Ela estava com os braços abertos e a cabeça jogada para trás, girando conforme a musica. O teto decorado rodava depressa à medida que ela ia intensificando seus movimentos. Luzes piscavam em sincronia e impossibilitavam uma visão clara das pessoas ao seu redor. O copo que segurava em uma das mãos, e o cigarro na outra, não pareciam atrapalhar. Tudo que ela queria naquele momento era que aquela sensação de liberdade, sensação de leveza, durasse para sempre...
Evie abriu os olhos e a claridade do quarto a fez fechá-los novamente. Ela ficou deitada na mesma posição, sem abrir os olhos, tentando se lembrar dos fatos. Sua cabeça estava a ponto de explodir e cada músculo de seu corpo doía. Ela não sabia onde estava, e nem como havia chegado lá, quando fragmentos da noite anterior vieram à sua memória. Um pub Irlandês cheio. Alguma coisa chamada música punk-rock. Uma bebida forte, colorida e esfumaçada. Cigarros. Flashes. Mais bebidas coloridas. Claro, como não poderia se recordar: ela havia saído para uma de suas famosas noitadas com seu irmão.
Um ronco alto a despertou do transe e ela se forçou a abrir os olhos. Sem movimentar a cabeça, olhou ao redor e constatou que estava em seu quarto, no apartamento de Sofia. Ela olhou para a cama ao pé da sua e encontrou seu irmão dormindo embolado em um lençol, a roupa que ele usara no jantar ainda em seu corpo.
Evie sentou com dificuldade, seu corpo ainda doía, e empurrou Max com o pé. O garoto abriu os e a encarou como se não a reconhecesse por um momento, então afundou o rosto no travesseiro, deixando escapar um resmungo.
‘O que está fazendo no meu quarto?’ ela perguntou com a voz rouca que denunciava a ressaca
‘Acho que a pergunta certa é: como viemos parar aqui?’ Max tirou o rosto do travesseiro e deitou com a barriga para cima, cobrindo os olhos com as mãos
‘Espero que não tenha sido o papai que nos trouxe para casa’ sua voz vacilou quando falou
‘Se fosse isso, estaríamos com a marca da mão dele, pode ter certeza’
‘Ah que bom que vocês acordaram!’
Evie e Max olharam assustados quando a porta do quarto abriu, mas suas expressões relaxaram ao verem o rosto de Evelyn aparecer. Ela era sua madrasta, esposa de Josef, seu pai. Mas apesar do posto, Evelyn era ótima com os enteados. De fato, era ela que os livrava na maioria das vezes dos castigos impostos por seu marido. A mulher fechou a porta com cuidado e se aproximou deles, que ainda a observavam calados.
‘Saiam da cama logo, tomem um banho para espantar essas caras de ressaca e sentem-se na mesa para tomar café com o seu pai em 15 minutos. Ele não sabe que vocês saíram ontem e não precisa saber’
‘Foi você que...’ Evie ia perguntar, mas o sorriso de Evelyn lhe respondeu antes que chegasse a completar a sentença
‘Vamos, andem, levantem dessas camas!’
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O café da manha na casa dos Parvanov funcionava quase como um ritual. Josef sentava-se à ponta da mesa e lia seus jornais em silencio, enquanto seu café esfriava; Evelyn sentava na outra ponta e não comia nada além de frutas e suco; Dimitri, o caçula, sentava à direita da mãe e tomava seu leite calado; Evie e Max sentavam à direita do pai e, especialmente hoje, bebiam apenas café com algumas torradas. O elfo da família, Nikko, ficava ao lado da mesa pronto para servir seus mestres, fazendo esforço para não respirar alto demais.
Josef havia terminado o Profeta Diário e folheava as páginas do jornal trouxa de maior circulação da Bulgária quando algo reteve sua atenção. Todos na mesa pararam de comer para observar sua reação. Josef sacudiu o jornal para ler com mais clareza e seu corpo ficava mais rígido conforme seus olhos desciam à página. Ninguém falava nada e observaram quando Josef afastou sua cadeira e levantou, parando atrás da cadeira dos dois filhos. Ainda com o jornal aberto na página que lia, ele o pôs diante dos olhos de ambos. O silencio que caia sobre a cozinha era tão intenso que todos puderam ouvir quando Evie engoliu a torrada de uma vez só. Uma foto ocupando quase 1/3 da página mostrava Max com uma garrafa de uísque na mão dançando com sua irmã, que fumava enquanto segurava uma taça vazia.
‘Qual dos dois vai explicar essa foto?’ Sua voz saiu tão baixa que era quase um sussurro ‘Saiam da mesa, agora’
Josef agarrou os filhos pela roupa e os arrastou para fora da cozinha, derrubando Nikko ao passar. Evelyn se pôs de pé no mesmo instante e correu atrás do marido, mas quando chegou à sala ele batia a porta do quarto dos meninos. Não havia mais nada que ela pudesse fazer. Dimitri saiu da cozinha assustado com Nikko em seus calcanhares e encarou a mãe a procura de uma explicação.
‘Nikko, limpe a bagunça na cozinha, por favor’
‘Ele vai...’ mas Evelyn cortou o filho antes que ele terminasse
‘Vá para o seu quarto, Dimitri. Não saia de lá até segunda ordem’
‘Vamos mestre, obedeça à mestra, é para o seu bem’ Nikko apertava as vestes aflito, vendo que Dimitri não se movia
‘Dimitri, lhe dei uma ordem! Para o quarto, agora!’
O garoto ainda se manteve no mesmo lugar alguns segundos antes de sentir uma pequena mão o puxar pelo braço e percebeu que o elfo ainda estava ao seu lado. Ele abaixou a cabeça e seguiu até seu quarto e ao bater a porta, ouviu o barulho de algo se quebrando no quarto ao lado. Tudo que ele desejou naquele momento foi voltar para Durmstrang o quanto antes.