A última semana de aula antes das férias em Durmstrang era
sempre livre. As aulas terminavam na penúltima semana e gastávamos os últimos
dias aproveitando o tempo razoavelmente quente que começava a dar as caras, mas
esse ano era diferente. Quando o verão terminasse, não voltaríamos a ver a
nossa tão amada geleira. Era, literalmente, a última semana em Durmstrang.
Pela primeira vez desde que entrei para o Instituto o lago
não estava congelado e a grande maioria dos alunos estava aproveitando o dia
ensolarado – algo tão raro por aqui – para nadar. Leo tinha acabado de sair da
república com Mitchell desfilando com um biquinho e eu terminava de me arrumar
para encontrar Ozzy quando minha coruja entrou pela janela cuspindo um envelope
na minha cabeça. Tess odiava o calor, certamente estava mal humorada. Reconheci
o brasão da Academia de Auror no selo e abri com tanta pressa que quase rasguei
a carta, mas a euforia de saber se havia ou não sido aceita no programa se esvaiu
quando li o conteúdo. Eu havia sido aceita, mas não pela academia búlgara e sim
pela francesa. Uma vaga me esperava em Paris e deveria me apresentar no dia 1º
de setembro.
Paris. Eu mataria por uma oportunidade de me mudar para a
capital francesa no passado, mas agora? Não sentia a menor vontade de deixar a
Bulgária se isso significava ficar longe de Ozzy.
Merlin, Ozzy. Como ia contar a ele que ia embora? A batida
na porta me tirou do transe e o próprio entrou. Tinha um sorriso maroto no
rosto que só tornava tudo ainda mais difícil.
- Não troquei de roupa ainda – disse quando ele me abraçou e
beijou meu pescoço.
- Não faz mal, tenho outros planos para o nosso dia – disse
animado e o tom de sua voz gritava encrenca.
- Oz, preciso conversar com você sobre uma coisa.
- É caso de vida ou morte? – neguei com a cabeça e ele me
beijou – Então pode esperar. Quero sua ajuda para pregarmos uma última peça na
escola.
- O que? – disse me soltando do abraço – Não, nem pensar.
Nem comece!
- Ah Parv, qual é! Vai ser divertido!
- Não, nada disso. Jurei a minha mãe que ia me comportar
esse ano.
- Você também jurou que ia me odiar até morrer e adivinha
só? Você me ama e nunca vai morrer.
- Não! Sai de perto de mim, não quero confusão.
- Ultima peça, última peça, última peça – ele voltou a me
agarrar e sussurrava as palavras – Última peça, última peça...
- Droga, eu odeio você! O que tem em mente?
Ele abriu um sorriso no melhor estilo Grinch e estendeu a
mão para que o acompanhasse. E eu acordei pensando que ia apenas nadar no lago.
°°°°°°°°°°
Foi um dia produtivo. Começamos colocando corante no poço de
onde saia toda a água utilizada dentro dos limites do castelo. Todas as
torneiras e chuveiros passaram o resto do dia expelindo água vermelho sangue.
Gerou certo pânico no inicio, mas não demorou muito para que um dos professores
percebesse que era uma pegadinha de algum formando e os ânimos acalmaram, mas a
água continuou vermelha. Depois despejamos uma caixa inteira de sabão em pó na
fonte que ficava no pátio do castelo. Era tanta espuma que em questão de
segundos ela começou a se espalhar como um monstro de filme de terror trash. E
por último, com outra caixa de sabão em pó e envolvendo apenas os formandos que
não corriam mais risco de serem expulsos e já estavam de roupa de banho no
lago, transformamos o corredor principal do castelo em uma enorme pista de
escorregar. Os professores bem que tentaram, mas foi difícil conter mais de 30
alunos deslizando pelo tapete de borracha estendido no corredor cheio de
espuma. Em determinado momento alguém apareceu com um rádio e a brincadeira
virou uma festa.
Escorregamos um pouco também, mas abandonamos a diversão
porque insistia que precisávamos conversar. Ozzy ainda tinha uma caixa com
quase 200 grilos que pretendia soltar no dia seguinte na hora do café da manhã,
mas não podia esperar mais para contar. Puxei-o até o pátio, que ainda estava
tomado de espuma, e sentamos em um dos bancos no meio delas.
- O que houve? Ficou séria de repente.
- Recebi minha carta da Academia de Auror pouco antes de
você me buscar na Atena.
- E então? Não conseguiu a vaga? – perguntou alarmado vendo
minha expressão desanimada.
- Consegui, mas não aqui. A vaga é em Paris.
- O que? Mas isso é muito longe! – disse levantando do banco
– Você vai?
- Não sei, não pensei ainda, você chegou logo e começamos a
fazer as brincadeiras. Não pensei que tivesse que decidir, achei que estudaria
aqui.
- Se você for, como vamos continuar juntos? – abaixei a
cabeça sem responder e ele soltou minha mão – Acho que já respondeu.
Ozzy saiu andando pelo gramado e fiquei sozinha no pátio
cercada de espuma.
°°°°°°°°°°
- Você só pode estudar se for em Paris ? – Leo perguntou
depois que contei tudo a ela e Robbie na republica e assenti.
- E você vai? – Robbie completou.
- Não sei o que fazer. Não quero terminar com ele.
- Mas você também não pode simplesmente decidir não ser mais
uma auror porque seu namorado vai estudar em outro país – Robbie disse de um
jeito estranho e olhamos para ele – Recebi uma carta de Juilliard hoje. Fui
aceito.
- Robbie, isso é incrível! – Leo se atirou em cima dele e
também sorri, embora ainda estivesse triste.
- É, maravilhoso. Mas também passei na seleção para ser
colunista do Evening Prophet. Se escolher ele, fico na Bulgária e continuo com
Alec. Se optar por Juilliard...
- Juilliard sempre foi seu sonho, você precisa ir – disse
espantada por ele estar considerando não ir.
- E quanto a você?
- Ser auror nunca foi meu sonho. Escolhi porque gosto da
carreira, mas nunca sonhei com isso.
- Posso entrar? – Ozzy bateu na porta aberta. Parecia
abatido, mas sorriu para mim – Pode vir comigo?
Olhei para Leo e Robbie, mas eles me incentivaram a ir com o
olhar e levantei da cama, segurando sua mão. Ozzy não disse nada até que
estivéssemos diante do lago, agora já vazio com a noite começando a cair.
- Desculpe por sair daquele jeito. Fiquei chateado, mas não
pensei que você estava pior.
- Eu não quero ir se isso significa ficar longe de você. Não
preciso ser auror, posso tentar um estágio no Sunday Prophet, já fui editora do
jornal.
- Não, você precisa ir. Batalhou o ano inteiro no curso e
escolheu a carreira, não é justo ficar por minha causa.
- Mas eu quero ficar com você.
- Eu também quero ficar com você, mas não quero que olhe
para mim no futuro e sempre lembre que não seguiu a carreira que escolheu por
minha causa.
- Ozzy...
- Foi bem aqui a primeira vez que a vi, sabia? – ele falou
olhando para o lago – Tínhamos acabado de sair do jantar de boas vindas e
estava considerando patinar com Lucian quando você passou com Jack e Julie.
Lembro dele dizer que você era bonita e eu disse “um dia vou casar com ela” –
ele olhou pra mim e dei um sorriso fraco – Foi aqui também que percebi que
estava apaixonado por você de verdade, pouco antes daquelas férias de verão. Você
estava com Leo e Robbie bem ali naquela árvore e eu não conseguia me concentrar
no treino porque não tirava os olhos de você.
- Foi aqui também que tivemos nossa primeira discussão,
depois do verão – disse rindo.
- E que discussão! – ele riu também – Aqui também passamos
nosso primeiro dia dos namorados juntos, embora você ainda estivesse com Lukas.
- Claramente esse lago é importante.
- Sim, por isso a trouxe aqui, porque vou lhe fazer uma
promessa. Quando o verão acabar, nós vamos seguir nossos caminhos separados.
Vou ficar na Bulgária e você vai para Paris. Não sei dizer o que vai acontecer
nesses três anos que vamos ficar longe um do outro, quais decisões vamos tomar
e se elas vão nos levar ainda mais para longe um do outro, mas uma coisa eu
posso dizer: eu vou encontrar você outra vez – não queria, mas comecei a chorar
e ele segurou meu rosto – Não interessa se você vai seguir em frente e se casar
com um bonitão francês, eu vou achar você onde estiver e roubar você de volta.
Fiz uma vez e vou fazer de novo.
- Eu te amo, seu bocó – consegui rir um pouco, embora ainda
chorasse – Não vou me casar com nenhum francês.
- Mas você pode, só não vai durar porque você sempre vai
voltar para os meus braços – ele me puxou para mais perto e me beijou – Também
te amo demais.
- Fim do verão, então? – disse o abraçando e enterrando o
rosto em seu pescoço. Ele me apertou com força, como se não quisesse mais
soltar.
- Fim do verão. Temos dois meses até lá, vamos fazer valer.
- É bom mesmo você me achar, nem que leve mais do que três
anos.
- Eu vou. É uma promessa.
Continuamos abraçados por muito tempo, ninguém queria soltar
primeiro. Eu sabia que promessas de que não perder contato nunca eram
cumpridas, mas de alguma forma eu sabia que aquela era diferente. Podia ser a
vontade de acreditar que aquele não era o fim definitivo, mas no fundo eu sabia
que, independente do que acontecesse, íamos nos encontrar outra vez.
Lucian P. Valesti · 621 weeks ago
Leonora Ivashkov · 620 weeks ago