- Onde? – Eu perguntei. Eu, Robbie e Alec nos debruçamos no
exemplar que ela lia e vimos onde ela apontava.
Havia uma letra em negrito, um “N”, no meio do texto, sem motivo
algum. Aquilo me deixou com uma pulga atrás da orelha e todos meus instintos
diziam que aquilo significava algo.
Eram umas 10 da noite de sexta-feira e tínhamos nos reunido
na sala do jornal para tentar descobrir algo sobre Antaris e o jornal
clandestino. Estávamos a dois dias varrendo todos os exemplares do Aurora
Boreal que tínhamos a procura de algo que pudesse nos ajudar a encontrar quem o
editava. Até agora não tínhamos tido nenhum sucesso... Em todas as edições
encontramos aquelas palavras cruzadas e todas tinham a mesma palavra-chave:
“Cinturão de Orion”. Aquilo soava muito estranho e nossas suspeitas contra
Orion ficavam cada vez maiores. Mas eu não conseguia, não queria acreditar, que
era o Orion... Eu lembrei então da mitologia entre as constelações de Orion e
Escorpião: segundo a lenda, o Escorpião havia sido mandado por Apolo para matar
o caçador Orion, o único mortal por quem a deusa Artemis fora apaixonada. Mas
Artemis tentou salvá-lo e disparou uma flecha contra o Escorpião, mas devido à
influência de Apolo, errou o tiro e acertou Orion. Zeus então transformou Orion
e Escorpião em constelações e os dois estão eternamente em perseguição no céu,
sempre em lados opostos do céu. Quando contei essa história para Robbie, ele
achou Orion ainda mais suspeito, pois Antaris é o nome da maior estrela da
constelação de Escorpião e para ele, isso era um sinal de que Orion queria que
não fizéssemos a ligação entre os nomes.
- Isso é muito estranho! – Robbie falou e vi que os
instintos dele piscavam como os meus. Ele então deu um berro e todos saltamos
sobressaltados. – Ali também tem!
- Nessa edição também! – Alec falou abrindo outro exemplar.
Começamos a foliar todas as edições, desde que o tal Antaris
tinha dito que quem quisesse poderia publicar no jornal dele. Em todas haviam
letras soltas em negrito, no meio de textos, no meio de tiras (de muito mal
gosto...), no meio de títulos, até mesmo nas palavras cruzadas.
- Como deixamos isso passar? Deve ser alguma mensagem! –
Robbie falou animado e eu concordei.
- Acho que ficamos tão concentrados nas palavras cruzadas
que não percebemos isso... Precisamos descobrir o que significam! – Eu falei.
- Eu tenho uma idéia. – Lenneth falou e pegou uma folha em
branco. Ela começou a anotar todas as letras em negrito da edição que estava em
suas mãos, na ordem que apareciam ao longo do jornal. Assim que percebemos sua idéia,
cada um pegou umas 3 edições e começou a fazer o mesmo.
Quando terminamos, juntamos todos os papeis. Meu coração
pulava acelerado, pois eu sabia que aquilo me levaria para responsável pelo
jornal. Mas foi decepcionante quando vimos que as letras não faziam sentido
algum.
- Droga! Estávamos tão perto! – Eu falei, exasperado e me
joguei na cadeira. Lenneth segurou minha mão e me beijou nos lábios. Como eu
amo essa garota! Só aquilo foi suficiente para me ajudar e me animar. Como pude
ficar tanto tempo longe dela?
- Ei pombinhos? – Robbie bateu no nosso ombro, fazendo uma
voz idêntica a da Senhora Mesic e começamos a rir. – Aqui não é lugar! Temos um
mistério para resolver!
- Alguma idéia? – Eu perguntei e foi Alec que respondeu. Ele
estava sério e encarava as letras atenção.
- Deve ter alguma palavra ou frase escondida nessas letras.
Precisamos descobrir o que...
- Mas como? – Lenneth perguntou. – Existem bilhões de
possibilidades!
- Vamos tentar na sorte? – Robbie perguntou. – Vejam só, as
letras do primeiro exemplar parecem formar “Estátua do Jardim”.
- Será que era para lá que deveriam levar as matérias? –
Lenneth perguntou animada, mas logo bufou. – São muitas edições... Precisamos
descobrir um padrão, deve existir!
- Eu tenho uma ideia! – Falei e liguei meu computador, já
iniciando um programa de conversação com Ayala. Os segundos que ele demorou a
responder minha chamada pareciam levar uma eternidade para passar.
- Fala mala, o que você quer? – Ele falou e eu sorri. Ayala
sempre me chamava de “mala” e eu sempre o chamava de “chato”. Então ele viu
todo mundo amontoado e sorriu. – Oi gente! Lenneth, ainda com ele?
- Sempre! – Ela falou rindo e ele deu de ombros, suspirando.
- Mas para ter tanta gente aí só pode significar
problemas... O que você fez? – Ele perguntou, me olhando sério.
- Como se fosse eu que fizesse besteira... – Falei rindo e
ele sorriu. – Você poderia fazer um favor pra mim?
- Estou ficando curioso... Odeio quando faz isso. – Ele falou e eu gargalhei.
- Se lembra daquele cara que roubou meus textos?
- Sim, descobriu algo?
- Quase... Descobrimos que nos jornais que ele publica tem
dezenas de letras em negrito. Parecem não fazer sentido, mas achamos que podem
esconder alguma pista.
- Hummm... Como quem é ou onde eles publicam... – Ele falou
pensativo e eu concordei. – Você tem as letras aí?
- Sim, só que são muitas. As letras mudam de edição para
edição, mas parecem ter algum padrão. – Robbie explicou e Ayala assentiu. Pude
ver que ele já começava a abrir milhares de programas ao mesmo tempo e ficava
concentrado.
- Escaneie tudo e me manda. Vou ver o que posso fazer. – Ele
respondeu.
- Sabia que conseguiria! – Eu falei e ele assentiu,
desligando a conversa.
- Escanear? – Alec perguntou e eu ri.
- Vem que eu te explico...
O resto da noite passou enquanto nos divertíamos ensinando Alec
a usar o escâner. Depois das primeiras tentativas, ele começou a fazer sozinho
e achou uma invenção maravilhosa! Depois mandei tudo em um e-mail para o Ayala
e só nos restava esperar. Mesmo assim, cada um pegou uma folha com as letras
embaralhadas e se propôs a pensar no assunto.
- Acho que devia levantar nossas suspeitas quanto ao Orion.
– Lenneth falou, enquanto voltávamos andando de mãos dadas para a Avalon.
- Não sei, Lenneth. Se fizermos isso, ele vai ficar mais
cauteloso. E os professores suspeitam disso, mas eu não consigo acreditar que
seja ele.
- Por que? Poderia ser qualquer um.
- Não quero acreditar que seja ele. Ele é chato, eu sei,
teimoso e muito inconveniente, mas sempre me ajudou e apoiou.
- Lu, eu acho que você está confiando demais nele. Ele não é
isso tudo que você imagina.
- Por que diz isso? – Eu perguntei e parei, fazendo-a olhar
para mim. Vi que ela ficou meio sem jeito. – Lenneth, você sabe de algo que eu
não sei?
- Sim. – Ela falou suspirando e eu a olhei sério. Ela então
finalmente decidiu falar. – Olha, eu não te falei nada porque não queria me
meter na sua amizade e não queria te ver brigando com ele.
- Mas? – Eu falei e ela assentiu.
- Mas não gosto dele. Não consigo confiar nele.
- E? – Eu sabia que tinha mais.
- Na época que terminei com Patrick e ele ficou me
perseguindo, vi o Orion falando várias vezes com ele. Parecia como se ele
estivesse incentivando Patrick a tentar algo comigo... – Eu comecei a sentir a
raiva subindo pelo meu peito, mas deixei ela continuar falando. – E pouco tempo
depois que começamos a namorar, o Orion veio com uma história para mim.
- Que história?
- Ele queria que eu ficasse com ele. – Ela falou e eu bufei
de raiva, mas ela segurou minha mão. – Quando eu falei que nunca faria isso,
tentei ir embora, mas ele segurou meu braço e falou que você não precisava e
nunca saberia. Eu dei um tapa na cara dele e sai dali.
- Por isso que nunca mais falou com ele.
- Exatamente. Lu, presta atenção... Tudo indica que poderia
ser ele. Ele sempre fez as coisas que você fazia, parece te seguir como uma
sombra, parece querer ser você! Isso é obseção!
- Mas daí roubar e criar um jornal clandestino?! – Eu falei.
Estava furioso, mas tudo ainda parecia surreal demais para mim. – E se fingir
de meu amigo?!
- Ele é falso, Lu. Ele quer que a gente o subestime e é isso
que você está fazendo.
- Tudo bem... Vou conversar com o diretor sobre isso.
Precisamos investigá-lo.
- Prometa-me que não vai brigar com ele. Lu, me prometa. –
Ela falou enérgica. Eu engoli a raiva e assenti. – É melhor esquecermos tudo
dele. Ele quer a nossa atenção, não podemos dá-la a ele.
Eu concordei, ainda irritado, mas achei melhor não deixar
ela perceber isso. Ela me beijou longamente e a abracei com força. Queria que
passássemos a noite juntos, mas não daria hoje pois já estava tarde para ir
para o vilarejo e acordaríamos cedo no dia seguinte. Então a deixei na Avalon e
fui para a Kratos, pensando em tudo que ela dissera.
Entrei calado na República, pois não queria falar com
ninguém, principalmente com Orion, mas estranhei, pois ele não estava lá.
Aquilo me deixou intrigado, mas resolvi deixar para conversar com o diretor no
dia seguinte.
Abri meu notebook e vi que tinha um e-mail novo. Meu coração
acelerou, pois era um e-mail de Ayala.
“Tentei te ligar, mas
você não atendia, então mandei por e-mail. Achei que seria um desafio maior,
mas as palavras são simples. São nomes de lugares! E existe um certo padrão.
São sempre oito lugares e é feito uma espécie de rodízio entre eles. Para
pessoas que já conheçam todos os lugares, basta saber a primeira letra e não
precisa identificar o resto. E é sempre a primeira letra em negrito! Estou te
mandando a lista completa.”
Ele me mandou um arquivo com a lista de palavras e todas
formavam palavras simples, como Masmorra, Porão Nº65, Chafariz Rua A.... Eram
todos lugares do Castelo ou dos arredores e como Ayala disse, todas tinham a
primeira letra diferente... Corri os olhos para o final da lista, o exemplar de
hoje de manhã e li “Fundos da Biblioteca Vilarejo”.
Aquilo fez a adrenalina fluir rapidamente pelo meu corpo.
Sai correndo da República e não avisei ninguém. Minha mente
me dizia que era perigoso e devia avisar a alguém onde eu estava indo, mas não
queria perder tempo. Queria descobrir o que pudesse e tinha que ser hoje.
O vilarejo já estava vazio, pois já era quase meia-noite, e
o único grande movimento era da boate dos pais do Ozzy. Encontrei a biblioteca
rapidamente e fui até os fundos dela, mas não encontrei nada demais. Estava
quase indo embora frustrado quando um brilho azul chamou minha atenção. Eram
três estrelas que brilhavam atrás das latas de lixo, no formato do Cinturão de
Orion. Fui até elas lentamente e quando cheguei perto, toquei-as com a varinha.
Uma porta escondida no chão deslizou e vi uma escada que mergulhava para as
profundezas da terra. O caminho era antigo e apenas as luzes de tocha
iluminavam os degraus.
Ignorei toda a cautela e desci os degraus lentamente, a
varinha em punho, mas apagada. De início não ouvia nada, apenas meus passos que
ecoavam nas paredes. Parei uns segundos e os enfeiticei para não emitirem som e
continuei descendo. Então comecei a ouvir um barulho estranho. Pareciam
gargalhadas, mas ao fundo ouvia também o som de chicote e espadas. Todo o meu
ser gritava para sair de lá, mas queria ir até o final.
Os degraus acabaram de repente e me vi em um corredor
escuro. Havia luz apenas em seu final, quando ele fazia uma curva para direita
e fui até lá lentamente. Os sons estavam ficando cada vez mais altos e
claramente podia ouvir o baque de espada contra espada.
Me arrisquei e olhei para a curva iluminada e meus olhos
ficaram arregalados.
Era uma sala oval, iluminada por archotes verdes. A sala era
quase do tamanho da biblioteca do Castelo, organizada como se fosse uma
arquibancada. Nesses assentos haviam em torno de uns 30 homens encapuzados e
com longas capas pretas. No meio disso tudo havia uma espécie de arena com um
palanque onde três pessoas estavam sentadas. Uma delas, que parecia mais jovem
que as demais, estava na ponta do palanque observando quatro garotos que
lutavam com as espadas. Esses garotos usavam uma máscara branca sem expressão
no rosto e calças brancas, como de escravos, sem camisa ou proteção para os
golpes de espadas. Os encapuzados riam sempre que um dos garotos perdia o
equilíbrio ou errava um golpe, mas ninguém ria mais do que o jovem na ponta do
palanque. Eu vi então ele pegar um chicote e bater nas costas de um garoto que
se aproximou dele e esse garoto caiu no chão, sendo chutado por outro dos
lutadores. A audiência começou a gargalhar e eu me afastei horrorizado.
Subi correndo os degraus decidido a encontrar os aurores e o
diretor. Aquilo era loucura!
No meio da escada ouvi gritos rudes a minhas costas e
pessoas correndo. Percebi que eles me perseguiam e acelerei o passo.
Saltei para a noite estrelada e corri para longe da biblioteca.
Sabia que meus perseguidores estavam perto de mim, então precisava me esconder
rapidamente. Mas não havia para onde fugir.
De repente esbarrei em alguém e me assustei, mas vi quando o
segurança da boate dos pais do Ozzy sorria para mim e me ajudava a me levantar.
Um dos irmãos mais velhos do Ozzy me olhou curioso.
- Lucian? O que faz aqui a essa hora? Dando umas voltas com
a Lenneth?
- Ramón, preciso de sua ajuda! Tem alguém atrás de mim!
Ele não perguntou nada, mas ficou sério e olhou ao nosso redor.
Ele me ajudou a entrar rapidamente na boate, enquanto os seguranças nos
envolviam e olhavam tudo ao redor.
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Eu contei ao Tio Oscar o que tinha acontecido e ele assumiu
um semblante sério e preocupado e só me deixou sair da boate uma meia hora
depois. Ele em pessoa me acompanhou, além de outros três seguranças e Ramón.
Era de madrugada já, mas mesmo assim fomos direto para o Castelo. Tio Oscar
falou o que tinha acontecido a um professor que fazia sua ronda e nos levaram
para o quarto do diretor. Contei então tudo que tinha acontecido e vi o
semblante de Ivanovich ficando cada vez mais fechado.
Tio Oscar só foi embora quando me deixou na República e
deixou dois seguranças na porta da Kratos, por precaução. Ozzy ficou preocupado
quando me viu chegar tão tarde e contei tudo para ele.
Foi uma noite difícil... Não conseguia dormir, nervoso. E as
cenas que eu vira se repetiam na minha cabeça. Mas era eu o chicoteado...
Acordei na manhã seguinte me sentindo dolorido da noite mal
dormida. A maioria dos garotos já tinha acordado, mas Alec, Oleg e Ozzy me
esperavam. Lenneth estava com eles e ela me abraçou chorando, enquanto brigava
pelo que eu tinha feito. Tentei acalmá-la, mas ela chorava descontroladamente e
me abraçava com força. Pelo olhar sério de todos soube que tinha acontecido
algo.
- O que houve?
- Deixaram isso embaixo da nossa porta. Não sabemos como. –
Oleg respondeu e me entregou um papel. Ele estava escrito em letras em negrito.
Enquanto eu lia, senti um nó no estômago e abracei Lenneth com mais força.
“Sei que foi você que
nos espionou, Lucian Valesti.
Você não faz idéia de
onde está se metendo. Vou lhe dar um conselho de amigo, de autor para autor:
nunca mais tente ver nossas reuniões. Nunca mais tente descobrir quem eu sou ou o que fazemos. Para seu próprio bem e de todos que você gosta. Até agora eu não
fiz nada com você, mas continue e irei atrás de você, de seu irmão, de sua
namorada, de seus amigos.
Você foi avisado.
Esse é meu primeiro e
último aviso. Você vai se arrepender se continuar.
Antaris.”