Sábado, 14 de fevereiro de 2016 – Valentine’s Day.
Ozzy estava no vestiário terminando de colocar o uniforme dos Ducks quando entrei com Robbie e Leo. A maioria do time já estava pronto e começava a sair, mas ele demorou mais do que o necessário amarrando os patins nos pés para ficar sozinho com a gente.
- Tudo certo? – perguntei ansiosa – Vai mesmo fazer isso?
- Já disse que sim, relaxa – ele respondeu colocando o capacete na cabeça – Sentem na ponta da proteção de vidro, vou jogar ele contra ela naquele pedaço e vocês podem pegar a amostra.
- Como exatamente vamos fazer isso sem ninguém ver? – Robbie estava nervoso.
- Ninguém vai prestar atenção em vocês, vão estar vendo o jogo – ele deu de ombros, mas Robbie não parecia menos aflito – Só peguem o sangue e pronto.
- Ok então. Boa sorte – disse quando ele pegou o taco no armário e o fechou, pronto pra sair.
- Não preciso de sorte, sou bom nisso – disse convencido piscando pra gente e saiu do vestiário.
Deixamos o vestiário logo depois e ocupamos os lugares sugeridos por ele. Estávamos na primeira fileira, bem do lado do fim da proteção de vidro, seria fácil passar o cotonete que Robbie trazia dentro de um frasco no sangue que esperávamos que sujasse aquele pedaço.
O jogo já começou violento. A maior rivalidade do Hóquei de Durmstrang era entre os Mighty Ducks e os Wild Penguins, toda partida começava e terminava em confusão e dessa vez não tinha como ser diferente. Ozzy começou a marcação em cima de Patrick assim que o disco bateu no gelo e não saiu da sua cola. Os dois se acotovelavam o tempo inteiro e um tentava esmagar o outro contra o vidro, mas depois de muitos trancos, foi Ozzy quem conseguiu bater com o rosto de Patrick contra a proteção, exatamente onde ele havia dito que faria. O sangue que saiu do nariz dele foi inevitável e tomei o frasco da mão de Robbie, que ficou com nojo, e peguei nossa amostra assim que eles se afastaram.
O que aconteceu depois, no entanto, não estava programado. Furioso, Patrick atirou o taco no chão e partiu pra cima de Ozzy. Os dois trocaram alguns socos e no meio disso o capacete de Ozzy deve ter afrouxado, porque quando Patrick lhe deu um empurrão violento e ele caiu pra trás, o capacete voou longe e ele bateu com a cabeça no gelo. Levantei da arquibancada a tempo de ver Ozzy apagar, uma poça de sangue se formando em volta da sua cabeça.
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Depois que Ozzy desmaiou e foi retirado do rinque, o jogo continuou. Os Ducks venceram, mas foi uma vitória apertada. Lukas chegou logo depois da confusão e foi uma surpresa, não esperava vê-lo em Durmstrang tão cedo. Fiquei feliz, é claro. Era dia dos namorados, nada mais justo que eu o passasse com o meu. Ainda passei na enfermaria pra ver como Ozzy estava, mas ele ainda estava desmaiado e não adiantava ficar lá, então sai com Lukas para o vilarejo.
Passamos à tarde no hotel da cidade, onde ele havia reservado um quarto. Era bom tê-lo por perto, mas ainda me sentia um pouco culpada pelo que havia acontecido no casamento de Katarina. Não era justo com ele, mas também não tinha a intenção de contar nada. Era passado, Ozzy e eu já havíamos resolvido isso, não tinha necessidade de voltar com o assunto pra causar problemas.
Teria ficado com ele a noite toda por lá também, mas tivemos que voltar para o castelo. A festa de Valentine’s Day que o grêmio havia organizado já havia começado e eu, como presidente dele, tinha a obrigação de comparecer. Dessa vez optamos por algo simples e decoramos o salão com as coisas padrões da data, mas deixamos o som por conta de um Karaokê. Durmstrang tinha aula de música, então era hora de ver se todos estavam tendo algum aproveitamento nelas.
Não me aventurei a cantar naquela noite. A fila pela posse do microfone estava muito grande e preferi ficar sentada na mesa vendo as apresentações. Todas muito divertidas, por sinal. Alguns ainda aproveitaram o karaokê pra fazer declarações de amor, o que rendia muita gozação depois, mas garantiam sucesso ao autor dela.
Lukas teve que ir embora às 23h e, cansada da agitação do dia, optei por voltar para a república depois que nos despedimos, mas minha idéia de dormir cedo foi pelo ralo assim que cheguei ao quarto. Abri o armário para pegar meu pijama e esbarrei em uma caixa no fundo dele, fazendo a tampa cair. Era o patins de Jack, que havia trazido comigo em setembro. Sequer lembrava que ele estava ali, mas de repente senti vontade de experimentá-los. Eu não era uma boa patinadora, fazia anos desde que havia calçado um daqueles pela última vez, mas me senti nostálgica e larguei o pijama de lado, tirando eles da caixa.
O lago de Durmstrang estava sempre congelado, não importa a estação do ano. Nos finais de semana patinar nele era a atividade favorita dos que preferiam ficar no castelo a voltar pra casa, mas desde que havia começado meus estudos, há quase 7 anos atrás, aquela era a primeira vez que ia até ele com aquela intenção. Já estava me aproximando quando ouvi o barulho de um taco batendo em um disco repetidamente. Não esperava encontrar ninguém ali àquela hora, todos estavam na festa, então foi uma surpresa ver que o autor do barulho era Ozzy. Estava parado no meio do lado com os patins no pé, quicando o disco no taco, e notei que tinha um curativo em sua cabeça.
- Você bateu a cabeça no gelo hoje e desmaiou – falei sentando no banco e ele se assustou, deixando o disco cair – Não deveria estar longe daqui?
- Cai porque fui empurrado, não caio sozinho, estou seguro – ele pegou o disco de volta e continuou equilibrando ele no taco – O que está fazendo aqui? Não deveria estar na festa?
- Lukas já foi embora, não quis voltar sozinha. Você chegou a ir até lá? Não me lembro de tê-lo visto no salão.
- Passei bem rápido só pra ver a decoração, mas tive a sorte de ser bem na hora que baixou a Whitney Houston no Mitchell.
- Ah, então você viu tudo que valia a pena. Aquilo foi impagável.
- Cara, isso vai render gozação com a cara dele pro resto da sua vida. Ele já estava planejando isso quando deu a sugestão do karaokê, não estava?
- Sem dúvida. Ele nem estava tão bêbado assim pra ter decidido pagar o mico da vida dele de repente.
- Veio até aqui pra ficar sentada ou vai patinar? – perguntou apontando para os patins na minha mão – São os do Jack?
- Sim... Ele deixou no meu quarto antes do acidente, trouxe comigo quando voltei. Nunca tive a intenção de usá-los, até hoje.
- Então coloque-os. Eles foram feitos pro gelo, não podem ficar guardados em uma caixa. É um insulto a memória dele.
- Eu não sou exatamente o que se pode chamar de boa patinadora. A última vez que usei um desses tinha oito anos, e posso lhe garantir, não foi nada bonito.
- Esses patins foram do Jack, não pode se sair mal com eles nos pés. Faça uma tentativa, tenho certeza que vai se sair bem.
Ele voltou à atenção ao disco e resolvi calçar os patins. Jack havia decorado ele todo com adesivos e rabiscos, mas que se olhados com atenção, eram até bonitos. Eles eram muito maiores que meu pé, então usei um feitiço para ajustá-los ao meu tamanho e levantei. Acho que fiquei quase um minuto parada no mesmo lugar antes de criar coragem de pisar no gelo. Deslizei na mesma hora, mas por um milagre consegui manter o equilíbrio e evitar a queda. Ozzy agora estava dando voltas no lago a toda velocidade e o odiei naquele momento por ser tão exibido. Tentei deslizar pra frente e estava conseguindo me movimentar devagar quando ele passou feito um foguete do meu lado e a rajada de vento me desequilibrou. Dessa vez não consegui controlar e cai de bunda no gelo. Ele freou e voltou de costas, parando do meu lado já rindo.
- Você é um exibido, sabia? E para de rir, não tem graça nenhuma! – disse irritada, ainda sentada no gelo.
- Desculpe, mas tem graça sim. Acho que o gelo tremeu com a queda.
- Está me chamando de gorda?
- Não, mas foi um tombo de impacto.
- Engraçadinho. Ao invés de ficar fazendo piada, por que não me ajuda a levantar?
- Você está fazendo tudo errado – disse me levantando com um puxão só – Parece o bambi aprendendo a andar. Se não perder o medo e arriscar, não vai dar certo.
- Qual parte do “eu não sei patinar direito” você não entendeu? Isso foi uma péssima idéia, melhor dormir que corro menos risco.
- Ah não senhora, você vai me fazer companhia hoje. Já veio até aqui, não vou deixar ir embora. Todo mundo está em algum encontro e seu namorado já foi embora, então não tem nada pra fazer.
- E pra que você precisa de companhia? Está tarde, vai dormir também. Alias, não era nem pra estar aqui!
- Não posso dormir. A enfermeira me proibiu de dormir por 24h porque posso ter um treco. Acho que ela falou algo sobre entrar em coma.
- E daí? Você não vai morrer, vai?
- Isso dói, Parvati. Não é legal. E como isso é em parte culpa sua, tem a obrigação de me fazer companhia hoje. Fora que você é minha parceira, isso é seu trabalho.
- Calma Drama Queen, precisa disso tudo, eu fico. Que horas você pode dormir de novo?
- Só às 9h da manhã. Então, vamos patinar? Eu puxo você até pegar o jeito.
- Você vai me fazer cair.
- Nunca vou fazer você cair – ele pegou minha mão e deu um sorriso – Pronta?
- Não, espera!
Mas ele me ignorou por completo e começou a patinar pelo lago me arrastando junto. No começo estava indo devagar, mas aos poucos começou a acelerar até que já estávamos correndo. Comecei a gritar pra ele parar porque eu ia cair, mas ele não diminuiu e fui obrigada a segurar seu braço inteiro. Se eu caísse, ia levar ele junto. Passamos a madrugada inteira no lago. Depois de um tempo já não estava mais apavorada com a idéia de bater a cabeça no gelo e abrir um buraco nela e já conseguia patinar mais rápido que uma tartaruga sem precisar me agarrar nele. Ainda estava longe de poder entrar para um time de hóquei, mas melhorei bastante.
Nem vimos a hora passar e só percebi que a madrugada havia ido embora quando vimos o sol nascer. Naquela altura eu já estava exausta e aproveitamos que o salão principal ainda estava vazio para tomar café da manhã. Perto das 8h eu me rendi, não agüentava mais, e ele não tentou me impedir de voltar pra Atena. Despedimos-nos e cada um foi pra um lado. Mesmo sem ter planejado, aquele tinha sido sem duvidas o Valentine’s Day mais divertido que já tive.