No fim das contas, essa foi a salvação de Emma. Ela
conseguiu sair na semana seguinte e como eu tinha ficado sozinha com os
Blanchard, achei melhor ficar em Durmstrang para dar aos meus pais mais
liberdade de conhecê-la melhor. Ozzy tinha ido para casa com os gêmeos para
alguma coisa que não entendi sobre um ritual que eu não me importava e estava
sozinha com Robbie e Leo jogando baralho quando meu espelho de duas vias
tremeu. O rosto de Mason apareceu no vidro.
- Ei Mason, tudo bem ai? – perguntei animada, mas ele
parecia agitado.
- Parv, você tem que vir pra casa – disse sussurrando e
olhou para o lado assustado.
- O que houve? Está tudo bem? – larguei as cartas que tinha
na mão já começando a me preocupar.
- É a Emma. Ela precisa de ajuda – ele olhou para o outro
lado, como se estivesse vigiando para ninguém encontra-lo – Está todo mundo
aqui. Eles... Eles olham para ela como se fosse a Alexis.
- Já entendi. Estou indo, volte para a sala e fique com ela
– ele assentiu e sua imagem desapareceu. Virei para Leo e Robbie e eles já
haviam encerrado a partida – Quem quer dar uma volta em Sofia?
°°°°°°°°°°
A casa estava um pandemônio quando abri a porta da sala. Não
estava toda a família, mas sem dúvida metade dela estava ali. Não sei como
souberam que Emma estaria em Sofia, talvez papai ou mamãe tenham deixado
escapar sem querer, mas nenhum deles deveria estar ali. Era para ser um fim de
semana só com eles três, e Mason é claro, mas mais ninguém. Emma estava sentada
no sofá com uma expressão de pânico no rosto, visivelmente encurralada,
enquanto meia dúzia de tias a enchiam de perguntas. Todas, sem exceção, só
conseguiam pensar em Alexis quando olhavam para ela. Não precisava nem ter
recorrido a minha habilidade para saber disso. Ainda não tinham reparado nas
três novas adições da casa, então bati a porta com o máximo de força que
consegui. Imediatamente todos pararam a conversa e olharam para nós três.
- Parvati, pensei que tinha dito que ia ficar na escola –
papai falou em um tom confuso, mas sua expressão era de alivio.
- Soube que estava tendo uma festa... Ok pessoal, é o
seguinte: se você não deu a luz à Emma ou foi responsável pelo espermatozóide,
por favor, fora!
- Parvati! – mamãe, uma dama, ficou horrorizada.
- Nenhum de vocês é bem vindo aqui hoje! – continuei,
ignorando o choque no rosto dela e meu pai reprimindo uma gargalhada – Não sei
como souberam, mas quero que vão embora agora mesmo. Emma não vai a lugar
nenhum, ela está presa a vocês para o resto da vida, vocês terão tempo o
suficiente para conhecê-la.
- Parvati, essa não foi a educação que sua mãe lhe deu! –
tia Helena, que eu detestava, me repreendeu – Não pode chegar aqui e expulsar
as pessoas dessa maneira!
- Essa ainda é a minha casa, então posso sim. E adivinha só,
você não é realmente minha tia, então não me importo com a sua opinião. Sei que
nunca gostou de mim mesmo, então deve estar aliviada – ela tentou parecer
afetada, mas já a conhecia bem demais – Não se sinta mal, titia. O sentimento é
recíproco.
Papai já estava roxo de tanto esforço que fazia para não
rir. Mamãe estava vermelha, não sei se de raiva ou vergonha, mas não me
impediu. Rafe, o tio de quem mais gostava, começou a tossir descontrolado
quando tentou reprimir a gargalhada e sua esposa, tia Annie, que eu também
gostava muito, acertou sua costela com o cotovelo. Tia Helena parecia que tinha
chupado limão, mas não falou mais nada e liderou a debandada. Robbie e Leo iam
indicando a porta com os braços, como aquelas pessoas que ficam na pista do
aeroporto sinalizando para o avião, se certificando que alguém tentasse desviar
do caminho.
- Você sabe que sempre vai ser minha sobrinha favorita, não
é? – tio Rafe beijou minha testa quando passou, ainda rindo.
- Parvati sempre causando impacto... – tia Annie riu também.
- Faço o que posso – sorri de volta e eles saíram fechando a
porta.
- Parvati, pelo amor de Deus... – mamãe ainda parecia
chocada, mas me abraçou e deu um longo suspiro – Como você fala assim com as
pessoas? Sua própria família!
- Mãe, olha a cara de desespero da Emma! – apontei para a
garota ainda acuada no sofá e ela tentou sorrir, mas o sorriso saiu meio
psicótico – Ela parece prestes a cometer um suicídio!
- Não pretendia me sufocar com a almofada, mas confesso que
o pensamento me ocorreu – ela respondeu tentando relaxar e todo mundo riu.
- Viu? Fiz um favor a vocês. E agora farei outro – estendi a
mão para Mason e ele correu para o meu lado – Robbie, Leo e eu vamos levar
Mason para tomar um sorvete e depois vamos ao jogo do Levski. Vamos almoçar na
rua e voltaremos antes de anoitecer. Aproveitem o tempo!
Foi uma tarde agradável, embora tenhamos passado a maior
parte dela em um estádio de futebol. Obviamente eu não era uma entusiasta do
esporte, tampouco Leo e Robbie, mas sempre ia aos jogos com papai quando
criança e Mason é um fã incondicional do time da cidade, então valia o
sacrifício de assistir a 90 minutos de jogo da tribuna de honra. O Levski
venceu a partida por 3 x 1 e Mason estava eufórico quando deixamos o estádio,
pouco depois das 17h. Nem mesmo a ignorância de Robbie quanto ao nome dos
jogadores e as estatísticas dos jogos, algo que ele achava um absurdo um garoto
de 17 anos não saber, o incomodavam mais. A alegria dele me lembrava um pouco
Adam, meu irmãozinho que havia conhecido na semana passada, e fiquei surpresa
por perceber que já sentia falta dele.
Encontramos Emma sozinha na cozinha em uma animada conversa
com uma das empregadas quando chegamos. Papai tinha sido chamado para uma
emergência no hospital e mamãe já havia saído para seus compromissos políticos,
é claro. Maria estava tirando um bolo de cenoura do forno bem na hora e nos
acomodamos em volta do balcão para comer.
- Emma, esses são Leo e Robbie, meus melhores amigos de
Durmstrang – disse apontando para os dois e Robbie estendeu a mão,
entusiasmado.
- Prazer em conhecê-la! Então era você quem seria nossa
melhor amiga se não tivesse sido trocada por essa aqui?
- Provavelmente – Emma respondeu rindo e Leo revirou os
olhos.
- Não dê ouvidos ao Robbie, seus miolos ainda estão fervendo
por conta das estatísticas de jogos que Mason tentou enfiar na cabeça dele –
Leo estendeu a mão também, animada.
- É futebol! – Mason falou de boca cheia, mas voltando a
ficar indignado – Garotos deveriam entender de futebol!
- Eu não sou um garoto como os outros, Mason – Robbie
replicou e apertei seu braço para que não terminasse o que queria dizer.
- Mamãe e papai saírem a muito tempo? – perguntei
interrompendo o assunto.
- Não, só uma meia hora.
- Então isso significa que não vão voltar antes das 21h.
- O que fazemos então para passar o tempo?
- Vídeo game! – Mason ergueu os braços animado e rimos.
- Ok então, vídeo game!
°°°°°°°°°°
- Robbie, pare de me acertar com esses cascos de tartaruga!
– Leo gritou quando seu kart capotou pela 3ª vez na mesma corrida e todos os
outros passaram sua frente – AAARGH!
- Eles não são teleguiados, se você está na minha frente,
não tenho como mandar que eles desviem! – Robbie se defendeu, mas já estava
lançando outro casco na direção de Mason.
Estávamos jogando Wii há quase três horas e o clima estava
longe de ser amistoso. Qualquer coisa se transformava em uma disputa acirrada e
até um simples jogo de canoagem colocou todo mundo em pé de guerra. Maria
chegou a correr até o quarto para saber o motivo de estarmos gritando e pulando
desesperados na frente da televisão, o que acabou aliviando um pouco a tensão.
Mas a trégua acabou quando trocamos o jogo para Mario Kart. Ninguém é amigo de
ninguém quando se é explodido na pista.
- Ok, chega! – Emma largou o controle quando cruzou a linha
de chegada em 8º lugar e levantou do chão – Parvati, você tem wi-fi aqui?
- Tem sim, precisa do laptop? O meu está em Durmstrang, mas
papai deixa o dele no escritório.
- Não precisa, trouxe meu iPad. São 20h, Adam já está me
esperando para conversarmos.
Ela saiu do quarto e imagino que tenha ido até o quarto de
hospedes onde estavam suas coisas, porque voltou segundos depois com um iPad na
mão. Ainda estávamos jogando, então ela sentou no chão no canto do quarto e
começou a mexer na tela. Não demorou muito e ouvi a voz de Adam saindo do
aparelho. Ele havia me contado que todo sábado eles conversavam pontualmente às
20h, que era uma hora antes dele ter que ir para a cama. Meu kart caiu na
cachoeira pela 4ª vez e abandonei o jogo.
- Oi bubba! – Emma o cumprimentou e aquele devia ser o
apelido dele – Estava com saudades!
- Oi mana! Também estava com saudades, quando você volta pra
casa?
- Logo, logo, bubba. Ainda tenho algumas semanas em
Hogwarts, mas vamos nos ver no fim do mês na minha formatura, lembra?
- Eu vou conhecer Hogwarts! – ele falou animado e ri. A
partida tinha encerrado e agora todo mundo prestava atenção na conversa.
- Isso mesmo, você vai conhecer sua futura escola.
- Você está em Hogwarts, mana?
- Não, lembra que eu falei que ia passar o fim de semana com
os Karev quando nos falamos semana passada?
- Quando a Parvati veio aqui! Ela é legal, eu gosto dela.
Você está com ela? Quando ela vai voltar aqui? Ela também é minha irmã! – Adam
era um tagarela, conseguia fazer mais perguntas que Mason.
- Eu sei que ela também é sua irmã – Emma estava rindo sem
parar – Ela está aqui sim, dá oi pra ela – e virou o iPad na minha direção.
- Oi Adam! – acenei para ele e tinha um sorriso imenso
estampado no rosto dele quando acenou de volta.
- Oi outra mana! Quando você vem aqui de novo? Estou com
saudades!
- Também estou com saudade de você, baixinho, mas não sei
quando vou poder ir até ai. Acho que só nas férias.
- Falta muito pras férias? – ele perguntou confuso e Emma
revirou os olhos.
- Três semanas, bubba. Olhe o calendário atrás da sua porta.
- Ah é mesmo! – ele bateu na testa e ri – Tem mais gente ai?
- Tem sim – Emma virou o iPad para o outro lado do quarto e
Robbie, Leo e Mason se espremeram na frente da tela, acenando – Esses são
Robbie e Leo, amigos da Parvati, e Mason, nosso primo.
- Oi todo mundo! – Adam acenou de volta mais animado que
antes – Mason, você joga fruit ninja?
- Sim, quer jogar? – Mason levantou empolgado – Nunca tenho
ninguém pra disputar!
- Mana, você empresta seu iPad pra ele jogar comigo?
- Poxa, já está me dispensando? – Emma fingiu estar
desapontada, mas não conseguia ficar séria – Tudo bem... Podem jogar, mas só
meia hora. Sabe mexer, Mason?
- Sei sim, papai me deixa jogar no dele – ele respondeu
pegando o iPad com ela e sentando no canto do quarto.
Em questão de segundos Mason estava completamente abduzido
pelo jogo e não ouvia nem via mais nada que acontecia fora da tela do iPad.
Robbie desligou o vídeo game, já havíamos brigado o suficiente para uma tarde,
e passamos o resto do tempo conversando. Emma ainda tinha muitas perguntas
sobre a família e ia explicando um pouco sobre cada um através de um álbum de
fotos que tinha no quarto. Quando passei pela página onde só tinham fotos
minhas de Alexis, Jack e Julie, a expressão no rosto dela mudou.
- Foi ele que...? – perguntou com a mão em cima de uma foto
de Jack fazendo um boneco de neve.
- É. Ele era irmão gêmeo dela, Julie – respondi apontando
para a foto ao lado, onde Julie e Alexis decoravam o boneco de neve dele com um
uniforme de Durmstrang.
- Não a conheci ainda. Eu acho.
- Não, Julie não estava aqui hoje. Vai conhecê-la nas
férias, não se preocupe.
- Ela assusta, mas não morde – Robbie acrescentou e rimos.
- Preciso me preocupar? – ela perguntou receosa
- Não tem motivo para se preocupar, Julie é uma ótima pessoa
– Leo respondeu depressa – Ela só é esquentada, mais séria, mas é muito legal.
- Ela parece bem feliz na foto.
- Ela era menos durona antes do Jack morrer, passamos alguns
meses sem nos falarmos, mas já está tudo bem – respondi olhando para a foto
outra vez – Sempre tivemos um relacionamento meio conturbado, mas ela é uma das
pessoas em quem mais confio. Você vai gostar dela.
- Ela também vai me olhar como se eu fosse ela? – perguntou
apontando para uma foto de Alexis e notei que seu tom de voz era triste.
- Não, ela já viu sua foto, já sabe que são parecidas, não
vai olhar espantada.
- Nós não somos parecidas, somos iguais. Não me entenda mal,
eu sinto muito não ter podido conhecê-la, mas queria que não fosse um clone
dela.
- Tem um jeito... – Robbie deu um sorriso que dizia
claramente que tinha uma idéia genial – Quer mesmo que ninguém mais pense que é
igual a Alexis?
- Sim, quero.
- Então deixa comigo.
°°°°°°°°°°
- Então? – Emma levantou da cadeira um pouco receosa e
Robbie estendeu a mão a ela, fazendo-a dar uma volta – Como ficou?
Levantei do sofá e meu queixo devia estar caído, porque não conseguia
me expressar direito. Depois que Robbie disse que tinha um plano, pedi ao meu
motorista que nos levasse até o centro da cidade. O destino? Um salão de
beleza. Robbie deu a ideia de Emma radicalizar e mudar totalmente o visual. Achei
que ela não ia topar, ela parecia o tipo tímido, que não arriscava demais, mas não
poderia estar mais enganada. Ela topou o desafio e deu liberdade a Pierre para
fazer o que quisesse. O resultado foi seus cabelos reduzidos a quase nada –
estavam acima do ombro – uma nova coloração que os deixou castanho escuro e
mechas vermelhas para todo lado. Era uma pessoa completamente diferente.
- Você está linda, Emma! – Mason foi quem falou primeiro e
ela abriu um sorriso aliviado.
- Obrigada, Mason. Ficou bom mesmo?
- Ficou ótimo – consegui dizer finalmente – Emilia e Nikolaj
vão levar um susto quando falar com Adam pelo Skype semana que vem!
- É, vai ser um choque, mas eu adorei – ela riu – Nunca tive
coragem de fazer nada desse tipo.
- Você só precisava do incentivo certo – Leo falou e
concordamos.
- Você sentou naquela cadeira como um clone da Alexis, mas
levantou como Emma Blanchard – Robbie completou.
- Nesse caso, prazer em conhecê-la, Emma! – disse animada e
ela se olhou no espelho mais uma vez.
É, ela definitivamente não parecia mais Alexis.