‘Entrem depressa, deixe-me pegar os casacos. Sua avó está na sala e seu avô já está descendo, se apressem!’
A governanta dos Stanislav abriu a porta apressada e recolheu os grossos casacos dos netos de seu patrão, empurrando-os sem cerimônia para a sala de estar. Andrei Stanislav não tolerava atrasos de seus convidados para o jantar, e em especial de seus netos, de quem ele cobrava disciplina. E disciplina era algo que Evie e Max aprenderam a ter ainda crianças nas férias com seus avôs maternos.
Evangeline Stanislav já estava na sala de estar preparando os drinks quando seus netos entraram ofegantes. Ao contrario de seu marido, que cobraria explicações para uma entrada deselegante como aquela, Evangeline abriu um sorriso e foi receber os netos com um abraço. Era inegável que eles preferiam a avó ao avô.
‘Sentem-se meus amores, seu avô ainda não desceu, não precisam se assustar’ ela voltou ao carrinho de bebidas rindo ‘Querem tomar alguma coisa?’
‘Uma taça de vinho seria ótimo, vovó!’ Max arriscou sorrindo e sua avó sorriu também
‘Conhecem as regras, uma taça apenas’ e lhes entregou as taças
‘Ah, vejo que chegaram na hora hoje’
Max e Evie saltaram do sofá no mesmo instante ao ouvirem a voz grave do avô atrás deles e Max derrubou vinho no tapete. O garoto encarou o avô receoso, mas antes que ele pudesse falar qualquer coisa, sua avó entreviu.
‘Acho que isso é um sinal de que está na hora de se livrar desse velho tapete, Andrei’ ela puxou a varinha do bolso pacientemente e com apenas um aceno a mancha desapareceu ‘Estou sempre derramando algo nele’
Andrei sorriu para a esposa e sentou em sua poltrona habitual, agradecendo o copo de uísque de fogo que ela lhe entregou. Seus netos sentaram outra vez e Max tremia de leve. Se tinha algo que os apavorava ao extremo era fazer algo de errado na presença do avô. Evangeline se retirou do aposento para checar o jantar com os empregados e o silencio dominou o cômodo. Max e Evie não se atreveram a falar antes do avô.
‘Como foram de viagem?’ Andrei finalmente perguntou depois de beber seu uísque
‘Foi tudo tranqüilo, vovô’ vendo que o irmão não ia responder, Evie se pronunciou ‘O trem fez poucas paradas para deixar os alunos, não demorou tanto’
‘Sempre disse a Karkaroff que era errado fazer tantas paradas, isso facilita os ataques. Uma única parada na estação de Sofia é o suficiente, mas aquele homem fugiu e nenhuma providencia foi tomada. Estou dizendo, qualquer dia os alunos sofreram um ataque em uma dessas paradas!’
‘Concordo com o senhor!’ Evie colocou a taça na mesa de centro olhando para o avô ‘E fora que é demorado demais, os alunos ficam cansados e perdemos um dia inteiro para chegar em casa. Se tivéssemos apenas uma parada na estação principal, não seria tão desgastante’
‘Puxa-saco’ Max sussurrou de maneira que só a irmã ouvisse. Evie mostrou a língua para ele
‘Evangeline, queira ter modos, por favor’ Andrei chamou sua atenção
‘Desculpe vovô’ o sorriso no rosto de Evie evaporou e Max reprimiu o a vontade de rir
‘O jantar está servido, Sr. Stanislav. A Sra. Stanislav aguarda na mesa’
Os três levantaram do sofá quando a governanta saiu e se encaminharam para a sala de jantar. Evangeline já os esperava de pé e sentou depois que todos se acomodaram.
Os jantares na casa dos Stanislav eram sempre muito formais. Os netos tinham seus lugares certos à mesa e não poderiam sentar-se em outra cadeira, os empregados serviam os pratos desde a entrada até a sobremesa e ninguém tinha a autorização de se retirar da mesa antes que todos tivessem terminado a refeição, salvo em casos de emergência, com a autorização de Andrei. Deixar a mesa para receber cartas ou atender a porta era inaceitável, uma falta de respeito na opinião dele.
Mas embora formais, os jantares na mansão dos Stanislav não eram silenciosos. Evangeline e os netos conversavam durante toda a refeição, prolongando o tempo dela. Andrei falava pouco, não concordava com o falatório que se transformavam seus jantares de sexta à noite, mas não recriminava a esposa. Ele se limitava a participar da conversa quando o assunto era de seu interesse, como os estudos dos netos e seus planos para depois da formatura. Isso era tudo com que Andrei se preocupava, o futuro de seus netos. Inconformado por não ter conseguido que sua filha Eva seguisse seus passos, e tendo a perdido há 6 anos, Andrei enxergava em seus netos uma segunda chance de alcançar seu objetivo. Ele jamais admitiria, mas aqueles, dentre seus 15 netos, eram os seus prediletos.
Evie odiava aqueles jantares. Desde que sua mãe faleceu, seu avô se tornou um homem amargo e extremamente rígido, mais do que sempre foi. E com seu avô cada vez mais intolerante, o que antes era uma prazerosa refeição em família tornou-se uma obrigação a ser mantida em nome de sua mãe. Evie sabia que podia parar de ir aos jantares, sabia que não tinha de fato a obrigação de comparecer todas as sextas-feiras de suas férias à casa de seus avôs, mas ela não tinha coragem de desistir. Sabia o quanto sua avó ficaria triste por não ter mais a presença dos netos nos jantares e ela não suportaria vê-la assim. E por isso, não deixava seu irmão desistir também. Se ela ia passar pela tortura das sextas-feiras, não seria sozinha.
‘Nossa Mira, sua sobremesa estava divina!’ A governanta sorriu agradecida com o elogio de Evie e se retirou da sala de estar deixando a bandeja com o chá
‘Vocês têm certeza que não querem passar a noite aqui?’ Evangeline perguntou mais uma vez, olhando para os netos
‘Não podemos, vovó’ Max pôs a xícara de chá sobre a mesa e sorriu para ela ‘Papai nos quer de volta ainda hoje’
‘Se é isso que os impede, posso falar com ele agora mesmo’ Andrei ia levantar do sofá e Evie levantou depressa
‘Não vovô, não precisa se incomodar. Ele programou alguma atividade para hoje em família, Dimitri tem andado triste e ele quer animá-lo. Mas nós prometemos passar uma noite aqui antes de voltarmos à Durmstrang’
‘Tudo bem então, se é por Dimitri, podem ir’ a avó levantou do sofá e se despediu dos netos, os acompanhando até a porta
‘Se nos apressarmos, ainda pegamos os Blowfishs tocando no Shenanigan's’ Evie puxou o braço do irmão para conferir as horas em seu relógio assim que sua avó fechou a porta ‘Vamos?’
‘Táxi!’ Um carro parou ao sinal e os dois se acomodaram no banco traseiro, vendo a mansão dos Stanislav desaparecer ao dobraram a esquina. Agora que a noite de sexta-feira ia começar.