Acontecia uma vez por ano, sempre em uma sexta-feira. Durante anos, a presidente eleita da Avalon escolhia um dia do ano para realizar a noite do confinamento. A noite era reservada para jogos, conversas e, principalmente, uma melhor integração das moradoras da casa. Nenhuma garota poderia sair e ninguém de fora poderia entrar, a partir do momento em que o sol se escondesse até a hora que nascesse outra vez. Era uma tradição aprovada por todas as garotas da casa, mas pela primeira vez, ao menos uma não estava totalmente satisfeita com a idéia de ficar trancada dentro da república até o amanhecer.
‘Não tem um jeito de você fugir disso?’ Micah perguntou pela vigésima vez a Evie, a segurando pela cintura ‘Não acredito que vai passar a sexta-feira presa sem poder sair comigo’
‘É uma tradição, não vou ser a primeira garota da Avalon a quebrar isso’ Evie respondeu firme, mas sem entusiasmo na voz ‘Sinto muito, mas podemos compensar amanha. Assim que o sol sair, estamos livres e sou toda sua’
‘Olha que eu vou gravar essa frase e cobrar depois’ Disse sarcástico, beijando seu pescoço.
‘Pode cobrar’ Ela sorriu e o afastou ‘Acha que ele vai ficar bem?’
‘Tenho certeza que sim. O pai do Chris já procurou seu pai, não notou que Max sequer se aproximou de um de nós dois hoje? Já foi instruído a se afastar’
‘É, mas até quando?’ Ela questionou desanimada.
‘Antes que ele descubra como reverter isso, vamos ter o controle total da situação. Eu garanto’
‘Você. Fora!’ Micah ouviu uma voz familiar e riu, sentindo a dona dela bater em seu ombro ‘Vamos trancar a república em menos de 1 minuto’
‘Georgia, vai mesmo me obrigar a passar a primeira sexta-feira desde que voltei longe da minha namorada?’ Micah tentou apelar uma ultima vez, mas com a pessoa errada.
‘Tradição é tradição. E não costumamos quebrá-las aqui na Avalon’ Ela sorriu amigável e abriu a porta ‘Fora’
Micah beijou Evie e saiu da república, mesmo contrariado. Georgia fechou a porta outra vez e encarou a sala. Já estava cheia, todas as garotas da casa espalhadas pelos sofás e cadeiras, aguardando o inicio oficial do confinamento. Evie ficou parada ao lado de Georgia e ela puxou a varinha da calça jeans.
‘Ok, veteranas e calouras, é hora de começar o confinamento’ Georgia falou alto e as conversas paralelas cessaram ‘A agenda de hoje será diferente dos outros anos, não vamos seguir uma programação obrigatória, como de costume’ Evie olhou espantada para ela e em seguida encarou as amigas, que também pareciam surpresas ‘Esqueçam aquelas bobagens de colagens expressando nossos sonhos e expectativas e círculos de relaxamento. Tem um carrinho de sorvete na cozinha, toneladas de pacotes de biscoito salgado no balcão, um barril de cerveja amanteigada na despensa... Não Betsy, whisky de fogo está proibido, ou você já esqueceu o que fez na ultima festa que tinha liberado?’ Betsy, a menina da nossa turma que era famosa pelos porres que tomava, abaixou a mão desanimada e rimos ‘Temos alguns jogos de tabuleiro, um tapete de twister e um karaokê, a disposição para quem quiser soltar a voz. E como tradição, ninguém entra e ninguém sai até o amanhecer’ Georgia parou de falar e sorriu para as colegas de casa, se virando para a porta com a varinha em riste ‘Cave Inimicum’ Ela murmurou e uma luz azul forte saiu da varinha, fazendo a porta brilhar ‘Protego Horribilis’ Agora Georgia apontou a varinha também para as janelas e uma luz amarela iluminou a parede da frente da república, ofuscando a vista das que estavam mais próximas ‘Precauções. Assim ninguém entra aqui sem que tenhamos um aviso prévio. Vamos começar a diversão?’
Georgia guardou a varinha outra vez e as meninas gritaram animadas, se espalhando pela sala em grupos para procurar algo para fazer. Evie foi direto para a cozinha atrás do carrinho de sorvete e as amigas foram atrás, levando tudo para a sala e experimentando todos os sabores disponíveis. O barril de cerveja amanteigada também foi logo cercado e em questão de horas a sala já estava tomada por pequenos círculos de garotas ocupando os jogos de tabuleiro que encontraram perdidos. O karaokê também não demorou a ser usado e as vozes eram as mais desafinadas possíveis, mas ninguém se importava. O clima na casa era de descontração, como há muito tempo não se via. Por uma noite, as diferenças foram esquecidas e até mesmo Inês se pegou sendo educada com Evie, mesmo que durasse breves segundos.
‘Atenção!’ Evie subiu em uma cadeira batendo palma e as garotas olharam para ela. Já passava da meia noite e estavam todas mais descontraídas ‘Para quem ainda não sabe, gostaria de informar que temos uma moradora nova. Shannon, levante de onde estiver e venha se apresentar’
‘É, apareça, Shannon!’ Milla falou alto, procurando pela garota ‘Todas se apresentaram quando chegaram aqui, você não vai escapar’
‘Ok, não precisa ameaçar, eu falo’ Shannon olhou rindo para Miyako e lhe entregou o copo que segurava ‘Olá, meu nome é Shannon Austen, tenho 17 anos e sou de Los Angeles, Califórnia. Um amigo me convenceu a se transferir pra cá junto com ele e como meu namorado estuda aqui, aceitei. Já conhecia algumas das meninas daqui por causa das Olimpíadas e agora vou ter mais tempo de conhecer as outras, mas vocês são muitas, então facilitem pra mim, ok?’ E as meninas riram
‘Shannon, muito bem vinda a Avalon’ Evie tornou a falar, erguendo o copo e foi copiada pelo resto das garotas ‘Mas temos uma noticia não muito boa, ao menos para você’ Evie parou de falar fazendo suspense e Shannon a olhou desconfiada, principalmente quando suas amigas riram ‘Mesmo sendo do ultimo ano, aqui dentro você é caloura. E caloura paga trote quando chega à escola...’
‘Ah, nem vem com essa, Evie!’ Shannon protestou e buscou o apoio de Miyako, mas ela ergueu as mãos indicando que não podia fazer nada ‘Já estamos em Março, não acabou isso?’
‘Quanto mais você protestar, pior fica’ Evie falou debochada ‘Vina, pegue o bebê’
‘Bebê? Que bebê?’ Shannon perguntou mais desconfiada ainda e viu Vina entrar na cozinha e voltar logo em seguida com algo embrulhado em um pano ‘O que é isso?’
‘Isso é sua responsabilidade durante essa semana’ Milla pegou o embrulho da mão de Vina e entregou a Shannon. Ela desenrolou e viu que era um ovo ‘É um ovo de Bibra, pegamos emprestado com o professor Asimov e ele quer de volta inteiro. Sua tarefa é cuidar dele, não deve perdê-lo de vista um segundo sequer!’
‘Estão brincando, não é?’ Shannon soltou uma risada descrente, encarando o ovo em sua mão.
‘Estamos com cara de quem está brincando?’ Nina falou séria, de braços cruzados ‘O ovo é sua responsabilidade, Austen! Quebre-o, e além de ter que se explicar ao professor Asimov, sofrerá conseqüências aqui dentro!’
‘Queremos o ovo de volta na próxima sexta’ Annia se aproximou ‘E vamos ficar de olho para checar se está com o ovo 24hs por dia. Somos muitas, não adianta tentar trapacear’
‘Acredita nisso?’ Shannon se conformou com a tarefa e sentou ao lado de Miyako outra vez ‘Cuidar de um ovo! Como se já não tivesse coisas demais para fazer nesse processo de adaptação!’
‘Não reclame, ouvi relatos de trotes bem piores das calouras daqui’ Miyako alertou, rindo do ovo em seu colo ‘Já pensou num nome?’
Shannon cerrou os olhos, mas nunca chegou a responder. Um barulho vindo da varanda da casa chamou a atenção de algumas meninas e Georgia correu para a janela, pedindo silencio. Era o alerta contra inimigos, um dos feitiços usados para proteger a casa que fora lançado por ela. Annia, Evie, Milla, Nina, Vina, Martina, Kay e as outras meninas do conselho correram para o lado dela, as varinhas já a postos, aguardando instruções.
‘Elas vão entrar’ Georgia alertou, olhando para Vina e Nina ‘Peguem a munição na despensa. Calouras, virem os sofás e todas em suas posições!’
Nina e Vina correram atropelando quem estivesse no caminho e sumiram dentro da despensa. As calouras, assustadas com a voz enérgica de Georgia, viraram os sofás de modo que ficassem em forma de barreiras e se esconderam atrás da mesa. Shannon correu para se abrigar em uma poltrona, o ovo preso debaixo do braço e enrolado no pano. As meninas voltaram com várias caixas enfeitiçadas flutuando e as largaram no chão, revelando dezenas de balões cheios de água. Milla distribuiu as caixas em grupos e se atirou atrás do sofá com as amigas, cada uma com as duas mãos ocupadas com balões. Annia agitou a varinha e apagou as luzes da casa.
‘Somente quando eu falar’ Georgia deu um ultimo aviso antes de se calar, aguardando.
A república caiu em silêncio por alguns segundos e a porta se abriu com um estrondo. A sombra de uma garota alta cobriu o chão e atrás dela, varias outras apareceram. Eram as meninas da Athena, república rival da Avalon, e sua líder era Sarah Petrova. Ela correu os olhos pela sala aparentemente vazia e Georgia ficou de pé, atrás do sofá.
‘FOGO!’ Berrou com a mão para o alto, atirando um balão de água na garota.
Uma a uma, as garotas da Avalon levantaram de seus esconderijos e tudo que se via eram balões coloridos voando pela sala, atingindo os alvos de pé na porta. O barulho da água se espalhando quando eles estouravam tomou conta do ambiente e, despreparadas para um ataque molhado, as garotas da Athena se defendiam com feitiços de proteção, não tinham tempo de revidar. Depois de atirarem os balões que tinham nas mãos, as mais velhas começaram a enfeitiçar os que restavam nas caixas e os faziam voar sozinhos até elas, ininterruptamente.
‘RECUAR! ABORTAR A MISSAO!’ Sarah ergueu as mãos para proteger o rosto e gritava para suas companheiras de republica
‘Covardes!’ Evie gritou em meio a risadas das amigas ‘Lutem como homens!’
‘Fujam, suas maricas!’ Vina gritou atirando mais um balão, acertando Sarah pelas costas ‘Se não sabem preparar um ataque, então fiquem em casa!’
‘Vai ter volta, Yelchin!’ Sarah apontou furiosa para Georgia, ensopada ‘Pode esperar!’
‘Sai fora!’ Georgia atirou outro balão e Sarah se esquivou dele, fechando a porta sob vaia das meninas ‘Corram de volta pro ninho, suas cobras!’
As vaias deram lugar a aplausos animados, todas as meninas vibravam com a vitória sobre as rivais. Georgia ordenou que as calouras colocassem os moveis no lugar outra vez e agitou a varinha na direção do som, colocando uma música alta. Milla e Annia trouxerem mais um barril de cerveja amanteigada da cozinha e Evie secou a sala com um feitiço pratico, liberando a pista outra vez para quem quisesse dançar as músicas dos Duendeiros que tocavam na RRB. Havia sido o primeiro confinamento com invasão, mas também foi de longe o mais divertido de todos. Havia compensado perder uma noite fora no vilarejo por um pouco de diversão com as amigas, pois Evie sabia que muito em breve não as veria com muita freqüência.