O começo do ano letivo em Durmstrang trouxe na bagagem várias novidades. A maior delas, claro: O Torneio Tribruxo. Mesmo antes das delegações de Beauxbatons e Hogwarts terem chegado ao castelo, não se falava em outro assunto nos corredores, repúblicas e salas de aulas. A ansiedade era geral. Depois que as delegações chegaram, então... Parecia que ninguém estava interessado em discutir outra coisa. Por todos os lados, rolavam apostas acerca da seleção dos três campeões. Os três que estivessem mais preparados para competir pela honra de suas escolas. E o Cálice de Fogo não hesitou muito tempo em apontá-los. Nem o relógio se demorou muito para acelerar o passar de seus ponteiros e fazer com que o dia da primeira tarefa finalmente chegasse. E assim como veio, passou.
Poucos dias antes de todos os alunos embarcarem para casa para suas férias de Natal, porém, outra era a preocupação de um bom número deles. Por mais incrível que possa parecer, o tão idealizado e esperado “Baile de Inverno”, caminhava na direção daqueles que ainda não tinham um par como se fosse um grande e medonho trasgo montanhês...
- Ricard, você está me escutando? – Victor perguntou em voz alta, batendo palmas em frente aos meus olhos. Sacudi a cabeça e o nosso quarto da Spartacus entrou em foco.
- Não. Não escutei. O que você dizia?! – arrumei os óculos nos olhos, observando-o. Ele me encarava curioso.
- Eu perguntei se você viu aquele meu livro sobre Trancabola...? Não o encontrei em nenhum lugar por aqui.
- Também não sei onde está. Desculpe.
- Tudo bem. Depois pergunto ao Micah... – continuamos nos encarando uns segundos. – Você está bem? Me parece um pouco pálido.
- Estou. Só um pouco cansado. Cheguei um tanto tarde ontem... Allice não queria vir embora.
- Allice? – Victor perguntou em tom zombeteiro e um semi-sorriso já desenhado no rosto. – Você não está falando de Allice Godunov, está?
- Sim. É dela mesma de quem estou falando. Qual o problema? – perguntei um pouco irritado, pois Victor iniciou uma gargalhada alta.
- Problema nenhum. É só que ela é um tanto... excêntrica. Você não acha?
- Não. Não acho! Allice é uma garota muito bonita, inteligente...
-...maluca! – Victor completou e o olhei atravessado. – Vai negar? A menina jura que existem unicórnios azuis e violetas!!!
- Ok, ela tem esquisitices, mas é uma boa companhia. – completei me dando por vencido, cansado.
- Não só ela, não é? Aliás, esse ano você só saiu com meninas estranhas! Primeiro a sardenta do 5º ano que começou a te chamar de “Ricky”, depois a capitã do movimento feminista da escola (que convenhamos, é mais macho que todos nós, juntos!), agora essa? Francamente, Ricard. Você está precisando aumentar sua auto-estima.
- Certo. Podemos parar de discutir sobre a minha vida social-amorosa agora? Quando eu não saio com nenhuma garota, vocês reclamam. Quando saio, vocês implicam com ela... Difícil agradar, hein? – rebati mal-humorado.
Victor sacudiu os ombros rindo e não disse mais nada, por longos minutos, até a porta do quarto ser aberta violentamente e uma Lavínia bastante agitada e incrédula entrar, me encarando como se eu tivesse acabado de brotar do chão ali e fosse um completo estranho.
- É verdade? – ela perguntou histérica. – Você saiu mesmo com Allice Godunov? Aquela menina viciada em pó-de-flú vencido?
Victor não conseguiu segurar uma nova crise de risos e o olhei censurando, mas ele não deu importância. Encarei Lavínia, desafiando-a.
- Sim. Sai com Allice sim. E ela é uma ótima pessoa. Bem divertida, se quer saber... Algum problema?
- Você perdeu todo o resto de juízo que ainda tinha, Ricard! Parece que está louco! – ela respondeu ainda mais assustada.
- Perdeu o orgulho também, Vina. – Victor acrescentou enxugando as lágrimas.
- Victor, se não tem nada a acrescentar de útil, fique calado! – retruquei mal-educado. – Não vou discutir esse assunto com você, Lavínia. Não quero arrumar brigas. Lembra do combinado: eu escolho as meninas com quem vou sair e você não se intromete?!
- Se você estivesse convidando meninas “normais”, não me intrometeria. Mas você perdeu a noção! Isso só pode ser coisa da Miyako, que fica enchendo sua cabeça de idéias malucas...
- Deixa a Miyako fora disso, por favor? – falei com os dentes cerrados.
- É claro que você vai defender a sua “melhor amiga” oriental, não é? Afinal, ela está te incentivando a ser caridoso com todos os DRAGÕES do castelo!!! – ela gritou eufórica e Victor caiu na cama, rindo. – Me responde uma pergunta: com qual dos seres medonhos que andam te fazendo “companhia” ultimamente você vai ao Baile?
Foi o estopim. Victor já amassava o travesseiro no rosto para abafar as risadas cada vez mais altas e, Lavínia e eu, estávamos com os rostos tão vermelhos que não me espantaria se começasse a sair fumaça por nossas orelhas. Sai marchando nervoso para fora do quarto e da República, sem dizer mais nada.
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- Oi. – Miyako disse se sentando ao meu lado e apertando mais o cachecol em volta do pescoço. Havia me sentado na beira do lago, que tinha uma leve camada de gelo por cima de toda sua superfície. Não respondi. – Fui te procurar na Spartacus, mas Victor me disse que você saiu de lá há horas e não voltou mais. Disse que brigou com Lavínia...
- Victor está ficando muito fofoqueiro na minha opinião. – respondi baixo e Miyako riu.
- Qual o motivo da briga dessa vez? Eu, pra variar?!
- Não diretamente. Mas ela sempre dá um jeito de te encaixar na culpa. - Miyako riu ainda mais e ri também. – Ela disse que estou sendo caridoso só saindo com as meninas doidas do castelo...
Ela não disse nada, e nem eu. Ficamos alguns segundos calados.
- E ela tem razão, sabe? Não assumi isso para Victor e nem pra ela, mas confesso que sair com a maluca da Allice Godunov ontem foi uma tortura. Se ainda fosse doida com argumentos...
- Se você sabia que ela era doida antes de convidá-la pra sair... Porque convidou? Tenho que concordar com eles, Ricard. Seu padrão de seleção não está lá muito alto...
- Mas não foi você mesma quem disse que eu tinha que “me arriscar” mais com garotas? Chamá-las pra sair, conhecer pessoas novas, diferentes. Me livrar das amarras da Lavínia...? Então. Eu estou fazendo isso.
- Eu disse isso e confirmo. Mas quando falei que você devia se arriscar mais com garotas, quis dizer com garotas... “normais”. Sem maluquices. Você não precisa ser caridoso, Ricard! É bonito, é simpático, é inteligente... Só precisa se soltar mais.
- Não dá pra entender vocês, sinceramente.
- Você está entendendo sim. E já pode começar convidando alguém legal pra ir ao Baile com você. Se quiser, posso fazer uma lista das garotas que ainda estão sem par. E são muitas, acredite!
Do outro lado do lago, vi Inês Molotov entrar sozinha na Avalon. Uma idéia um tanto doida (e suicida) me ocorreu.
- Garota legal, bonita, “normal”, inteligente... Não vou precisar da lista não. Já tenho uma idéia de quem convidar. – respondi sorrindo de repente, encarando Miyako, que pareceu surpresa com a rapidez.
- Se está se preparando para me convidar, nem tente. Não estou mais disponível. – ela respondeu zombeteira e rimos. – Não vai me contar quem é?
- Não... Mas tenho a impressão de que logo você e o restante do castelo vão ficar sabendo. Se ela aceitar, claro!
- Então trate de convidá-la depressa. Me deixou curiosa.
Concordei com a cabeça já bolando um plano de abordagem...
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Como o previsto, ela estava sozinha na biblioteca, estudando. Quase se escondia atrás de uma pilha de livros e escrevia rápido em um pergaminho, concentrada. Respirei fundo e tracei uma reta até sua mesa. Minha sombra em pé na sua frente, a fez parar de escrever e olhar para mim, irritada. Já ia reclamar, mas fui mais rápido.
- Muito prazer, sou Ricard Dragash. Minha família não é importante, mas se você ainda não tem par para o baile e quer irritar algumas meninas da Avalon, sugiro que aceite o meu convite para te acompanhar.
Ela pareceu um tanto transtornada com minha proposta e ficou me encarando por longos segundos, sem saber o que dizer.
- Então. Quer ir ao Baile de Inverno comigo? – perguntei novamente, direto ao ponto.
- Você não é aquele amigo da Lavínia...?
- Esse mesmo. E você é Inês Molotov. Vamos pular as introduções desnecessárias.
- É algum tipo de armação? Não estou entendendo esse seu convite... – ela olhou ao redor, para todos os lados, como se esperasse ver alguém pular de trás da estante rindo.
- Não, não é armação. Juro.
Nos encaramos mais algum tempo e ela me avaliou, pensativa.
- Tudo bem. Eu aceito. Depois combinamos um horário para você ir me pegar, sem atrasos. – enfatizou séria e eu concordei com a cabeça, sorrindo. – Arrume um traje social decente.
- Não se preocupe. Sou um bom acompanhante. – completei virando as costas. Estava há alguns metros da saída quando sussurrei para mim mesmo – De garotas malas então... sou mestre! – soltei uma gargalhada sozinho ao pensar na reação de Lavínia e das outras meninas quando descobrissem.