Saturday, June 20, 2009

Lembranças de Mag Neitchez

Junho de 1978

- Accolon me contou que a viu perambulando com Lucan pelo castelo, Maggie. Já pedi para que se afastasse dessa família, não pedi? – papai começou a conversa em um tom definitivo e sua expressão era rígida.
- JOSEF te contou que me viu com LEVÍ. É isso? – perguntei delicadamente, mas ele não se alterou. - Bem, ele é meu amigo, – e só isso por enquanto – papai. E Valéria também, a irmã dele; é minha melhor amiga. Não vejo mal em estar com eles...
- São traidores e amigos de bruxos de caráter duvidoso.
- São boas pessoas. E eu sei por que você não gosta deles. Leví me contou. O pai dele e ele estão enfrentando posições que você e Josef andam tomando na sociedade, não é?
- Lancelot e Lucan são umas vergonhas para a “Reis e Sombras” e estão se tornando problemas para todos nós. De qualquer maneira, você não deveria saber tanto sobre este assunto que não te cabe.
- Como não cabe se meu pai é o líder? – a pergunta saiu antes que pudesse segurá-la. Papai apertou os dois punhos em cima da mesa e me encolhi.
- Quem faz perguntas aqui sou eu e vou dizer pela última vez: se afaste dos Neitchez. Não ouse me desobedecer mais uma vez, Margareth. Se afaste deles por conta própria e não me obrigue a fazer isso por você. – o olhar dele estava frio e me fez tremer.

Ainda encolhida na cadeira, concordei com a cabeça. Meu pai não estava brincando e, tampouco, me daria mais tempo. Só tinha uma pessoa para quem podia pedir ajuda.

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- Foi você quem contou à professora Zagreb sobre a Sociedade, não foi? – Josef apertava meu braço com força enquanto me arrastava andando ao seu lado no caminho de volta às Repúblicas. Ele estava tenso.
- Solte meu braço Josef. Está me machucando... – tentei livrar seu aperto, mas estava irredutível. Minha mão começava a ficar dormente.
- Ela agora segue todos os meus passos, como um cão de guarda. Ela não sabe com quem está mexendo. – ele resmungava mais como pensamentos altos e continuava a me manter sob seu aperto. – Como vou cumprir a última tarefa que Uriens me deu se ela não me deixa se quer um minuto sozinho?
- Do que você está falando? O que meu pai te mandou fazer? Solta o meu braço!

Reunindo toda a força que consegui, puxei novamente meu braço de suas mãos e consegui me soltar. Josef pareceu despertar e me encarou com fúria se aproximando vários passos de mim até que estivéssemos só há alguns centímetros e só eu escutasse o que ele dizia em seguida:

- Quer mesmo saber o que seu pai me mandou fazer, Maggie? Talvez você não goste de escutar. – seus olhos estavam tão gelados quanto os do meu pai, mas me mantive firme diante dele. Josef não me intimidava.
- Para você sou Margareth. Meu pai quis forçar nossa amizade, mas sempre te achei um hipócrita e sem personalidade. O que mais você tem que fazer para conquistar de uma vez a confiança do “grande Uriens”?
- Não se trata de confiança mais. Muito menos de amizade. Agora eu só escuto meus próprios interesses e eles me dizem que se eu matar Leví Neitchez, para nós Lucan, vou finalmente assumir como chefe da “Reis e Sombras”. E eu vou matar seu namoradinho se é esse o preço que tenho que pagar.

Suas palavras funcionaram como facas em mim: à medida que ele ia pronunciando-as, várias partes do meu corpo começavam a doer como se tivessem sido atacadas. Senti o chão rodar sob meus pés. Apesar de já desconfiar a algum tempo de que papai não teria escrúpulos para se manter no poder – mesmo que isso significasse passar por cima de todos aqueles que fossem contra ele – ter a confirmação de que ele estava usando Josef (que também não tinha limite algum) para atingir os Neitchez, saber que ele tentaria matar Leví, fez com que alguma coisa despencasse ácida no meu estômago.

- É bom que você tenha escutado e entendido bem o que te disse Margareth, e avise logo a Zagreb que não tenho medo dela. Ela não tem provas contra mim e não vou dar nenhuma. Vai ser rápido e fatal e eles nunca vão conseguir me culpar por nada. E não seja tola de mencionar essa nossa “conversa” com alguém, nem mesmo com seu pai, ou minha lealdade para com ele também pode se acabar.

Ele me encarou uma última vez e minha firmeza se foi. Josef não era tão sem personalidade quanto eu tinha julgado e ele também não estava brincando quando dizia que abandonaria até mesmo meu pai se este começasse a ser um empecilho para seus objetivos.

- Não faça nada que vá se arrepender depois, Josef. – tentei não vacilar enquanto falava a única coisa que me veio à cabeça e ele riu ironicamente.
- Só me arrependo das coisas que deixei de fazer, “Mag”, por isso... Fique na sua.

Acompanhei ele se distanciar e engoli em seco.

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- Seu pai foi afastado da Sociedade, Maggie. Foi o máximo que consegui fazer nesse caso. O professor Vuzharov conversou com os Neitchez sobre as intenções de Teodoro e Josef e conseguiu liderar um grupo com outros membros da sociedade para bani-lo. Josef, como ele mesmo previu, permanece impune. Teodoro tinha outras ações para ser culpado, - por ter idéias semelhantes à Grindewald, e já ter colocado algumas delas em prática quando ainda estava em exercício de líder - mas Josef ainda está liso e, por isso, não há nada que eu possa fazer. Mas te garanto que Leví está seguro: nada pode acontecer aos Neitchez sem que desconfiem dos dois a partir de agora. E eu vou continuar na cola do Parvanov. Mas Teodoro não está feliz com o que aconteceu e eu tenho medo do que ele pode tentar contra você agora que ele descobriu que foi você quem me contou. Eu posso te esconder por algum tempo, mas...
- Não, professora. A senhora já fez mais do que deveria por mim. Vou fazer o que já deveria ter feito desde que mamãe morreu (e a única coisa que pode me dar uma chance de ter uma vida mais tranqüila e feliz): vou fugir de casa. Teodoro Schneider não é mais meu pai.
- E vai para onde? Tem alguma idéia?
- Vou morar com os Neitchez.


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Por Victor Neitchez

Maio de 2000

Quando mamãe parou de falar, todos nós ficamos em silêncio nos encarando. Papai parecia o único tranqüilo perante toda aquela situação, e segurava a mão de mamãe com força em cima da mesa. Depois de vários minutos, Karl pareceu decidir que estava na hora de interromper o clima:

- Então... Nosso avô... Quero dizer, Teodoro, tentou te matar, papai?
- Ele não chegou a agir. Graças à Maggie e à Morgana Zagreb, não teve tempo. Morgana conseguiu convencer o diretor da época – que também era da sociedade – que as idéias de Teodoro fugiam completamente da ordem. Expulsaram-no mesmo antes que ele ou Josef pudessem materializar o plano.
- E Josef conseguiu assumir como líder? – Christine perguntou com a voz um pouco falha. Mamãe se mexeu desconfortável na cadeira e me deu uma olhada de relance antes de concordar com a cabeça.
- Sim. Apesar de todas as suspeitas, “ele estava liso”. E Teodoro ficou na frente da Sociedade por muitos anos... Tempo suficiente para plantar ali dentro admiradores de todas as espécies. Por mais que a maioria dos membros tenha decidido afastá-lo do poder (para protegerem o sigilo da Sociedade), sua fama continuou quase que intacta. Quando ele saiu, deixou subentendido que gostaria de ver Josef como seu sucessor e, novamente, foi a maioria quem escolheu.
- E claro que eu e papai abandonamos a sociedade assim que Josef tomou posse. Ele não tentaria mais nada contra nós – e nem tinha mais necessidade – mas nos recusamos a continuar. Desde então, mais nenhum Neitchez foi chamado para entrar. E vocês – papai apontou para mim e Karl – por causa de Teodoro, logicamente.
- Você saiu de casa e foi morar com vovô e vovó, certo? Teodoro nunca mais te procurou mamãe? Ele soube que você estava com os Neitchez, não soube? – Charlotte perguntou franzindo a testa.
- Sim, ele soube no mesmo dia... Na verdade, foi um conjunto: eu fugi de casa e ele me expulsou. Estava com ódio por eu ter contado à Morgana sobre a Sociedade e por ter sido afastado dela. Além disso, ele nunca foi o que podemos considerar como “pai de família”. Ele soube que ia morar com os Neitchez, mas nunca mais nos procurou.
- Você também não? Mesmo depois de tanto tempo? – Gabrielle parecia prestes a explodir enquanto tentava acompanhar com todos nós tudo o que era falado.
- Eu tentei... Uma vez. Nas vésperas do meu casamento com o pai de vocês. Eu achei que já estava na hora de deixarmos tudo para trás e superar, mas, aparentemente, ele precisava de um tempo mais longo. Quando soube que ia me casar com “Lucan” então... bem... Decidi que nós estávamos vivendo melhor um longe do outro e desisti de vez. Ele faleceu há dois anos, no meio de um duelo entre Comensais e Aurores. Óbvio que era um dos Comensais. Só fiquei sabendo por que Johnny foi um dos aurores e, conhecendo toda a história, me comunicou.

Perante todo aquele novo repertório de informações, caímos em silêncio novamente. Dessa vez, mamãe não prolongou muito antes de quebrá-lo.

- Escutem, todos vocês: só resolvi que contar tudo isso era a melhor solução porque Victor já havia descoberto sozinho e acidentalmente praticamente toda a história (e esteve deveras envolvido nela), mas quero que saibam que, para mim, não faz mais a menor diferença. Os avôs de vocês me receberam como uma filha e junto com seu pai e seus tios, eu soube o que era ter uma família de verdade. Eu não me arrependo de nada do que fiz e não quero que essa história seja motivo para vocês ficarem remoendo más lembranças de um passado que eu já enterrei há muito tempo. Eu sou muito feliz, não tenham dúvidas. Se fugi do assunto mais de uma vez, foi porque tive medo das reações de vocês – e ainda tenho. Então... podemos fazer um trato? Agora que vocês já sabem, podemos todos esquecer novamente? Por favor?!

Mamãe tinha um tom suplicante na voz e nos encaramos. Papai sorria para ela dando forças e ela retribuiu esperando que reagíssemos à proposta. Christine foi a primeira a sorrir também e estender-lhe a mão.

- Mamãe está certa: é uma história triste e pesada, mas é passado. Não há nada que possamos fazer para mudar isso e nem sei se iria querer fazer também, se tivesse chance. Não vejo como melhorar nada em nós.
- É esse o espírito, Chris. – Karl uniu sua mão com a dos três, sorrindo abertamente.
- Bem... é claro que podem contar comigo. – Charlotte sacudiu os ombros e respondeu abrindo um sorriso discreto enquanto também empilhava sua mão com as demais.
- E comigo! – Gabrielle saltou abraçando mamãe e batendo as duas mãos em cima do monte. Todos agora me olhavam, ansiosos.

Ali estavam as pessoas mais importantes da minha vida, unidas e felizes como sempre tinham sido. Se família não significasse isso, então o que mais poderia ser? Sorrindo com sinceridade, pousei minha mão no topo de todas e mamãe deixou escapar uma lágrima enquanto todos nós nos empilhávamos para abraçá-la de uma só vez. O que passou, passou. “Presente” não tinha esse nome por acaso, afinal.

It doesn’t mean much; it doesn’t mean anything at all
The life I’ve left behind me is a cold room
I’ve crossed the last line from where I can’t return
Where every step I took in faith betrayed me
And let me from my home

And sweet, sweet surrender
Is all that I have to give.

Sarah McLachlan – Sweet Surrender

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