozzy envolvia os braços em volta de mim.
- É, mas não acostuma – Leo atirou uma almofada pra ele e voltou pra sua cama – É só essa noite.

Não foi só aquela noite. Com Ozzy abraçado a mim a noite inteira, não voltei a sonhar com a casa do lago, tampouco acordei assustada com vozes invadindo minha mente. E quando na noite seguinte elas tiveram que chama-lo na Kratos porque eu estava mais uma vez a ponto de desmaiar, ele passou as duas noites seguintes comigo sem nem ao menos ir para a sua república na hora de dormir.

- Você se acomodou – Leo disse enquanto caminhávamos para a aula de educação física – Ficou confortável pra você tê-lo do seu lado a noite inteira e não está pensando em uma maneira de resolver isso sozinha.
- Nem eu passo tanto tempo assim dormindo no quarto de vocês – Robbie completou – Se algum professor resolve dar uma incerta nas repúblicas, vocês estão ferrados.
- Não estamos fazendo nada demais – me defendi, mas sabia que estava errada e eles não precisaram fazer nada além de me olhar sérios – Eu sei, eu sei, tenho que me virar sozinha. Só não sei como fazer isso.
- Bom, se bem me recordo das divertidas aulas de Adivinhação que tínhamos até dois anos atrás, a professora Silmeria diria que o fato de você sonhar sempre com a mesma coisa significa que não é um sonho, mas sim uma lembrança. E existe uma mensagem nessa lembrança que você precisa decifrar.
- Uma mensagem, certo. Mas que mensagem? – perguntei impaciente.
- Sei lá, ora! É a sua lembrança, o que aconteceu naquele dia que você deveria saber? Algum acidente ou experiência que mudou sua vida?
- Até onde sei, não aconteceu nada demais. Ninguém morreu ou desapareceu, o cachorro do meu primo viveu até ficar bem velhinho, então o encontramos naquela noite.
- Alguma coisa aconteceu, ou você não estaria sendo quase assombrada por essa lembrança – Leo disse e Robbie assentiu, mas eu ainda não estava convencida.
- Não aconteceu nada, além de Julie e eu nos perdermos na floresta. Desobedecemos meu avô, Jack não quis ir, ele nunca desobedecia a uma ordem, mas nós duas éramos teimosas, fazíamos o que queríamos e éramos inseparáveis. Não sei o que posso estar deixando- - parei de repente, minha cabeça começando a latejar, mas não era por causa das vozes, mas porque tinha acabado de entender – É ISSO!
- Isso o que? – Leo perguntou rindo, quando Robbie saltou assustado.
- Jack disse que pra fazer as pazes com Julie eu tinha que lembrar como era quando éramos crianças – eles me olharam como se eu fosse maluca – No Halloween, quando o fantasma dele apareceu.
- Tinha esquecido essa informação, sabe que não gosto de fantasmas – Robbie se benzeu e revirei os olhos.
- Que tipo de bruxo é você?  - Leo indagou e rimos.
- Fantasmas me dão arrepio. São pessoas mortas, elas não deveriam andar por ai!  – ele respondeu mal humorado, mas não dei confiança.
- Certo, já sei o que fazer, mas não sei como. Sempre acordo no meio do sonho, preciso descobrir um jeito de não acordar.
- Não faço ideia de como ajudar, a menos que acertar sua cabeça com um taco de beisebol seja uma opção – Leo sugeriu e Robbie desfez a cara feia, rindo.
- Essa não é uma opção.
- Ei, vocês três, já posso começar a aula ou precisam de mais tempo para tricotar? – Maddox gritou do meio da quadra.

Apertamos o passo e logo já estávamos junto do resto da turma. Robbie, Leo e eu quase nunca participávamos das aulas de educação física, mas como Leo agora era adepta da malhação nos deixava faltar muito pouco. Por mais que os exercícios do curso de auror fossem de treinamento militar, odiava aquela aula. Eram as duas horas semanais que a turma tinha pra se transformar em um bando de selvagens. Os jogos eram sempre violentos demais e por mais que o professor apitasse faltas o tempo inteiro, alguém sempre saia machucado.

Hoje a partida seria de handebol e eu já estava querendo chorar. Pelo menos Maddox separou os garotos das garotas, mas a partida não foi menos violenta. Parei de contar quantas vezes já tinham me jogado no chão com uma trombada ou quantas boladas tinha levado antes da metade do segundo tempo. Quando as duas partidas terminaram, Finn estava cuspindo sangue pra todo lado. Colocaram ele como goleiro e Robbie, em um surto de força, acertou a bola de couro em cheio na sua boca. Ele não parava de pedir desculpas e apesar de Finn estar dizendo que não tinha problema, os garotos riam tanto que não estavam ajudando nem um pouco.

- Pronta pra sessão com o Dr. Pace? – Ozzy me abraçou quando saímos dos vestiários, ambos de banho tomado e limpos outra vez. Encolhi o corpo quando seu braço bateu em um dos hematomas – Foi massacrada hoje?
- Hoje fui o saco de pancada, me derrubaram centenas de vezes – reclamei fazendo careta e ele riu.
- Se serve de consolo, a boca do Finn inchou e Derek quebrou o nariz.
- É, ajuda um pouco.

Caminhamos juntos até a sala do Dr. Pace e ele parecia bastante ocupado quando entramos, mas como sempre fazia, colocou as pastas de lado e abriu um sorriso acolhedor. Desde que começamos a namorar, o sorriso no rosto dele se transformou em um misto de satisfação e cautela. Mesmo se dizendo feliz por termos resolvido nossos problemas, recusava-se a nos liberar. Há dois meses ficaria indignada, mas já estava tão acostumada ao nosso bate papo semanal que ia sentir falta se não precisasse mais das sessões. Então quando ele disse que elas continuariam, não houve contestação.

- Parvati, algum problema? – Dr. Pace chamou minha atenção no meio da conversa.
- O que?
- Está distraída. Perguntei por que não gosta das aulas de educação física.
- Desculpa. Não estava prestando atenção.
- Algo está lhe incomodando? – assenti e Ozzy me encarou – Diga o que é, vamos ver se encontramos a solução.
- Acho difícil. É um sonho que tenho quase todo dia, sempre acordo incapacitada de me concentrar e acabo perdendo o controle. É mesmo a mesma coisa.
- Não é um sonho então, é uma memória – ele repetiu as palavras de Robbie.
- Sonho ou memória, não consigo me livrar dele. E nunca vou até o fim, sempre acordo com o trovão. Se é mesmo uma memória, então tenho que ver tudo. Acho que só isso vai me fazer parar de sonhar. E é impossível, não posso controlar até que parte do sonho quero ver.
- Talvez não – Ozzy falou – Acho que posso ajudar.
- Como? – Dr. Pace perguntou primeiro.
- Lembra que minha irmã disse que nossa habilidade vai muito além de ler mentes? – ele respondeu olhando pra mim – Uma das coisas que podemos fazer é algo que ela chama de “mente presa”. Podemos criar uma ilusão ou um sonho e prender a pessoa nele. É como se ela tivesse em coma, mas sua mente está presa naquela ilusão. Nada pode acordá-la, a menos que quem a prendeu a desperte. Ela fica vivendo naquela ilusão até ser despertada.
- Então você pode me forçar a ver todo o sonho? – ele assentiu, mas Dr. Pace parecia alarmado.
- Isso não é perigoso? – ele perguntou, incerto se aquela era mesmo a solução.
- Só se eu não despertá-la, o que não vai acontecer. Se a pessoa viver muito tempo presa na ilusão, pode acordar um pouco maluca.
- Se não tem perigo, vamos fazer isso agora mesmo! – disse ansiosa, já deitando no sofá – Faça o que tiver que fazer, estou pronta. Confio em você.
- Eu sei o que fazer, não se preocupe – ele falou olhando para o Dr. Pace, que ainda não estava muito seguro, depois olhou pra mim – Vou ver o mesmo que você quando tiver dormindo. Quando perceber que já encontrou o que queria, a trarei de volta.

Assenti sem nem pensar duas vezes, confiava nele, e fechei os olhos. Senti suas mãos na minha testa e segundos depois estava de volta ao sonho. Não sei se ele mesmo tinha me colocado lá ou se eu automaticamente voltei à floresta, mas já tinha descrevido o sonho a ele tantas vezes que ele pode ter criado tudo sozinho.

Estava mais uma vez na floresta, sozinha com Julie. O raio havia acabado de atingir a árvore ao nosso lado e o susto que levamos foi tão grande que Julie deixou a lanterna cair e no desespero de encontra-la, prendi meu pé em uma raiz de árvore e o torci. Entramos em pânico imediatamente, mas Julie conseguiu se recompor e estava fazendo de tudo para me acalmar. Eu, com meus sete anos, estava fazendo o que qualquer criança naquela idade, machucada e na chuva, perdida em uma floresta faria: chorava sem parar, chamando pela minha mãe.

- Fica calma, Parv – Julie dizia sem parar, abraçada a mim no chão – Jack vai avisar ao vovô que entramos sozinhas e eles vão nos encontrar.

Não adiantava, eu não conseguia me acalmar. Continuei chorando, até que Julie tirou uma corrente que tinha no pescoço e me deu. Era um pingente em forma de trevo de quatro folhas que sabia ter sido um presente da mãe dela, Jack tinha um igual. Ela mandou que ficasse com ele porque ele a protegia, e enquanto eu o tivesse comigo estaria segura. O colar me distraiu e parei de chorar, mas ao invés de coloca-lo no pescoço, tirei uma das pulseiras que sempre usava e dei a ela. Era a pulseira que meu pai havia comprado pra mim e tinham duas dela. Eu deveria dar a outra para Alexis, mas nunca o fiz porque sabia que ela ia perder e Julie era como uma irmã pra mim, então achei justo que ficasse com ela. Combinamos que, enquanto usássemos aquele colar e aquela pulseira, estaríamos sempre uma ao lado da outra.

Pouco tempo depois vimos várias lanternas piscando no meio da floresta e vovô e nossos primos, Jack entre eles, apareceram na clareira. Rambo estava com eles, latindo desesperado enquanto farejava o ar. Vovô estava uma fera, mas tão aliviado por estarmos vivas que não levamos bronca. Quando ele me pegou no colo, Ozzy me despertou e voltei à sala da terapia. Minha reação imediata foi colocar a mão no pescoço. A corrente ainda estava lá, nunca havia tirado. Ozzy me olhava sorrindo, mas Dr. Pace tinha a expressão mais intrigada do mundo no rosto. Contei a ele o que tinha acontecido.

- Acho que dessa vez não preciso aconselhá-la, não é mesmo? – ele disse depois de ouvir a história toda.
- Não, eu sei o que preciso fazer.
- Então estão liberados. Vire mais essa página.

Saímos da sala de mãos dadas, mas estava tão nervosa que estava esmagando os dedos de Ozzy. Sabia que tudo que tinha que fazer era conversar com Julie. Fazê-la lembrar da promessa que havíamos feito quando só tínhamos sete anos. A promessa que, de alguma forma, não conseguimos manter. Não conseguia me lembrar de quando havíamos esquecido ela, mas sentia-me muito triste por saber que havíamos perdido a amizade que tínhamos. Ozzy me deixou na porta da Atena e voltou para a Kratos. Aquilo era algo que tinha que fazer sozinha, ele não podia ajudar daqui pra frente.

Ela estava sozinha na sala de estudos, debruçada sobre livros de Alquimia, e nem percebeu quando entrei. Ou talvez tenha fingido que não me viu. A segunda possibilidade me irritou e tirei a corrente do pescoço, atirando em cima da mesa. Isso atraiu sua atenção e ela a pegou, olhando pra mim. Acho que ela sequer percebeu, mas quando viu a corrente, sua mão esquerda automaticamente procurou o pulso direito, onde a pulseira que havia dado a ela não estava mais.

- Você lembra, não é? – perguntei, mas ela não respondeu – Sim, você lembra. Posso ter esquecido o que isso significava pra mim, mas nunca a tirei. Você perdeu um irmão no acidente e me culpa por isso, mas adivinha? Eu também perdi uma irmã e também me culpo pelo que aconteceu. Todos me dizem que não podia evitar e existem até provas disso, mas eu sempre vou me culpar, não importa o que digam ou mostrem. Então se você acha que sua vida é uma droga e ninguém lhe entende, pense mais um pouco. Sinto sua falta, Julie. Já perdi minha irmã de verdade, não quero perder a postiça também.

Julie continuou sem dizer nada, apenas me encarando séria. Quando ela desviou o olhar e passou a encarar fixamente a corrente em cima da mesa, virei as costas e fui embora. Naquele momento soube que ela nunca ia me perdoar. Também tinha perdido minha irmã postiça.

Tuesday, April 03, 2012

Quando me afastei do beijo de Ozzy e corri para longe dele, tudo que queria era o colo da minha mãe. Estava vendo toda a conversa que tivemos depois do casamento de Katarina passar como um filme na minha cabeça, e como da última vez, quando cheguei ao dormitório afundei a cabeça no travesseiro e comecei a chorar.

ºººººº

- Parvati? – senti alguém me sacudindo, mas não me mexi – Parv, acorda, vai se atrasar pra aula. Já são 8h!

Reconheci a voz como sendo de Leo e entendi que devia ter chorado até dormir ontem à noite, antes que ela pudesse voltar da reunião do jornal. Ela me sacudiu outra vez, mas resmunguei que não queria assistir a aula e ela puxou o lençol de cima de mim, agarrando meus braços e me arrastando pra fora da cama.

- Me deixa em paz, Leo, não quero sair – puxei a coberta de volta e me enrolei nela.
- O que houve? Quando cheguei ontem estava dormindo e nem trocou de roupa.
- Não estou me sentindo bem, quero ficar aqui.
- Não parece bem mesmo – ela colocou a mão na minha testa, mesmo eu tentando afastá-la – É, você está com febre. Vou passar na ala hospitalar e pedir para a enfermeira vir até aqui. No intervalo venho ver como está.

Leo saiu e voltei a me encolher na cama. Devo ter dormido na mesma hora, porque não nenhuma lembrança daquela manhã de quarta-feira. Quando senti alguém me sacudindo outra vez e reconheci sua voz, deduzi que já era hora do almoço. Ela me agarrou com as duas mãos, como fez de manhã, mas ao invés de me puxar pra fora da cama, me virou na direção dela. Robbie estava ao seu lado e os dois estavam sérios.

- O que aconteceu ontem na terapia? – Robbie disse firme, os braços cruzados.
- E não diga que não aconteceu nada, porque Ozzy também não foi à aula hoje – Leo completou – Alec disse que ele não está doente, mas está esquisito, então pode soltar o verbo.

Sentei na beira da cama me sentindo fraca, mas conhecia-os bem o suficiente pra saber que, a menos que eu desmaiasse, teria que contar a verdade. Sem opção, contei tudo que aconteceu na sessão com o Dr. Pace, incluindo o que causou toda a confusão entre Ozzy e eu há quase três anos. Como já era esperado, ouvi um sermão deles de como eu já deveria ter contado aquilo há muito tempo e que não deveria ter deixado essa história se arrastar até hoje. Ouvi tudo sem dizer nada, apenas concordando, e dei graças a Merlin quando a enfermeira entrou no quarto para ver como eu estava e os expulsou, pois o horário de almoço já havia terminado.

Foram dois dias inteiros de cama com febre alta, o que acabou por comprovar o que minha mãe havia dito sobre minhas recaídas serem puramente emocional. Eu não fazia ideia de como agir agora que sabia o que realmente havia acontecido. Se eu pensava em ficar com ele? É claro que sim, isso nunca deixou de ser uma hipótese, mesmo quando eu estava com raiva dele. Nunca deixei de pensar em todo esse tempo o que poderia ter acontecido se eu não tivesse entrado no bar do hotel e ouvido a conversa entre eles. Será que estaríamos juntos até hoje ou já teríamos terminado, ainda mais magoados um com o outro?

Acordei me sentindo melhor na sexta-feira, mas não consegui sair da república. Ainda não estava pronta pra encará-lo, a ideia de que uma conversa seria inevitável estava me apavorando, mas eu não ia poder me esconder por muito mais tempo. Nessa semana a aula do curso de auror era naquela sexta à noite e não tinha a menor possibilidade de faltar, isso deixaria uma marca negativa na minha ficha e todo o esforço até agora teria sido em vão. Então às 19:40 eu já estava amarrando meu coturno, pronta para sair, mas não consegui levantar da cama.

- Você só pode estar brincando – Leo entrou no quarto depois da reunião do jornal e me encarou séria.
- Eu vou, só estou me preparando.
- Você não está indo pedi-lo em casamento, por Merlin! – ela atirou o exemplar do jornal pronto em cima de mim – Tudo que precisam fazer é conversar! Como pode ser tão difícil?
- Eu sei, eu sei! – atirei o jornal de volta nela e levantei, vestindo o casaco – Já estou saindo.
- Volte pra cá depois, quero saber como foi.
- Não espere acordada, não faço ideia do que é a aula. Só fomos instruídos a nos agasalhar, então não sei que horas volto.

Deixei a república pela primeira vez em dois dias e caminhei até a sala onde aconteciam as aulas do curso. Todos já estavam lá, fui a última a chegar. Por obrigação, tive que me posicionar ao lado de Ozzy. Nos cumprimentamos quando me aproximei, mas não nos encaramos. Era obvio que ele também não sabia o que dizer, o que tornava aquilo tudo ainda mais complicado. Se ele não tocasse no assunto, quem o faria? Eu certamente não seria. Por sorte não teria que pensar nisso agora, porque com a turma completa, as instruções da aula iam começar e pelos rabiscos no quadro negro, tinha muita coisa a ser dita.

A aula seria de vigilância, mas assim que alguns garotos começaram a se animar com a ideia de perseguir algum bruxo das trevas, professor Wade nos jogou um balde de água fria dizendo que nossa tarefa era apenas observar e reportar se algo suspeito aparecesse, sequer tocaríamos nossas varinhas. Cada dupla ficaria em um ponto especifico da praça do vilarejo, de onde teríamos uma visão diferente da outra do palco montado no meio dela. Palco onde minha mãe e todo o seu comitê politico iriam discursar em algum momento. Era um comício para as próximas eleições e eles estariam ali toda a madrugada.

Ozzy e eu acabamos sozinhos em um apartamento vazio em um prédio em frente ao palco. Estávamos no 3º andar e Oleg e Mitchell foram instalados no apartamento embaixo do nosso. Tudo que tinha dentro dele era um radio, que usaríamos para nos comunicar com os professores, e algumas velas, que fomos instruídos a não usarmos mais que uma a menos que fosse absolutamente necessário. O objetivo de uma vigilância era não chamar atenção, e uma luz em um apartamento deserto chama atenção. Ozzy sentou de um lado da janela e eu sentei do outro. Ficamos os dois em um silêncio horrível.

- Consigo ver tudo daqui – disse numa tentativa de quebrar aquele silencio – O que devemos observar, exatamente?
- Suspeitos. Alguém encarando demais outra pessoa, ou com a mão no bolso por muito tempo, essas coisas – ele respondeu olhando pela janela – Também consigo ver tudo daqui.

O assunto acabou e o silêncio voltou. Àquela altura eu já estava rezando para que ele falasse alguma coisa, que me forçasse a confrontá-lo, porque aquilo estava me fazendo mal e eu não tinha coragem de dizer nada, a menos que alguém me obrigasse. Leo e Robbie estariam me batendo agora, se pudessem, mas eu não conseguia. Talvez ele tenha lido meus pensamentos, estava tão atordoada que não estava tentando bloquear nada.

- Então... Vamos passar a noite inteira aqui fingindo que não aconteceu nada?
- Eu não sei o que dizer – admiti, com minha cabeça apoiada nos joelhos e sem encará-lo – Passei tanto tempo o odiando por algo que não era verdade que não sei o que deveria sentir agora.
- Você estava mesmo doente ou só queria me evitar?
- As duas coisas – ficamos em silêncio mais um tempo – Não sabia o que fazer, foi mais fácil fugir.
- É, você faz muito isso. Se tivesse me confrontado naquele dia, poderíamos ter evitado tanta coisa.
- Como sabe que eu teria acreditado que era tudo mentira?
- Como pode pensar que eu diria aquilo de você?
- Como pode dizer aquilo, mesmo sendo mentir? – rebati – Eu nunca diria isso sobre alguém por quem eu estava me apaixonando, mesmo que fosse pra calar a boca de alguém.
- Você estava se apaixonando por mim? – ele perguntou, mas não respondi e ficamos em silêncio outra vez – Olha, sinto muito por tudo isso, se pudesse voltar atrás, acredite, já teria feito isso. Naquela época eu era um idiota desesperado pela aprovação dos irmãos mais velhos em tudo, não percebia o quão idiota eles eram e o quão idiota eu era por querer que eles me achassem legal. Eu tinha 15 anos. Estava apaixonado pela garota mais popular da escola e queria que ela fosse minha namorada, mas ao mesmo tempo queria que meus irmãos pensassem que eu era descolado. Está vendo o conflito? – levantei a cabeça e o encarei, seu rosto refletido na única vela que fomos autorizados a acender – A única coisa que mudou foi que eu não ligo mais para o que eles pensam de mim.

Desviei o olhar dele e levantei do chão. Minha cabeça estava dando um nó e comecei a andar de um lado pro outro no apartamento. Não demorou muito e Ozzy levantou também, me parando quando passei por ele. Ele me forçou a encará-lo.

- Você me ama? – ele perguntou direto e me pegou desprevenida.
- Que pergunta é essa?
- Uma pergunta simples, que a resposta só pode ser sim ou não. Você me ama?
- Eu não sei.
- Sabe sim. Você sabe bem o que sente, mas se puder olhar pra mim e dizer que não sente nada, se disser isso olhando nos meus olhos, prometo que a deixo em paz.
- Está me dando um ultimato?
- Sim, eu estou lhe dando um ultimato, porque estou cansado de esperar. Esperei dois anos e meio pra entender o que aconteceu naquela noite e agora que sei a verdade, estou disposto a apagar tudo que aconteceu e recomeçar.
- Você consegue apagar tudo que fizemos e dissemos um ao outro nesses últimos dois anos?
- Sim, consigo, porque eu sou apaixonado por você desde muito antes daquele verão e quero que isso dê certo. O que você quer fazer?
- Eu quero que dê certo, mas não sei se consigo esquecer tudo.
- Ainda não respondeu minha primeira pergunta – ele me encarou sério e abaixei a cabeça, mas acabei confirmando.
- Você sabe que sim.
- Então podemos fazer dar certo - ele me puxou pra perto dele e fez menção de me beijar, mas o afastei.
- Não, não posso fazer isso com Lukas – disse o empurrando com as mãos.
- Isso nunca a impediu antes, porque justo agora?
- Está vendo? – gritei do nada, furiosa – É por isso que nunca vamos dar certo! Você não controla o que diz e eu também não!
- Desculpa! Droga! – ele gritou também, frustrado – Eu não vou mais fazer isso, vou aprender a me controlar.
- Lusth, Karev – ouvimos a voz do professor Wade saindo do radio.
- Lusth na escuta – Ozzy respondeu pegando o rádio.
- O que foi que eu disse quando expliquei o proposito de uma vigilância?
- Que não podemos ser vistos ou ouvidos pela pessoa que estamos vigiando.
- Então explique pra mim porque eu estou vendo vocês dois em pé no meio da sala e acabei de ouvir a Karev gritar.
- Desculpa professor, não vai acontecer outra vez – ele me olhou alarmado e tapei a boca.
- É melhor que não. O que quer que tenham pra resolver, ou esperem até que os libere ou mantenham as vozes baixas.

Sentamos depressa no chão, voltando às posições iniciais e mais uma vez ficamos em silêncio, mas dessa vez não durou muito. Ozzy pegou a vela do chão e aproximou do rosto, fazendo uma careta que me obrigou a rir.

- Não quis dizer que não quero ficar com você quando disse que não podia fazer isso com Lukas.
- Então o que é?
- Não posso fazer isso sem terminar com ele antes. Já o enganei tantas vezes e mesmo sabendo de tudo, ele continuou ao meu lado quando eu mais precisei. Não quero ser aquela garota outra vez, entende? Ele não merece isso.
- Eu entendo. E acho que está certa.
- Eu realmente quero que isso dê certo.
- Vamos fazer com que dê certo – ele estendeu a mão e a peguei – Já esperei tanto tempo, posso esperar mais um pouco.

Sorri pra ele e entrelacei meus dedos nos seus. Passamos a noite toda naquela posição, afastado pela vela queimando de mãos dadas, concentrados na tarefa que foi dada. Quando o comício terminou e entregamos os relatórios para sermos liberados pelo professor, me despedi de Ozzy e procurei minha mãe antes que ela fosse embora, pedindo uma carona pra casa. Precisava de uma chave de portal até o Canadá.

Voltei a Durmstrang no final da tarde de domingo, depois de passar um tempo em casa aproveitando a folga do meu pai. Com mamãe ocupada com a reeleição, tivemos a oportunidade de passar mais tempo juntos. Fomos a um parque de diversões que Mason estava louco pra ir e há muito tempo não me divertia tanto. Saímos para almoçar fora do parque e depois ele me deixou na estação para pegar o último trem expresso para Durmstrang. Estavam todos sentados nos bancos da praça conversando quando desembarquei, incluindo Ozzy, e fui até eles. Parei ao lado dele, mas continuei de pé.

- Lembra que você disse que ia voltar na sexta? – Leo perguntou me olhando feio, mas ri.
- Foi mal, precisei resolver algumas coisas.
- Foi pra casa? – Robbie perguntou e estava tão indignado quando Leo por tê-los deixado dois dias sem noticias.
- Sim, mas também fui ao Canadá.
- Ah, foi visitar o Lukas? Como ele está? – Lucian perguntou animado.
- Não exatamente. Fui pra terminar com ele – Leo, Robbie e Lenneth abriram um sorriso enorme, mas os outros reagiram surpresos.
- Como foi? – Alec perguntou – Está tudo bem?
- Foi uma conversa longa, dolorosa e sincera, mas estou bem.
- Então você terminou mesmo com ele? – Ozzy falou pela primeira vez desde que cheguei.
- Sim, terminei, não temos mais nada. Tem algo a dizer sobre isso?
- Não – ele respondeu e ficou de pé de frente pra mim – Prefiro fazer.

Ozzy me tomou nos braços e me beijou na frente de todo mundo. E se aquilo me incomodaria a algum tempo atrás, agora não tinha mais importância. Há muito tempo não me sentia feliz assim, e o que mais queria era que meus amigos soubessem disso.


But what do you say to taking chances,
What do you say to jumping off the edge?
Never knowing if there's solid ground below
Or hand to hold, or hell to pay,
What do you say?

I just want to start again,
And maybe you could show me how to try.
What do you say to taking chances,
What do you say to jumping off the edge?

Taking Chances – Celine Dion