Wednesday, April 29, 2009

A greve já durava mais de 15 horas e o frio era tão intenso que sentia como se todos os ossos do meu corpo tivessem se transformado em pedaços de gelo. Sentia-me enjoada, com dor de cabeça, um sono absurdo e muito cansaço, mas não pensava em desistir. Na verdade, já vinha me sentindo assim há alguns dias e Vina insistia que devia estar anêmica, que tinha que procurar a enfermeira para me tratar. Mas com as aulas e deveres me sobrecarregando, e todas as atividades extras clandestinas, não sobrava tempo nem para me alimentar direito, então talvez ela até tivesse razão, mas estava sobrevivendo e teria que continuar assim. Não tinha tempo de ficar doente agora!

‘Está se sentindo bem?’ Micah perguntou, me olhando preocupado.

‘Sim, estou’ Menti, forçando um sorriso ‘Só estou com frio.

‘Mentirosa’ Ele retrucou’ Sei que está passando mal, você está pálida. Quer ir até a enfermaria?’

‘Está louco? Estamos no meio de uma greve, não posso simplesmente levantar e entrar no castelo!’ Falei indignada.

‘Claro que pode, se está passando mal. Eu vou com você até lá’

‘Não vou a lugar algum, eu estou bem’ Disse firme e ele não gostou ‘Fique quieto e me abrace, porque estou com frio. Se me mantiver ao menos um pouco aquecida, vou me sentir melhor’

Micah resmungou alguma coisa que não entendi, mas também não pedi que repetisse e me aconcheguei em seus braços quando ele me puxou mais para perto dele, fechando os olhos. Um vento gelado ameaçava começar a incomodar, mas tentei me concentrar em alguma outra coisa qualquer, para não pensar no frio. Mantinha na cabeça a imagem de uma das praias da Espanha que costumava ir durante as férias e até podia sentir o calor, mas comecei a suar frio de repente, e abri os olhos assustada. Apesar de suar, meu corpo inteiro tremia.

‘Micah?’ Chamei por ele e minha voz quase não saiu ‘Eu acho que...’

Não completei a frase. Senti minha cabeça girar muito rápido, minhas pupilas estavam pesadas, meu corpo foi ficando mole e sentia que estava perdendo as forças, e então de repente tudo ficou escuro.

*****

‘Ela está acordando’ Ouvi a voz de Micah enquanto abri os olhos devagar ‘Evie?’

‘O que aconteceu?’ Perguntei tentando me sentar, mas me arrependi na mesma hora. Meu corpo todo doía e sentia a cabeça pesada ‘Onde estamos? A greve acabou?’

‘Você está na enfermaria, querida’ Ouvi a voz de uma mulher que reconheci como a mãe do Gabriel. Ela parou na ponta da cama e pegou meu pulso ‘Você desmaiou há 3 horas atrás’

‘Não me lembro de nada, só que estava me sentindo um pouco tonta’ Falei com a mão na cabeça, tentando amenizar a dor ‘E a greve?’

‘Já acabou, nós ganhamos’ Micah respondeu e sorri animada, mas logo parei, pois a cabeça voltou a doer ‘O Ministro já foi embora e os alunos estão tomando café no salão. O pessoal já passou aqui para ver como você estava, mas a enfermeira expulsou todos’

‘Estou com fome, mas o mal estar ainda não passou, só de pensar em ovo frito e bacon me dá vontade de vomitar’ Fiz uma careta ao imaginar o café da manha e a mãe de Gabriel me olhou estranho, se virando para Micah.

‘Micah, você pode nos dar licença um minuto? Quero conversar a sós com ela’

‘Claro’ Ele respondeu parecendo preocupado, mas saiu e fechou a porta.

‘Aconteceu alguma coisa mais séria?’ Perguntei assim que ele fechou a porta ‘Eu não desmaiei de fome, não é?’

‘Tem notado algo de diferente em você ultimamente?’ Ela perguntou ‘Como, por exemplo, cansaço excessivo, tonteira, irritação?’

‘Sim, ando sentindo exatamente isso de um mês pra cá, como sabe disso?’ Me espantei ‘Eu falei alguma coisa enquanto estava desmaiada?’

‘Não, é que esses são os sintomas do primeiro mês de uma gravidez’ Ela falou, me encarando com um olhar que beirava a pena e minha única reação foi rir, mas logo fiquei séria.

‘Não posso estar grávida’ Disse categórica ‘É impossível’

‘Tem certeza?’ Ela insistiu ‘Não costumo me enganar, ainda mais com tantas evidencias’

Não respondi aquela pergunta. Durante cinco longos segundos, um filme passou pela minha cabeça. E no meio desse filme havia um deslize, um descuido em meio a uma empolgação, algo que fugiu do meu controle. E ela notou que estava considerando a afirmação de que seria impossível ter engravidado, pois segurou minha mão, me encarando.

‘Não é apenas isso’ Ela tornou a falar, mas o que quer que fosse não poderia ser mais avassalador que um bebê ‘Você desmaiou porque está com anemia, estava muito fraca e ficar todo aquele tempo sem comer só agravou a situação. Você tem se alimentado direito?’

‘Não, mal paro para comer, não tenho tempo!’ Falei com uma voz desesperada ‘Se não tenho tempo nem de almoçar, como vou cuidar de uma criança??’

‘Ok, preciso que você fique calma, isso não é bom para o bebê’ Ela me segurou, impedindo que levantasse ‘Você está há 2 meses de se formar, esse bebê não vai nascer no meio dos seus exames finais. Mas você precisa se cuidar, independente de estar ou não sobrecarregada, ou vai fazer mal não só a ele, mas a você também. Tem que tratar essa anemia. Está entendendo o que estou dizendo?’

‘Sim, estou’ Respondi ainda em choque, balançando a cabeça ‘Eu tenho opção, não é?’ Perguntei, soando assustada.

‘Sim, tem. Você é nova, sempre tem. Mas acho que deveria conversar primeiro com alguém da família ou um amigo’ Ela aconselhou e assenti com a cabeça, atordoada ‘Tem alguém que quer que eu chame para conversar com você? Seu namorado?’

‘Não’ Respondi de imediato, descartando qualquer possibilidade de contar ao Micah naquele momento ‘Quer dizer, as meninas. Quero falar com elas’

‘Vou mandar chama-las, mas não levante daí. Precisa tomar algumas poções que a enfermeira preparou’

Ela caminhou até a porta e vi quando chamou Micah, pedindo que trouxesse as meninas até a enfermaria. Ouvi-o questionar se eu estava bem, mas ela apenas mandou que ele fizesse o que eu estava pedindo, sem fazer perguntas. A enfermeira apareceu com uma bandeja lotada de frascos coloridos e me forçou a tomar todos, mas estava tão zonza com aquela noticia que bebia sem nem prestar atenção. Era a primeira vez que não sabia o que ia acontecer com o meu futuro, e não gostei da sensação de não ter perdido o controle dessa parte da minha vida. Estava me sentindo perdida pela primeira vez, sem ter a menor noção do que deveria fazer. Tudo que queria de verdade era acordar outra vez do desmaio e descobrir que ainda estava na greve, sem esperanças do Ministro ir embora e sem um bebê crescendo na minha barriga.