Wednesday, January 11, 2012

Uma boa noite de sono não foi exatamente o que eu tive depois que minha mãe deixou meu quarto. Estava me sentindo péssima por ter beijado Ozzy e demorei a cair no sono. Quando finalmente adormeci, sonhei com a cena e acordei outra vez. Daí em diante não voltei a dormir. Sempre que fechava os olhos via o beijo em minha mente e começava a chorar. Quando mamãe entrou no meu quarto na manhã seguinte minha aparência devia estar horrível, porque o sorriso sumiu de seu rosto e ela correu até a minha cama, espalmando a mão na minha testa com uma expressão preocupada.

- Ai querida, você está ardendo em febre. Conseguiu dormir essa noite? – ela passou a mão no meu rosto, estava suado. Eu neguei – Bom, você não vai a lugar algum assim, então tente dormir um pouco agora enquanto chamo seu pai e trago um remédio. Vou mandar um recado ao Igor pela Julie. Você vai ficar aqui até melhorar.

Mamãe saiu do quarto e voltou minutos depois com meu pai e um copo d’água, com um comprimido na mão. Ele confirmou que minha febre era alta e mamãe me empurrou o remédio. Quando eles saíram do quarto, fechei os olhos e apaguei no mesmo instante.

ºººººº

A febre não foi embora pelo resto do dia e os planos de voltar a Durmstrang no trem com meus amigos foram por água abaixo. E honestamente, eu estava um pouco aliviada. Não fazia idéia de como seria encarar Ozzy outra vez e teria muito pouco tempo para descobrir se voltasse pra escola com eles. Só acordei outra vez no final do domingo, e como ainda estava com febre, mamãe me deu outro remédio e voltei a dormir.

Segunda-feira não foi muito diferente. Ainda com febre alta quando acordei, a perspectiva de sair da cama não era muito animadora. Mason havia voltado pra escola e só estaria de volta em casa depois das 17h, então passei boa parte do dia sozinha. O que foi péssimo, porque me deu muito tempo para pensar. E tudo que eu conseguia pensar era no maldito beijo e aquilo estava me deixando louca. Estava com raiva de mim mesma por ter feito isso com Lukas, logo depois dele ter ido embora. Sei que fiz isso muitas vezes no passado, mas não queria mais ser aquela pessoa. Eu achava que tinha mudado, mas agora não estava mais tão certa disso.

Mamãe voltou de seus compromissos no final da tarde e foi direto ver como eu estava. A febre tinha diminuído, mas ainda não tinha ido embora por completo. Ainda sentia meu corpo mole e frio e calor ao mesmo tempo, mas se tinha diminuído, então talvez eu pudesse sair da cama no dia seguinte. Ela me fez beber uma poção que papai tinha deixado preparada e sentou do meu lado na cama, me acolhendo no colo. Era tão bom ficar assim que quase desejei que a febre não fosse mais embora.

- Acho que já vai estar boa pra voltar à escola amanhã – disse enquanto alisava meu cabelo. Se não tivesse passado boa parte do dia dormindo, já teria apagado.
- Espero que sim. Já perdi um monte de aula importante hoje, não posso perder mais um dia inteiro – era verdade, não queria nem ver a quantidade de matéria de Poções e Transfiguração eu tinha perdido – Essa febre sem sentido não veio em boa hora.
- Talvez não tenha sido tão sem sentido assim – olhei pra ela sem entender e ela fez aquela cara que as mães fazem que você se sente um ignorante – Acredito que sua febre tenha sido emocional.
- Como assim emocional?
- Eu reparei em como as coisas estão diferentes entre você e Lukas. Vejo o modo como ele olha pra você, mas não vejo o mesmo olhar em você pra ele. Alguma coisa mudou.
- Não tem nada diferente, mãe. Eu gosto do Lukas.
- Mas você não o ama, essa é a diferença no relacionamento de vocês. Você pode nunca tê-lo amado, mas nunca foi indiferente. Você está mais distante dele e não está conseguindo disfarçar. Seu olhar perdido lhe entrega.
- Aconteceram tantas coisas depois do acidente, minha cabeça não está mais focada no meu namoro com ele.
- Existe outra pessoa?
- O que? Não! – disse na defensiva e ela se assustou um pouco – Não estou traindo o Lukas.
- Não disse que estava o traindo, perguntei apenas se você se interessou por outra pessoa.
- Não tem ninguém.
- Sua febre é culpa. E negue o quanto quiser, mas alguém despertou sua atenção e não está sabendo lidar com isso. Se não ama o Lukas, não pode se sentir culpada por isso, mas precisa terminar com ele antes de se envolver com outra pessoa.
- Minha cabeça está pesada – não era mentira, estava mesmo começando a me sentir tonta.
- Vou deixá-la descansar e refletir um pouco – ela levantou da cama e beijou minha testa – Lembre-se, não tem nada com que se sentir culpada.

Mamãe saiu do quarto e fechou a porta, me deixando outra vez sozinha. Eram tantos pensamentos passando pela minha cabeça que em um instante ela já estava latejando. Sem vontade alguma de pensar no assunto, peguei o resto da poção do sono que meu pai havia deixado e tomei, adormecendo em seguida. Podia lidar com isso amanhã.

ºººººº

- Você já está ótima, pode voltar pra escola.

Papai “me deu alta” na manhã de terça-feira. Mamãe queria a todo custo me acompanhar de volta a Durmstrang, mas consegui convencê-la de que eu estava realmente bem e podia pegar a chave de portal sozinha. Cheguei à escola depois das 10h, o que significava que já tinha perdido metade da aula de DCAT e o professor não ia me deixar entrar, então fui direto pra república desfazer a mochila e aproveitar um raro momento de silêncio nela. Quando as aulas terminaram para o intervalo do almoço fui para o castelo procurar Robbie e Leo. Encontrei os dois a caminho do salão principal.

- Ah, quem é vivo sempre aparece! – Robbie me abraçou – Está melhor?
- Sim, a febre já passou. Estou de volta.
- Ótimo, porque estávamos aqui loucos pra saber das novidades! – Leo disse animada e ela e Robbie trocaram um olhar ansioso.
- Que novidades?
- Você não tem nada pra nos contar? – Robbie perguntou e neguei – Não acredito que não pretendia nos contar que beijou o Ozzy!
- Fala baixo! – tapei a boca dele desesperada e eles me arrastaram pra fora do transito de alunos – Como vocês sabem disso?
- Todo mundo sabe – Leo riu – Vocês estavam no meio da pista de dança, as pessoas tem olhos, sabe?
- Nem todos viram, mas isso meio que foi o assunto do resto do casamento depois que você foi embora – Robbie completou e devo ter feito uma cara de pânico, porque ele se apressou em explicar – Ozzy não estava na roda de fofoca, não vimos muito ele depois também.
- O que aconteceu?
- Não sei. Só... Aconteceu.
- Vocês já conversaram?
- Não, mas podem tirar esses sorrisos do rosto, isso não vai acontecer outra vez.
- Claro, porque pelo que lembro, não ia acontecer nunca, não é? – Robbie debochou.
- Estou falando sério, não vou mais fazer isso com o Lukas, ele não merece. E por favor, esse assunto morre aqui. Estou tentando esquecer que isso aconteceu e com vocês me lembrando o tempo todo vai ser difícil.
- Ok, não vamos mais falar disso, mas só uma última pergunta, pode? – Leo fez uma cara de pidona e revirei os olhos, mas concordei – Foi bom?
- Você só pode estar de brincadeira.
- Não, estou falando sério. O que foi? Nunca teve medo de responder essa pergunta. Ficou balançada? – ela perguntou debochada e os dois me encararam me desafiando a negar.
- Não, não fiquei balançada – respondi irritada – E foi bom sim, mas não vai acontecer outra vez.
- Quer aumentar a aposta? – Robbie estendeu a mão a Leo, que apertou na mesma hora.
- Manda ver. 20 galeões que não passa do mês que vem.

Deixei os dois rindo no meio do corredor e voltei pra república, sem a mínima vontade de comer. Minha fome tinha evaporado, assim como a vontade de assistir ao resto das aulas do dia.

ºººººº

Passei o resto do tempo de aula escondida na república, mas não podia ficar lá pra sempre. Na verdade, precisava sair naquela mesma tarde. O psicólogo havia remarcado a sessão da semana para aquele dia, às 17h, e se eu faltasse seria pior. Então às 16:40 sai do quarto e caminhei lentamente até a sala de duelos.

Ozzy já estava em pé do lado de fora esperando dar a hora de entrar. Quando me viu desencostou da parede e fez menção de ir ao meu encontro, mas desistiu e esperou que eu me aproximasse. Foram longos segundos em silêncio, que pareceram horas, até que ele quebrou o silêncio.

- Está melhor? Julie disse que estava doente.
- Sim, obrigada. Foi só uma febre.
- Está usando a pulseira – disse olhando para o meu pulso.
- Disse que ia usar, gostei do presente.
- Achei que não ia mais usar, sabe, depois que a gente...
- Ozzy, será que tem alguma chance de deixarmos isso pra lá? O que aconteceu foi um erro.
- Sim! – ele parecia aliviado – Não sabia como falar isso com você, mas, por favor, vamos esquecer isso. Aquilo não devia ter acontecido.
- Exatamente. Foi só um beijo, nada demais, não vamos fazer tempestade em um copo d’água. Não quero abrir essa porta outra vez.
- Nem eu. Vamos esquecer então?
- Já nem lembro mais.

A porta da sala se abriu em seguida e duas meninas do curso saíram. Elas nos cumprimentaram rápido e sumiram no corredor. A voz do Dr. Pace nos mandou entrar e nos acomodamos no sofá de sempre, de frente pra ele.

- Desculpem ter remarcado a sessão, mas preciso estar em outro lugar na quinta-feira.
- Não tem problema, não faz muita diferença o dia da semana – Ozzy respondeu e assenti.
- Então, como foram as festas de fim de ano?
- Foi legal, minha família estava toda na minha casa – ele começou a falar animado – Tenho uma família muito grande, então foram dias tumultuados, mas divertidos.
- E você, Parvati? Como foi a comemoração na sua casa?
- Normal, como todo ano. Nos reunimos na casa da minha avó pro Natal e o ano novo, só a família.
- Vocês se encontraram durante o recesso?
- Sim, ela foi até a minha casa pra trocarmos presentes. Ganhei uma camisa do Vancouver Cannucks autografada por todos os jogadores, o namorado dela é do time.
- Pela sua empolgação, foi um excelente presente – ele riu – E o que deu a ela?
- Isso – mostrei a pulseira a ele. Ele olhou com atenção, mas não fez nenhum comentário sobre o símbolo.
- Muito bonita. Alguma coisa de diferente que tenham feito e queiram compartilhar?
- Minha irmã casou no sábado, todos os nossos amigos foram – ele disse olhando pra mim e confirmei – Foi bem legal, fui padrinho dela.
- Adoro festas de casamento, sempre saio com muitas histórias pra contar. Alguma que queiram dividir?
- Não, nenhuma – só foi preciso um olhar pra concordarmos que ele não ia saber sobre o beijo – Só as coisas de sempre.
- Lenneth pegou o buquê, você já tinha ido embora – Ozzy falou me olhando – Foi um momento embaraçoso na mesa, todo mundo olhando pra ela e pro Lucian, mas depois todo mundo acabou rindo.
- Preciso me lembrar de mexer com ela – disse rindo, imaginando a cena.

A conversa seguiu morna até o fim da sessão. Ele puxava os assuntos e respondíamos apenas o que não ia nos comprometer. Isso acontecia desde o primeiro encontro e desconfiava que ele soubesse que não estávamos sendo sinceros, mas a confirmação só veio no final daquela sessão.

- Na semana que vem vamos experimentar algo diferente – ele falou antes de levantarmos, fazendo anotações – Vamos ter dois dias se sessão. Parvati, você virá na terça às 17h e Oscar às 18h. Quero conversar com vocês separados e depois, na quinta, teremos a sessão normal com os dois juntos.
- Por que isso? – perguntei desconfiada.
- Quero ouvi-los separado, quem sabe fazê-los falar algo que não querem estando juntos. Vai ser só dessa vez. Estão liberados, podem sair.

Saímos da sala preocupados. O que ele pretendia arrancar de nós, nos separando? O que quer que fosse, não ia conseguir. Íamos combinar histórias que ele possivelmente ia perguntar e evitar contradições. Tudo que eu não precisava era dar ao Dr. Pace mais motivos para estender as sessões.