Por Robbie von Hoult
Era a primeira vez que resolvia passar o fim de semana em
casa desde março. Sempre preferia ficar em Durmstrang com Alec ou acompanhar as
meninas em algum passeio do que passar dois dias em casa aturando meu pai
questionando tudo que faço, mas meu namorado precisou ir para casa com o irmão
e as meninas estavam ocupadas demais com seus próprios namorados, então resolvi
encarar as criticas.
A casa inteira cheirava a carne cozida quando abri a porta
da sala. Reconheceria aquele cheiro a quilômetros de distancia, alguém estava
fazendo Hachee, carne cozida em holandês, o prato favorito de minha mãe. Segui
o aroma até a cozinha e fui pego de surpresa ao ver mamãe sentada no balcão
lendo uma revista e papai atrás do fogão mexendo nas panelas. O balcão estava
uma bagunça, com os ingredientes do cozido espalhados por todo lado. Mamãe
abriu os braços para que fosse até ela com um sorriso animado no rosto. Abracei-a
apertado, estava morrendo de saudades, e sentei ao seu lado no balcão.
- O que está acontecendo aqui? – perguntei vendo a bagunça –
Por que está deixando papai cozinhar? Está tentando se envenenar?
- Sua pouca fé me ofende, Robert – papai disse com um tom
divertido, algo raro – Já esqueceu que era um forte concorrendo no concurso de
Leonora?
- Eu sei que o senhor era um dos participantes, mas não lembro
da parte do forte.
- Pois saiba que fui longe na competição e sou um excelente
chef – ele pegou uma colher na gaveta e pegou um pedaço da carne, estendendo-a
pra mim – Se não acredita, prove.
- Vá em frente, prove – mamãe me encorajou quando hesitei e
peguei a colher.
- Uau, isso está mesmo bom – disse surpreso devolvendo a
colher vazia.
- É claro que está bom, por que acha que sua mãe está comigo
até hoje? Não é só pelo meu charme, mantenho-a comigo porque ela também se
apaixonou pelo meu Hachee.
- É verdade, seu pai preparou esse prato em um jantar entre
amigos para me convencer de que era um bom partido – mamãe disse rindo – Não
acreditava muito nele, mas é tão raro encontrar um homem que saiba cozinhar que
resolvi dar uma chance.
- E o resto é história... – papai completou e se debruçou no
balcão para dar um beijo nela – Você sabia que o nome de sua mãe significa
“Pura Beleza”?
- Que bonitinho, papai. Não sabia que era tão romântico.
- Seu pai sabe ser encantador quando quer – mamãe piscou
para ele.
- Nunca julgue um livro pela capa.
Ele voltou à atenção ao Hachee, mamãe continuou folheando
sua revista e puxei um jornal da mochila, abrindo no espaço limpo do balcão. Era
o último exemplar do Aurora Boreal que havia salvado da destruição. Estava
encucado com uma palavra-cruzada que sempre tinha nas edições. As perguntas
eram as mais bizarras possíveis e estava convencido que não era uma simples
brincadeira, que ele tinha algum significado. Estava encarando o quadro em
branco há tanto tempo que mamãe já havia saído da cozinha e minha fixação
naquele pedaço de papel acabou chamando a atenção de papai.
- O que está fazendo, Robert? – perguntou curioso.
- Não consigo concluir essa palavra-cruzada, é muito
esquisita.
- É o jornal da escola?
- Mais ou menos... É um jornal clandestino, Lucian vem
tentando acabar com ele, mas é pior que erva daninha. Quanto mais arrancamos,
mais copias aparecem.
- Sou bom em
palavras-cruzadas, diga o que tem ai.
- Sete letras.
Amante de Morgana e inimigo de Artur – li a primeira pista.
- Accolon – ele
respondeu de imediato e vi que cabia no espaço.
- Sim, serve.
Muito bom pai!
- Mande outro.
- Oito letras.
Condestável e um dos principais conselheiros de Artur.
- Bedivere – mais
uma vez serviu.
- Cinco letras.
Rei de Gaunes, irmão de Leonel, primo de Lancelot e de Heitor. Um dos que
chegou ao fim da demanda do Graal.
- Boors – ele
disse menos empolgado dessa vez, mas igualmente rápido – Filho, quem faz esse
jornal?
- Ninguém sabe,
mas definitivamente é um aluno – respondi e voltei a ler as dicas – Ok, esse é
grande, 11 letras. Filho de Cador e que se tornou Rei após a morte de Artur.
- Constantino –
papai respondeu sem nem pestanejar – Se não sabe quem faz esse jornal, por que
está tão empenhado em completar isso?
- Porque acho que
em algum lugar aqui, tem uma pista sobre o autor. Esse cara é muito arrogante,
roubou os textos do Lucian e os publicou como se fossem seus, ele gosta de
aparecer. Tem que ter uma pista.
- Talvez seja
melhor não mexer com isso, não sabe com quem pode estar lidando.
- É um aluno,
pai. Tem no máximo 17 anos, o quão perigoso pode ser? Vamos lá, só faltam mais
alguns.
Papai hesitou em
continuar me ajudando, mas acabou cedendo. Completamos todas as perguntas e vi
que a palavra chave era Cinturão de Orion. Palavra estranha e sem sentido para
ser o destaque de uma palavra-cruzada, o que só me deu mais certeza de que
tinha algum significado oculto. A panela pediu a atenção de meu pai e deixei-o
sozinho na cozinha, me acomodando no sofá e recomeçando a ler o jornal inteiro
com mais atenção, mas depois de alguns minutos ele apareceu na sala e o tomou
de minha mão.
- Pai! Estava
lendo isso! – tentei pegar o jornal de volta, mas ele não deixou.
- O que está
fazendo, Robert?
- Tentando
descobrir quem é o autor do jornal, já disse. Cinturão de Orion é uma
constelação e não tem nada a ver com esses nomes malucos que você ditou como
resposta, não é possível que seja só uma simples palavra-chave.
- Está perdendo
seu tempo com isso, quando devia estar se dedicando ao seu futuro – e já ia
começar o sermão.
- Eu estou!
Jornalismo investigativo! Isso é uma profissão decente, não acha? – respondi
irritado.
- Você nunca se
interessou por jornalismo, só está dizendo isso para justificar essa perda de
tempo! – e sacudiu o jornal na minha cara – Está perdendo tempo com jornalismo
quando deveria estar se preparando para a audição na Julliard!
- O que? – baixei
o tom de voz em estado de choque.
- Não foi sempre
esse o seu sonho? Conseguir uma vaga nessa academia? – assenti ainda em choque
– Então por que não está se preparando?
- Eu não...
Pensei que... Por que está me cobrando isso? Você sempre disse que arte é uma
perda de tempo.
- Bom, eu não acho
mais. Não quero que escolha uma profissão só para me agradar e acabe a vida
inteira infeliz por isso. Se o que você quer é entrar para Julliard, vou lhe
apoiar.
- Não sei bem como
reagir a isso.
- Que tal começar
a se preparar? Anda praticando no piano?
- Sim, pratico
toda semana.
- Até quando é o
prazo para enviar o vídeo de inscrição?
- Acho que semana
que vem. Por quê?
- Porque vamos
gravá-lo hoje. Vá para o piano agora mesmo, vou buscar a câmera.
Papai subiu as
escadas correndo com o jornal na mão e quando desceu não estava mais com ele.
Não vi alternativa senão sentar na frente do piano e praticar um pouco. Mamãe
sentou ao meu lado para me ajudar a corrigir o que precisasse e papai ligou o
laptop e ia lendo as perguntas da ficha de inscrição em voz alta para que eu
respondesse e ele digitasse. Ele me filmou tocando Sonata ao Luar e lacrou tudo
em um envelope pardo, garantindo que segunda-feira pela manhã estaria no
correio.
Todo o apoio de
papai e sua determinação em me fazer conseguir a vaga em Julliard eram ótimos,
pela primeira vez em anos estávamos nos entendendo e curtindo a companhia um do
outro sem brigas, mas em momento algum me esqueci do jornal. A reação dele
enquanto me ditava as respostas não passou despercebida, ainda mais depois da
explosão na sala quando o tomou da minha mão.
Optei por não
tocar mais no assunto para não comprometer o fim de semana, mas quando pisei de
volta em Durmstrang no domingo à tarde, a primeira coisa que fiz foi correr até
a Kratos para falar com Lucian. Ele estava com Lenneth na sala quando entrei e
expliquei toda a história, desde as respostas esquisitas da cruzada, a
palavra-chave sem sentido e a reação de me pai. Ele ouviu a tudo calado e pela
sua expressão, sabia que estava convencido que tinha algo maior acontecendo.
- Tem alguma
ideia do que pode ser isso? – perguntei ansioso.
- Talvez, mas não
posso dizer, não sei até que ponto é seguro – disse misterioso e achei melhor
não insistir. Investigar tudo bem, me colocar em risco nem pensar.
- Cinturão de
Orion pode ser algum tipo de senha.
- Acham que tem
algo a ver com Orion? – Lenneth perguntou falando baixo.
- Não, não
acredito que seja ele – Lucian não parecia inteiramente convencido quando falou
– Mas em todo caso, não coloco minhas mãos no fogo.
- Se isso é uma
senha, é usada em que? – ele perguntou.
- Onde quer que
ele use para fazer o jornal. Lembra quando ele publicou alguma baboseira sobre
aptos a ajudar encontrarão o caminho? – eles assentiram – E se o caminho inclui
uma senha?
- Mas como saber
para onde ir? – Lenneth perguntou.
- Correndo o
risco de soar como teoria da conspiração... – eles riram – Acho que a
localização muda sempre, e cada edição vem dizendo onde encontra-lo na próxima
vez.
- Acha que tem
algum enigma espalhado pelas matérias? Isso faz sentido... – Lucian agora havia
embarcado no meu delírio.
- Não sei onde
pode estar, mas estou disposto a ler um por um, dúzias de vezes, até descobrir.
- Eu ajudo! –
Lenneth prontamente se ofereceu.
- Certo, vamos
fazer isso – ele concordou – Tenho uma cópia de cada exemplar trancado na
redação do Expresso Polar, cada um fica com uma pilha. Vamos analisar cada
centímetro desse jornal até encontrarmos uma pista. Não vou me formar sem
descobrir quem é esse Antaris.
Fui com eles até
a redação do nosso jornal e voltamos para as repúblicas cada um com uma pilha
de jornal nos braços. Sei que devia reservar todo o meu tempo livre estudando
para os exames, mas estava gostando da ideia de investigar o tal Antaris.
Estava convencido que as edições iam nos levar até ele e não ia descansar
enquanto não provasse que estava certo. E eu nunca estava errado.