Friday, August 26, 2011

Hospital Psiquiátrico de Sofia, 27 de agosto de 2015.

- Você precisa sair daqui – Robbie disse sentado no pé da minha cama.
- Falta menos de uma semana pra voltarmos a Durmstrang, não podemos ir sem você – Leo completou, de pé ao meu lado.
- Não sei se quero voltar.
- Pare de dizer bobagens, você precisa voltar – Robbie ficou de pé e encarou Leo sério – Você vai sair daqui amanhã.
- E como espera que isso aconteça? – perguntei desanimada – Meus pais não vão me deixar sair.
- Vão, se você parar de dizer que escuta vozes.
- Não são vozes, são pensamentos – os corrigi, começando a me irritar. Ninguém acreditava em mim – Como agora, vocês estão pensando que eu sou uma maluca.
- A gente acredita em você, Parv – Leo segurou minha mão – O problema é que isso soa sim como maluquice. Pare de repetir que pode ouvir o que as pessoas estão pensando e vão lhe dar alta.
- É o único jeito. Quando seu pai entrar e perguntar se continua ouvindo vozes, minta – Robbie se aproximou e parou ao lado do outro lado da cama – Sua mãe disse que quando você não estivesse mais convencida de que pode ouvir pensamentos, ia lhe tirar daqui.
- Minta. Depois ajudamos você a descobrimos como lidar com isso na escola.
- Sim, vá pra casa, dê um jeito nessa cara de doente e não se atreva a não estar naquela estação dia 1º de setembro.

Assenti com um sorriso fraco no rosto e eles beijaram minhas bochechas cada um de um lado antes de saírem, pois meus pais já estavam do lado de fora esperando para entrar. Como sempre faziam, me beijaram na testa e perguntaram como eu estava, se ainda estava ouvindo vozes. Fiquei um segundo em silêncio antes de responder, mas fiz o que Robbie e Leo disseram e menti. Fui o mais convincente que meus anos de teatro na escola permitiram e eles acreditaram. Podia ouvir seus pensamentos de alivio. Papai chamou o médico responsável pelo meu caso e depois de alguns minutos de conversa, ele concordou em me dar alta e me incentivou a voltar a minha rotina. Ainda não sabia como seria estar de volta a Durmstrang, mas precisava sair daquele lugar.

ºººººº

Recebi alta do hospital na manhã seguinte, meus pais estavam lá cedo para me buscar. Voltar para casa foi doloroso. Como era de se esperar, meus tios estavam lá quando cheguei. Eles me receberam muito bem e se diziam felizes por eu estar de volta, mas seus pensamentos me culpavam pelo acidente. Não fiquei com raiva deles, eu também me culpava. Meu tio tinha razão, se eu não estivesse dirigindo, Jack e Alexis ainda estariam aqui. Julie sequer olhou para mim. Quando entramos na sala, ela se levantou do sofá e se trancou em seu quarto.

Meu quarto estava do jeito que havia deixado, um mês atrás. E a primeira coisa que notei foram os patins de Jack encostados no meu guarda-roupa. Ele havia largado lá para eu não esquecer que íamos patinar no dia seguinte, apesar da minha relutância. Peguei o par de patins pretos cheios de rabiscos no couro e sentei na cama. Não sei quanto tempo fiquei em silêncio com ele no colo, mas mais tarde, quando comecei a arrumar minhas coisas para voltar a Durmstrang, foi a primeira coisa que guardei na mala.

ºººººº

- Tem certeza que não quer que a acompanhe até a estação? – mamãe perguntou ainda abraçada a mim – Não me importo em me atrasar.
- Tudo bem mãe, não precisa. O pai do Robbie vai nos levar, pode ir pra prefeitura.
- Prometa que não vai fazer nenhuma bobagem e que vai me chamar se tiver algum problema – mamãe segurou meu rosto com as mãos e me encarou séria – Eu paro o que estiver fazendo e vou ao seu encontro.
- Eu vou ficar bem, mãe – ela continuou me encarando séria – E se precisar, vou lhe chamar.
- Ok. Faça boa viagem – e beijou minha testa, me soltando do abraço.

Peguei meu malão e sai de casa, acenando uma última vez para mamãe na porta antes de entrar no carro do pai de Robbie. Leo já estava lá dentro e pegamos a estrada em direção à estação de Sofia. Fui o caminho inteiro calada, com o olhar fixo na paisagem do lado de fora do carro. Era inevitável passar naquela estrada sem lembrar do acidente. Já estávamos quase nos aproximando da estação quando o carro passou em frente ao cemitério da cidade. Soltei um grito tão alto no carro que o pai de Robbie pisou no freio com força.

- Desculpe, tio – soltei o cinto apressada e Robbie e Leo me olhavam assustados – Se importa se pararmos aqui um instante?
- Não, tudo bem – ele respondeu ainda um pouco assustado, mas entendeu o que eu queria – Robbie, vá com ela.

Desci do carro e Robbie e Leo vieram atrás de mim. Não trocamos uma única palavra, mas eles apontaram a direção que eu deveria ir e ficaram alguns passos atrás, apenas me observando. Não foi difícil encontrar os túmulos de Jack e Alexis, eram os únicos com flores colocadas recentemente. Estavam sepultados um ao lado do outro e me ajoelhei entre os dois, abaixando a cabeça. Não rezei. Também não chorei. Fiquei em silêncio diante dos dois túmulos, pensando em como havia magoado tantas pessoas e em como isso havia levado àquele momento. Fiquei ajoelhada alguns minutos e quando levantei, pedi desculpa por tudo que tinha feito.

Robbie e Leo ainda estavam parados há alguns passos de distancia, respeitando meu espaço, e me estenderam o braço para voltarmos ao carro. Tio Klaus estava esperando pacientemente no carro e nos deixou na estação minutos depois, se despedindo apressado porque estava atrasado para uma reunião. A plataforma já estava lotada de alunos e tirei meu iPod da mochila, colocando os fones no ouvido e ligando a música alta. Era a única forma de não ouvir os pensamentos de todas aquelas pessoas. Quando entramos no trem, puxei o capuz do casaco para esconder os fones e meu rosto, que exibia uma cicatriz, e procuramos um vagão vazio para ocupar. Aquele não ia ser um ano fácil, mas eu sabia que precisava encará-lo.