A conversa que tive com meus pais uma semana depois de
descobrir minha verdadeira origem foi a mais difícil da minha vida. Quando
finalmente entenderam o que estávamos dizendo, depois de passado o choque
inicial de ouvir a parte de nunca mais morrer, mamãe começou a chorar e papai
ficou tão transtornado que tudo que conseguia dizer era que ia processar o
hospital nem que isso lhe custasse o emprego.
Os dois se acalmaram depois de um tempo, mas mesmo vendo a
foto de Emma e todas as semelhanças que ela tinha com Alexis, papai insistiu em
não fazermos nada antes de um exame de DNA. Embora não fosse realmente
necessário, ambos me asseguraram que nada mudaria na nossa vida, independente
do resultado. E o resultado, é claro, provou que eu não era filha deles.
- Queria me ver, Dr. Pace? – bati na porta aberta do
escritório dele, uma semana depois de lhe contar o resultado do exame.
- Sim, entre e feche a porta, por favor – ele indicou o sofá
e sentei – Conversei com Emma e seus pais.
- E então?
- Bom, digamos que a reação deles foi melhor que a sua.
- Eles estão felizes com isso? – perguntei espantada e ele
riu.
- É claro que não, mas foi mais fácil para eles aceitarem. A
notícia trouxe mais explicações do que questionamentos. Os pais dela, seus
pais, querem lhe conhecer. Seus pais também querem conhece-la, não é mesmo?
- Sim, querem, mas eu ainda não estou pronta para
conhecê-los. Se eles quiserem conhecer Emma não me incomodo, mas ainda não
estou pronta.
- Sem problemas, ninguém vai forçá-la a nada. Quando achar
que está na hora, basta me avisar e arranjo o encontro.
- Como eles são?
- Não hesitou dessa vez – ele me olhou surpreso e sorri – Nikolaj
e Emilia são excelentes pais e tenho certeza que irá gostar muito deles.
- Só isso?
- Isso é tudo que precisa saber. Vá para sua viagem de
formatura e aproveite a semana para relaxar e esquecer isso tudo. Quando
voltar, conversaremos mais sobre eles. Prometo.
Assenti sem discutir e voltei para a Atena para arrumar a
mala. Partiríamos para uma semana no Hawaii no dia seguinte e tudo que
pretendia fazer era tomar sol deitada em uma espreguiçadeira. Longe de
Durmstrang, longe do drama. Uma semana de paz.
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A ideia da semana de paz durou menos de 24h. Na manhã
seguinte, quando a professora Yelchin nos organizava para a partida,
descobrimos que essa viagem seria simultânea a viagem de formatura de todas as
grandes escolas bruxas do mundo. Resumindo, estaríamos hospedados no mesmo
hotel que todos os alunos do 7º ano das delegações que competiram nas
Olimpíadas um ano antes. Ou seja, por uma semana eu estaria no mesmo hotel que
Emma Blanchard.
Estávamos hospedados no Sheraton Kauai e era um hotel tão
maravilhoso e com tantas coisas a oferecer que por cinco dias não precisei de
nenhuma desculpa mais elaborada para não acompanhar meus amigos nos passeios
pela cidade ou em uma simples ida à praia e passava o tempo inteiro evitando
contato com outras pessoas. Durante a semana inteira aproveitei tudo que o
hotel oferecia, em especial o spa, com massagens diárias, ofurô e aulas de
pilates. Eram tantas coisas com a intenção de relaxar você que passava boa
parte do meu dia em outra dimensão, mas sempre que alguém estranho se
aproximava todo o tempo gasto em relaxamento evaporava. Era extremamente
cansativo. Se pudesse passaria o dia inteiro trancada no quarto, mas não podia
me esconder pra sempre.
- Você vai à festa hoje – Ozzy sentou na espreguiçadeira ao
meu lado.
- Er... Não, obrigada.
- Não perguntei se quer ir. É a nossa última noite aqui e
eles vão fechar o parque aquático à noite pra uma confraternização com todas as
escolas de magia. Todo mundo vai e você também.
- E como isso vai acontecer? Pretende me arrastar até lá à
força? – perguntei sarcástica.
- Se for preciso, sim. Desde que chegamos você não saiu de
dentro do hotel, Parv! Não fez nenhum passeio com a gente, não conheceu nenhum
lugar. Essa viagem é para aproveitarmos nossos últimos dias juntos e você se
escondeu de todo mundo. Poxa, nós mal passamos tempo juntos.
- Desculpa, também queria ter passado algum tempo com você.
- Por que esse medo todo? Já parou pra pensar que ela pode
estar se escondendo de você também?
- Isso não me ocorreu.
- Anda, vamos – ele levantou da espreguiçadeira e estendeu a
mão pra mim – A festa começa em uma hora e não vou deixar você passar a última
noite aqui sozinha.
- E se eu entrar em pânico e me desconcentrar? Com toda
aquela gente no parque vou entrar em colapso.
- Não vou sair do seu lado, pode se desconcentrar a vontade.
Peguei sua mão e deixei que ele me puxasse pra cima dele e
me beijasse. Ozzy tinha razão, as viagens de formatura sempre tinham o
propósito de unir as turmas e permitir que elas tivessem um pouco de diversão e
tempo livre antes de cada um seguir o seu caminho. Muitos de nós nunca mais nos
veríamos e até então eu não tinha aproveitado nenhum tempo livre com meus
amigos. Se esbarrasse com Emma no parque, então teria que lidar com isso. Não
ia sacrificar minhas últimas horas no Hawaii me escondendo.
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Sempre gostei de parques aquáticos. Subir até o topo das
imensas escadas e descer a toda velocidade pelos variados tubos de água é
sempre uma experiência única, mas visitar um parque aquático durante a noite é
sem duvida a mais única de todas. Todos os tubos gigantes estavam decorados com
luzes coloridas, uma mesa imensa com frutas e bebidas não-alcoólicas estava
montada na praia da piscina de ondas e um palco havia sido montado no fim da
piscina, onde um DJ ocupava todo o espaço com um equipamento de ultima geração.
Todas as atrações do parque funcionavam normalmente, como se estivéssemos à luz
do dia, então muitos alunos passavam correndo de um lado pro outro com bóias
enormes debaixo do braço enquanto dançavam no ritmo da musica que o DJ mandava
para as caixas de som.
- Relaxe um pouco, meu amor – Ozzy riu quando uma garota
loira esbarrou em mim e apertei seu braço com força – Qual o problema se
esbarrar com ela?
- O problema é que não vou saber o que fazer! O que digo a
ela? Isso é muito estranho.
- Ela também não deve saber o que dizer, então diga apenas
oi – ele sorriu e beijou meu rosto – E tem milhares de pessoas aqui, a
probabilidade de você encontrá-la é mínima.
- Ah ótimo, por que foi dizer isso? Agora tenho certeza que
vamos nos encontrar!
- Só porque eu disse que é improvável? – ele riu outra vez,
mas eu não estava achando graça.
- Lei de Murphy. Ela não falha nunca.
Era verdade, ela nunca falhava. Separamos-nos de nossos
amigos e caminhamos sozinhos até a mesa de frutas, estava morrendo de fome. Com
tanto tempo relaxando acabava me esquecendo de comer e peguei um cacho de uva
da mesa. Quando o ergui, outra pessoa tinha pego o mesmo cacho. Ia me desculpar
e devolver o cacho quando ergui a cabeça e vi que era ela. Emma Blachard estava
parada na minha frente, segurando a outra ponta dele. Soltamos na mesma hora e
o cacho se espatifou no chão, rolando uva para todo lado. Congelei na mesma
hora e ela virou de costas em pânico, agarrando o braço de um garoto que estava
de pé ao seu lado.
- Dave, vamos embora agora! – ouvi-a dizer com a voz
esganiçada.
- Em, calma. Não temos que ir embora – ele respondeu em um
tom de voz reconfortante alisando seu braço.
- Sim, temos! – ela insistiu e me virei para Ozzy, que
assentiu me incentivando.
- Não, não tem. Nenhuma de nós precisa ir embora – disse calma
e o garoto que a segurava sorriu.
A hesitação dela era nítida, mas depois do que pareceram
vários minutos, Emma me encarou. Era como se tivessem se passado três anos e
Alexis estivesse mais uma vez diante de mim. A semelhança entre as duas era tão
grande que por um instante me desestabilizei, mas Ozzy estava colado em mim
como um guarda-costas e não houve nenhum acidente. Ela também me olhava com uma
expressão estranha e por um breve segundo ouvi o nome Adam em seus pensamentos.
Ozzy apontou para uma mesa vazia do outro lado da piscina e o seguimos.
- Certo... – Ozzy falou depois de um longo silencio – Oscar,
mas pode me chamar de Ozzy. Sou namorado da Parvati – e estendeu a mão ao
garoto.
- David, ou Dave – ele apertou-a animado – Namorado da Emma.
- Você trouxe algum baralho, Dave? – Ozzy perguntou e David
riu. Dei um beliscão em sua perna.
- Olha, isso é tão esquisito pra mim quanto deve ser pra você,
mas estou com fome e não peguei aquelas uvas, então vamos acabar logo com isso –
disse de uma vez e acabei quebrando o clima tenso, porque ela riu.
- Isso é muito esquisito. Você é tão parecida com Adam que é
como se ele tivesse crescido e virado mulher – David engasgou prendendo um riso
e Emma o encarou.
- Quem é Adam?
- Meu irmãozinho. Quer dizer, nosso irmãozinho. Ele tem sete
anos.
- Você se parece com alguém também. Alexis é... – parei de
falar de repente e Ozzy apertou minha mão – Ela era minha irmã, nossa irmã, mas
morreu ano passado.
- No acidente que permitiu que descobríssemos da troca – ela
completou e assenti.
- Acho que já nos encontramos antes... – David falou
pensativo e nós duas olhamos para ele, confusas – Sim, já nos encontramos! Nas
Olimpíadas, foi você! Em, foi ela que quebrou a raquete na minha cabeça!
- Merlin, era você! – tapei a boca horrorizada e Ozzy
começou a rir – Desculpa!
- Por que você quebrou uma raquete na cabeça dele?
- Ela atirou a raquete na minha direção, na verdade – David
corrigiu e agora Emma ria sem parar – Chamei o garoto que fazia dupla com ela
de gazela saltitante no calor do momento, juro que não sou homofóbico. Pedi desculpas
depois, quando a forçaram a se desculpar na enfermaria.
- Robbie às vezes merece o apelido, não o julgo. Queria ter
visto isso.
- Foi uma cena e tanto – Emma continuava rindo.
- E ainda assim vocês avançaram pra final?
- O jogo já tinha terminado e tínhamos perdido, não anularam
o resultado – ela deu de ombros – Não acredito que era você. Como não reconheci
Adam em você?
- E eu não reconheci Alexis em você.
- Bom, acho que todos concordamos que você estava muito ocupada
atirando raquetes em estranhos pra notar as semelhanças – Ozzy sugeriu e David
concordou.
Começamos a rir e dai em diante, a conversa fluiu com uma
naturalidade impressionante. Emma não era parecida apenas fisicamente com
Alexis, tinha muito de sua personalidade e era extremamente fácil conversar com
ela. E David, tirando o episodio da raquete, era realmente legal. Passamos a
festa inteira naquela mesa, trocando informações sobre nossas famílias enquanto
todos se divertiam nos tobogãs e pista de dança. Voltamos para o hotel quando o
parque ficou em silêncio e percebemos que a música havia parado. Despedimo-nos ainda
no saguão, não íamos ter tempo de nos falarmos pela manhã, e prometemos uma reunião
das famílias para o mês seguinte. Não achei que fosse estar preparada tão cedo,
mas a verdade era que agora estava ansiosa para conhecê-los.