Sunday, July 05, 2009

Os exames foram como estavam previstos que seriam: uma loucura. Tentávamos manter a sanidade entre uma maratona de estudos e outra, mas cheguei a duvidar que tivéssemos êxito caso eles se prolongassem muito mais.
Felizmente, como todas as outras semanas estavam sendo, eles terminaram e nos deixaram um gosto ainda mais amargo na boca: o da despedida. Agora faltava pouco menos de uma semana para irmos embora de Durmstrang e tudo parecia ter adquirido um toque nostálgico entre os formandos.

- Vou sentir saudades daqui. Foi minha casa durante todos esses anos. Não sei como vai ser em Julliard e se vou conseguir me adaptar...

Geórgia comentou cabisbaixa enquanto caminhávamos de mãos dadas entre as fileiras do teatro – que já havia sido preparado para a nossa apresentação de “Rent” àquela noite. Nos sentamos em duas cadeiras da primeira fileira e não nos encarávamos, pois ambos tinham os pensamentos distantes agora. Vários minutos se passaram dessa maneira.

- O que vamos fazer? – ela perguntou com a voz baixa virando a cabeça para o meu lado e a encarei.
- Em relação a...?
- A nós dois. O que vamos fazer depois que nos formarmos? Eu vou estar em Nova York e você vai continuar aqui, trabalhando para o Ministério. Quase não vamos ter tempo e vamos estar longe um do outro.

Eu estava preparado para aquela pergunta. Durante os últimos dias, ela vinha me assombrando e, agora que ela pairava no ar como uma barreira invisível entre nós, eu só conseguia ficar calado. Sem tirar os olhos dela, respirei fundo antes de responder.

- Acho que a pergunta certa não é essa, porque para distância e tempo eu posso propor várias soluções. A pergunta é: você quer continuar comigo depois que nos formarmos? Mesmo com todos esses problemas?
- Você quer? – ela era realmente engraçada quando se sentia encurralada por alguma coisa. Devolveu a pergunta de imediato para mim e parecia incerta agora. Ri e ela acabou relaxando e rindo também.
- Bem... Durante todos esses anos em Durmstrang, eu sempre fui uma espécie de cupido e espectador dos casais que meus amigos formavam. Nessas posições, era muito fácil dizer para eles que “se gostassem realmente, tudo seria muito fácil de resolver”. E tudo isso sempre fez sentido para mim, até conhecer você. – a encarava com firmeza e pude ver seus olhos vacilarem um pouco, mas ela disfarçou.
- Então, gostar realmente não foi o suficiente comigo? Não vai ser, quer dizer. Eu sei, eu te entendo. Além de tudo, serão outras circunstâncias e virão outras pessoas... Não podemos prever nada. – ela disparou a falar e segurei seu rosto com firmeza para fazê-la parar por uns instantes.
- Você, como sempre, precipitada em conclusões. – ela sorriu e colocou as duas mãos sobre as minhas ainda em seu rosto. – De fato, todas as teorias perderam o sentido com você porque você, dentre todas as outras até hoje, foi a única que me fez entender todos os meus amigos, quando se viam em crises tempestuosas por problemas aparentemente minúsculos.
- Se eu sou muito precipitada, você poderia ser menos redundante agora? Estou ficando um pouco perdida no meio de tantas conclusões.
- Ok. Rápido e direto, então. Você me perguntou se eu quero continuar com você depois da formatura, certo?! Então a minha resposta é: sim. Sim, Geórgia Yelchin. Eu definitivamente quero continuar com você, mesmo que tenha que começar a praticar mais minhas aparatações para longas distâncias e... eu REALMENTE gosto de você. – finalizei de uma vez e o brilho em seus olhos se intensificou à medida que abria um largo sorriso.
- Eu também quero continuar com você, ou pelo menos tentar. E eu também gosto muito de você, Ricard. Mais do que imaginei que fosse gostar no começo. Somos tão previsíveis, não acha? – rimos.

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A peça havia sido um absoluto sucesso. Mais uma vez, Geórgia tinha razão sobre a maravilhosa sensação que era estar em cima de um palco. Enquanto realizávamos nossas performances musicais, via os vultos negros na platéia se movimentarem agitados conosco e, quando ela terminou, todos estavam de pé e aplaudiam freneticamente.
As cortinas finalmente se fecharam na nossa frente e todos começavam a entrar para os camarins. Do outro lado, a platéia ainda estava barulhenta e eu soube que era só uma questão de tempo até que todos nossos amigos invadissem os bastidores... Geórgia e eu ainda estávamos no meio do palco nos encarando. Me aproximei dela e sorrimos maliciosamente. Ouvi vários passos pesados subindo as escadas.

- Vamos ver o que eles vão achar disso.

Dizendo isso, puxei Geórgia ao meu encontro e a beijei longamente, entrelaçando minhas mãos em seus cabelos. As cortinas se abriram e, imediatamente, ouvimos vários sons de assovios e aplausos ao redor, mas não demos importância. Mais do que tudo e todos, estávamos selando um compromisso. Ou, melhor dizendo: estávamos lançando nossa sorte no ar e, dali para frente, tudo seria como deveria ser.

ººººº

Lavínia estava sentada sozinha nos fundos da Avalon e quando me aproximei ela nem virou o rosto para mim. Continuou calada observando a noite escura enquanto me sentava ao seu lado.

- Nós precisamos conversar. – disse com simplicidade, mas ela não se moveu.
- Estou escutando.
- Não, Vina. – respondi com um pouco mais de firmeza puxando seu braço. Ela me olhou assustada pela atitude, mas logo abaixou os olhos para o chão, irredutível como sempre. – Dessa vez, não estou aqui para dizer que você está errada; e não quero falar comigo mesmo enquanto você finge me ignorar. Eu quero que você fale comigo também, como um diálogo.
- O que você quer que eu diga Ricard? Durante todo esse ano você vem agindo como se não fosse a mesma pessoa. Saindo com pessoas estranhas para se auto-afirmar e me afastando de você sempre que eu fazia uma tentativa. Então... o que exatamente você quer que eu diga agora? Que eu sempre sou a errada e que não sei de nada do que é melhor pra você? Ótimo. Sou. Satisfeito agora? – seu rosto adquiriu tons salpicados de vermelho.
- Sim. Por incrível que pareça, estou satisfeito. E vou te dizer o motivo: você não mudou nada. Continua agindo exatamente como uma mãe super protetora que, só porque o filho não contou sobre a nova namorada, decidiu que a melhor coisa a se fazer é um bico. – ela abriu a boca para responder, mas a cortei. – Não precisa ficar brava por ter que admitir quem você é, Vina, porque você esteve certa o tempo todo. Durante todo esse tempo, eu quis forçar alguém que eu não era com pessoas que não tinham nada a ver comigo. E te afastei sim, mas não porque você não sabe o que é melhor pra mim e sim porque você sabe exatamente. Eu não queria continuar escutando todas aquelas verdades de você e continuar fingindo que eram calúnias e escândalos imbecis que você fazia para chamar minha atenção. Enfim. Você é a certa e eu sou o idiota.

Enquanto eu falava, notei que sua expressão ia mudando drasticamente. Passou pela raiva, pela mágoa, pela surpresa, e agora estava estagnada em uma espécie de piedade. Eu sorri.

- Você é minha melhor amiga, e é insubstituível, entende isso agora? Você é chata, intransigente, mandona, orgulhosa, teimosa... Lavínia. E eu não quero me formar com esse clima estranho entre nós. Nunca me perdoaria por isso. Então, por favor, me perdoa? – perguntei em tom suplicante e ela sorriu finalmente, aliviada.
- Eu pensei que fosse morrer se tivesse que passar toda a nossa formatura te ignorando e tratando como um estranho. E você sabe que eu ia conseguir. Sou sim teimosa, mas você é um ignorante e sem noção! Não faça mais isso, ok? Nunca mais. – ela deu socos leves no meu peito e me abraçou com força em seguida. – Senti saudades das suas ironias.
- E eu senti saudades dos seus palpites... Aliás... O que achou da Geórgia?
- Você não poderia ter escolhido uma pior. Parabéns. Mas, eu acho que posso me acostumar com isso. – ela respondeu em tom de brincadeira e rimos, enquanto colocávamos toda a conversa em dia.

Certas coisas nunca mudariam.

ººººº

- Durigan, Lavínia.

Me levantei da cadeira tremendo, enquanto Ricard acabava de voltar e agora se unia à chuva de aplausos que meus amigos puxavam.
Durante anos, havia sonhado com aquele momento. Durante anos eu soube exatamente o que iria querer fazer, depois que estivesse formada.

Você é mesmo uma contradição, Lavínia”, dizia para mim mesma enquanto apertava meu diploma entre a mão.

Agora que aquele momento de “ser quem eu sempre quis ser” finalmente havia passado, eu percebia a fraude por trás de tudo. Eu não queria me formar, nem tampouco ser adulta. Não queria ter que deixar o único lugar onde fora feliz de verdade, para sempre. E, definitivamente, não queria ter que encarar a realidade de todos esses fatos. Mas, enquanto caminhava de volta à minha cadeira, encontrei o olhar de Vlade – que, nesta noite, estava junto da família de Victor e sorria triunfante abraçado à Christine e aquela cena me fez rir.

Sete anos haviam se passado e, por mais relutante que estivesse para admitir naquele momento, eu mal podia esperar pelos próximos anos que estavam por vir.

ººººº

Depois que Gina, Milla e Ty terminaram seus discursos, os diretores começaram a chamar nossos nomes para recebermos o diploma. Ao meu lado, Ricard e Vina já comemoravam suas formaturas com os diplomas na mão. Eu, pelo contrário, me sentia anestesiado. Ainda não conseguia acreditar que aquela seria minha última noite no castelo.

- Neitchez, Victor.

Acordei dos devaneios quando uma zorra se instaurou ao meu redor e Ricard me cutucou com violência para que me levantasse. Após receber o canudo e agradecer todos os professores, me parei um instante até encontrar minha família. Não foi difícil; grande e pouquíssimo discretos como era sempre, se destacaram entre os outros e sorriam orgulhosos para mim, que retribui. Assim que me sentei novamente, Vina me puxou para um beijo extasiado e, quando nos afastamos, nos encaramos por breves segundos – que foram o suficiente para mim.

Eu tinha ao meu lado tudo o que precisava para ser feliz, e devia tudo ao Instituto Durmstrang.

It's time to change;
throw out the books and start again.
Break all the rules,
fall on your face, don't be ashamed.
You can't waste more time,
'cause you've been gone for far too long;
Trapped in his arms, safe without harm,
Follow your heart, don't be afraid.

Don't hideaway,
'Cause I know that you've got what it takes;
I believe you can be what you wanna be.

Let yourself go, don't you worry about a thing;
Breaking the chains, so hard to begin,
Follow your heart, don't be afraid.

Hideaway – The Corrs

FIM.

N.A.: Essas três letras aqui em cima estão me assustando. Muito. Juro que ainda consigo lembrar, com detalhes, do dia em que decidimos criar a Durmstrang. E de como os perfis foram surgindo na minha cabeça de imediato...

Terminar mais uma etapa é uma conquista indescritível e, como sempre, só tenho a agradecer essas três pessoas que continuaram aqui, comigo, dividindo as loucuras. Óbvio que esse “fim” é só simbólico, afinal, as histórias vão continuar, mas... And, Ju, Renan... com vocês, “formar” perfis de personagens até eles se “formarem” é uma diversão constante. OBRIGADA!!!

Para demais leitores e personagens... Até mais.

Tandi.