Sunday, January 06, 2008

‘Lembra daquele ano que você, Marcella e eu fomos ao desfile do St. Patrick’s Day vestidos de vermelho?’ Vlade perguntou rindo e eu quase cuspi o vinho.

‘Ohhh, se lembro! Todo mundo nos olhando como se fôssemos aberrações!’

‘Bom, e éramos! Em uma multidão verde, três pontinhos vermelhos. Rebeldes sem causa’

‘Ah, era meu aniversário. Gosto de fazer coisas inovadoras no meu aniversário’

Até algumas semanas antes do Natal, eu acharia impossível que uma cena como essa fosse acontecer tão cedo. A verdade, porém, era que eu e Vlade resolvemos passar uma borracha em todas as nossas discussões e agora nos divertíamos vendo antigos álbuns de fotos que ele tinha pegado na nossa casa de Dublin, e relembrando fatos da minha infância. Antes de eu entrar em Durmstrang.

‘Isso eu sei muito bem. Lembra naquele seu aniversário que você fez um balão flutuar com as mãos e aquela sua amiga trouxa, como é mesmo o nome dela (?), saiu correndo para longe de você?’

‘Lembro! Foi o aniversário de 11 anos, por que em setembro daquele ano eu fui para Durmstrang. Acho que o nome dela era Mathilda, ou alguma coisa assim. Não ia muito com a cara dela, de qualquer maneira. Toda cheia de mimos!’

Rimos e continuamos a ver as fotos em silêncio, ou vez ou outra mostrando uma e comentando sobre o momento em que foi tirada. Quando terminamos, Vlade serviu um pouco mais de vinho para cada um de nós e ficamos observando a lareira queimar.

‘Você e o seu namorado, hum... ’ ele começou depois de um tempo e deixou a frase morrer.

‘Terminamos. Aliás, como ele disse: “estamos dando um tempo”’ Completei por ele, me sentindo subitamente triste por me lembrar daquilo, mas não querendo transparecer.

‘Você gosta dele?’

‘Gosto. Muito’

‘Então por que vocês estão separados?’ Ele perguntou, mas continuou olhando as chamas.

‘Por que nenhum de nós ainda desceu do seu próprio orgulho para se desculpar. Ou talvez, ele nem goste mais de mim... ’ Minha garganta travou com aquela possibilidade e Vlade sorriu amarguradamente.

‘Acredito mais na primeira possibilidade’

Shadows fill an empty heart
As love is fading
For all the things that we are,
We are not saying
Can we see beyond the scars
And make it to the dawn?

°°°
No dia de Natal, Vlade me levou até a casa da Milla e passamos o dia lá. No começo, me senti na obrigação de ficar perto dele, mas depois ele e Yuri, o irmão da Milla, começaram a conversar assuntos burocráticos como trabalho, quadribol e notícias, que senti à vontade para ir até o quarto da Milla conversar com ela e Annia, que também estava lá.

No final do dia, me despedi de Vlade e fiquei por lá. Ty havia nos convidado para a festa de casamento da sua mãe, no Reveillon, e iríamos juntas...

°°°
A cerimônia do casamento foi tradicional e muito bonita. Acompanhada inclusive de quilos e quilos de arroz que um grupo de amigos da mãe do Ty lançava em cima deles, quando passavam por nós de mãos dadas, recém-casados. A festa, porém, estava sendo muito diferente do que eu jamais imaginara!

Uma mistura de country e rock estourava por todos os lados. Muitas pessoas sapateavam e pulavam na pista de dança, fazendo trenzinhos e cortando as mesas. Além disso, do outro lado, tinha karaokê e a bebida rolava solta para quem quisesse beber.

Evie e Micah, que não tinham tido um Natal muito feliz, agora se juntavam a outras pessoas e tentavam aprender a coreografia maluca. Não preciso dizer: sem sucesso algum! A coreografia maluca era antes de tudo... descompassada! Quando eles perceberam que não havia ritmo e nem ordem, começaram a sapatear e pular juntos.
Annia e Milla saíram atrás de Ben O’Shea, que hora ou outra passava por nossa mesa acompanhado de um outro cara L.I.N.D.O., rindo. Mais tarde, descobrimos que o outro homem era padrinho do Gabriel.

Falando em Gabriel e companhia, Miyako também estava lá. Ricard e ela estavam dançando, um pouco mais coordenados que Evie e Micah, mas mesmo assim sem qualquer compasso. Eu e ela estávamos nos esforçando a manter a maior distância possível uma da outra, e apesar do fato de Ricard ter me abandonado completamente, descobri que aquilo não me aborrecia mais. Nina e eu estávamos sentadas na mesa rindo e tecendo comentários sobre a festa e as pessoas em geral. Michael Parker até tentou tirá-la para dançar (sob um risada frenética do Chris), mas bastou Nina queimá-lo com os olhos e ele percebeu que não conseguiria.
E Victor... Bom, ele parecia muito bem. Bebia, dançava e conversava com os primos do Ty que ele havia conhecido nas Olimpíadas. Nem se quer olhava na minha direção.

‘Está tudo bem, Vina?’ Nina perguntou quando me surpreendeu encarando Victor, que estava de costas para mim, rindo abertamente. Sacudi a cabeça e desviei logo os olhos para outro lado.

‘Está. Tudo ótimo’ Respondi sorrindo, mas ela não se convenceu. Sabia que não estava nada bem.

Change the colors of the sky
And open up to
The ways you made me feel alive
The ways I loved you
For all the things that never died,
To make it through the night,
Love will find you.

°°°
O céu já adquiria um tom cinza pálido e a festa agora se limitava ao canto do karaokê. Muitos convidados, já bem “felizes” sob efeito do álcool disputavam o microfone e cantavam suas melhores melodias. Evie e Micah, ambos MUITO bêbados, haviam dado uma palinha cantando “The time of my life”, mas tirando eu, Nina, e talvez Michael Parker, todo o restante dos nossos amigos estavam bêbados demais para fotografarem com perfeição a cena.

Annia havia desaparecido. Milla e Iago dançavam ao som das cantorias. Até Nina parecia estar se divertindo, pois algumas primas do Ty se sentaram na nossa mesa, onde tínhamos uma melhor visão do palco improvisado, e conversavam conosco. Estávamos assistindo a mãe e o padrinho de Gabriel cantando “Ebony and Ivory”, quando senti um par de mãos agarrando meu braço. Era Victor.

Não disse nada, mas puxou minha mão e saiu me arrastando para longe. Paramos em um lado da pista de dança, já praticamente deserta, e ele ficou me encarando uns segundos. Eu tinha muitas coisas a dizer, mas estava esperando que ele começasse... Só não esperava o que veio a seguir: sem qualquer precedente, sem dizer uma única palavra, sem nem ao menos nos entendermos, ele me puxou pela cintura e me beijou com tanta vontade que não consegui tomar qualquer tipo de atitude. Senti tudo ao redor ficar silencioso e girar por uns segundos e envolvi meus braços ao redor do seu pescoço, correspondendo. Como disse Ricard uma vez: “vocês mais discutem a relação do que namoram!”, então, por que eu iria estragar aquele momento que eu entendi como nosso “entendimento não-verbal”?

What about now?
What about today?
What if you’re making me all that I was meant to be?
What if our love never went away?
What if it’s lost behind words we could never find?
Baby, before it’s too late,
What about now?

°°°
O dia 1° de janeiro amanheceu com muita ressaca no rancho, e um sol muito, muito quente. Estava sofrendo para sobreviver naquele lugar, mas me sentindo feliz. Eu e Victor não havíamos dito uma única palavra na noite anterior, mas estávamos juntos novamente e isso seria esquecido. Tudo seria apagado de nossas memórias, como se nunca tivéssemos nos “dado um tempo”.

‘Bom dia, Vina’ Ricard se sentou ao meu lado na grande mesa de café da manhã que havia sido providenciada na varanda.

‘Bom dia’ sorri. ‘Viu o Victor? Ainda está dormindo?’

‘Não. Se levantou bem cedo. Acho que foi conhecer os cavalos daqui... Ele estava animado com essa idéia. ’ Ele apanhou um pedaço de bolo enfiando quase todo na boca, depois me encarou levantando a sobrancelha. ‘Por quê? Aconteceu alguma coisa que ainda não estou sabendo?’

‘Várias coisas’ ri e ele começou a mastigar mais depressa. ‘Mas não precisa se desesperar. Antes vou conversar com ele e depois te conto tudo’.

Ele resmungou, mas eu já tinha levantado e me afastado em direção ao pasto. Não foi difícil encontrar Victor. Ele estava montado em um bonito cavalo negro e conversava com um homem que parecia ser peão. Quando me aproximei da cerca sorrindo e acenando para ele, o homem deu um tapinha no cavalo e Victor se aproximou.

The sun is breaking in your eyes
To start a new day
This broken heart can still survive
With a touch of your grace
Shatters fade into the light
I am by your side,
Where love will find you.

‘Bom dia, cowboy’ disse empolgada me levantando um pouco na direção dele e do cavalo. ‘Acho que se Atena soubesse que você está montando em outro cavalo, sentiria ciúmes’.

‘Bom dia, Lavínia’.

Foi a única coisa que ele disse. Em seu pior tom seco e direto. Percebi que alguma coisa estava errada.

‘Aconteceu alguma coisa, Vi?’ perguntei assustada. Ele sacudiu os ombros.

‘Eu que te pergunto! Pensei que estávamos separados’

‘Do que você está falando? E ontem à noite?’

‘O que tem ontem à noite?’

‘O QUE TEM? Você me beijou! Chegou à minha mesa, me puxou e me beijou! Pensei que já estava tudo bem!’

‘Eu... o que?!’ ele sorriu surpreso, mas não escondendo um tom de ironia.

‘Você não se lembra disso?’

‘É claro que não me lembro! Sabe por quê? Por que isso NÃO aconteceu!’

‘Você está querendo dizer que eu estou inventando isso?’

‘Não estou dizendo nada. Mas se a carapuça serviu... ’ ele disse alto e senti meu sangue ferver. ‘Olha, Lavínia. Vamos deixar tudo em panos limpos, ok? A única certeza que eu tenho é a que eu não te beijei ontem. Se você beijou alguém, me confundiu. Se você quer voltar a namorar comigo, por que simplesmente não fala? Você sabe que eu ainda gosto muito de você, mas se está esperando que eu tome a iniciativa dessa vez, está enganada’.

‘Foi VOCÊ quem me beijou!!! Arghhh! Você é um idiota!’

‘Ótimo. Você insiste nessa história! Alguém pode testemunhar?’

‘Mesmo que tivesse. Você está me acusando! Não sei o que vim fazer aqui. Você não me merece!’

Sai pisoteando e bufando de raiva. Estava tudo acabado. Prometi a mim mesma que nunca mais olharia na cara do Victor!

What about now?
What about today?
What if you’re making me all that I was meant to be?
What if our love it never went away?
What if it’s lost behind words we could never find?
Baby, before it’s too late,
What about now?

N.A.: What about now? - Daughtry