Tuesday, June 17, 2008

"Nossa dúvidas são traiçoeiras e nos fazem perder o bem que poderíamos conquistar se não fosse o medo de tentar."

William Shakespeare



Estávamos trancadas no quarto há horas estudando para os exames finais quando alguém bateu na porta. Milla gritou para entrarem e uma menina do 1º ano a abriu, tímida. Ela segurava um livro na mão e deu uma olhada rápida no quarto, parando quando me viu.

‘Pediram para devolver isso a você’ Ela caminhou até minha cama e me entregou. Era o livro de alquimia que tinha emprestado ao Micah

Agradeci e a menina saiu. Notei que algo dentro dele fazia volume e o abri. Uma flor de papel, feito um origami, caiu no meu pé. Apanhei e vi que era uma orquídea, minha flor favorita. E tinha a caligrafia de Micah na borda. “Não aprendi a transmutar, mas um origami consigo fazer. O que vale é a intenção”, li enquanto virava a flor.

‘De quem é, Evie?’ Nina perguntou curiosa e notei que elas me observavam com atenção

‘Ora, de quem é!’ Annia exclamou rindo ‘Lógico que é do Micah!’

‘Ora, ora, já estamos recebendo flores?’ Vina puxou a orquídea de papel da minha mão e leu alto ‘Não é de verdade, mas como ele mesmo disse: o que vale é a intenção. Certo?’

‘Parece que o beijo no final da peça está surtindo efeito’ Milla comentou debochada e elas riram

‘É, acho que sim’ Dei de ombros e guardei a orquídea no livro, voltando a me concentrar na matéria de Literatura

‘Ok, o que houve?’ Milla pôs a mão no meio do meu pergaminho me impedindo de continuar a escrever ‘Por mais que não admita que goste dele, nunca vi você concordar com alguma provocação nossa que diga respeito a você e ele’

‘Pode começar a falar, Evangeline’ Vina botou os cadernos de lado e sentou de frente para mim. Annia e Nina fizeram o mesmo ‘O que está acontecendo?’

Olhei para cada uma delas, com expressões curiosas, e pensei em dizer que não era nada e voltar a estudar. Mas sabia que elas não acreditariam e não iam me deixar em paz até que eu dissesse a verdade, então resolvi pular logo essa parte. O problema era que já sabia qual seria a reação delas diante do que se passava na minha cabeça há meses, e era justamente esse o motivo pelo qual ainda não tinha dito nada. E nem pretendia, para ser bem sincera.

‘Por incrível que pareça, eu não tenho problemas em admitir para mim mesma que gosto do Micah’ Disse sem qualquer animação na voz e elas não me interromperam. Continuei ‘O problema é que não confio nele’

Pronto, havia soltado a “bomba”. Como esperado, Milla, Vina e Annia me olharam como se eu fosse uma aberração e desataram a soltar exclamações indignadas em protesto. Nina foi a única que se manteve quieta, aguardando comigo que o bombardeio de críticas chegasse ao fim.

‘Posso dizer por que não confio nele, ou já saiu a sentença sem que eu tivesse tido direito a defesa?’ Falei azeda e elas pararam de falar

‘Explique então, porque não entendemos como um menino lindo, gentil e que faz todas as suas vontades só pra te agradar não é digno de confiança!’ Milla resmungou

‘Sei que vocês são partidárias dele, mas tenho meus motivos’ As três torceram o nariz, mas não dei tempo para que me interrompessem outra vez ‘Ninguém mais aqui achou estranho que ele e Josh já se conhecessem antes, tivessem toda aquela rixa e o Micah, de todas as escolas do mundo bruxo, ter escolhido justamente Durmstrang para terminar os estudos?’

As três continuaram com as caras descrestes, como se eu estivesse falando em outra língua, mas Nina se mexeu na cama dela, parecendo interessada e de fato prestando atenção ao que eu dizia. Continuei.

‘Bom, pois eu achei suspeito. Desde que as Olimpíadas terminaram isso está martelando na minha cabeça. E Micah muitas vezes me deu motivos para achar que não estou delirando e que ele está sim aqui apenas para atingir Josh de alguma maneira’

‘Mas vocês terminaram durante os jogos’ Vina interrompeu ‘Não acha que se fosse esse o motivo dele estar aqui, já não saberíamos? Quero dizer, o “plano” dele, como você está dizendo, teve sucesso. Ele não precisaria mais mentir, e talvez já tivesse até voltado para a Califórnia’

‘Nós terminamos, mas Josh ainda gosta de mim’ Annia riu e fechei a cara ‘Não Anastácia, não estou sendo presunçosa, ele ainda gosta de mim sim. Tenho uma tonelada de cartas aqui para provar. Não mostrei nenhuma a vocês porque não achei que era algo que valesse a pena, mas desde que ele voltou para a Califórnia, me manda uma carta por semana. Se Micah quiser atingi-lo, ainda consegue provocá-lo através de mim. Ele sabe das cartas, pois comentei inocentemente uma vez, quando ele me viu guardando junto das outras’

Puxei uma caixa pesada de debaixo da cama e a abri, distribuindo as milhares de cartas que Josh havia mandado no decorrer do ano. Era uma mais melosa que a outra, onde em muitas delas ele pedia insistentemente para que eu lhe desse uma segunda chance de fazer as coisas direito. A maioria delas não foi respondida, essas em particular. Deixei que elas lessem algumas antes de continuar.

‘Muitas vezes Micah me deu motivos para desconfiar disso’ Recomecei a falar e minha voz soou cansada e confusa sem intenção ‘Mas já faz algum tempo que não. Na verdade, desde que ele foi vitima daquela covardia do Max e os amigos. Desde aquele dia, tudo que ele diz parece mais sincero, verdadeiro’

‘Então acha que se estava certa em pensar que ele só pediu transferência para Durmstrang atrás de uma maneira de atingir Josh, daquele dia em diante começou a achar que estava errada?’ Milla questionou com a voz mais normal.

‘Não sei. Não sei o que pensar, minha cabeça está dando um nó. Gosto de verdade dele e nos divertimos muito juntos, ele parece me conhecer melhor do que eu mesma. Mas quando estou com ele, não consigo deixar de pensar que tudo isso pode não passar de um teatro. Ao mesmo tempo em que penso que posso estar sendo paranóica e o impedindo de ter uma chance comigo. Não sei o que fazer!’

‘Você já ouviu falar na teoria do gato de Schrödinger?’ Como todas fizemos cara de quem não tinha entendido, Nina explicou ‘É uma experiência mental inventada por Erwin Schrödinger. Ele colocou um gato numa caixa selada, com um dispositivo que contém um núcleo radioativo e um frasco de gás venenoso. Quando o núcleo decai, emite uma partícula que acciona o dispositivo, que parte o frasco e mata o gato’ Continuávamos não entendendo e ela sacudiu as mãos impaciente ‘A questão é que as suas dúvidas em relação Micah nesse momento podem estar tanto certas quanto erradas, assim como para Schrödinger o gato poderia estar tanto vivo quanto morto. Ele só saberia se o veneno tinha matado o gato se abrisse a caixa’

‘Nesse caso, acho que terá que pagar pra ver’ Annia falou como se fosse óbvia toda aquela palestra de Nina e Milla e Vina a apoiaram ‘Dê uma chance a ele, e tire a prova. Certo, Nina?’

‘Não, na verdade não é isso que estou tentando dizer’

‘Pois pra mim foi isso que pareceu’ Vina a cortou antes que retomasse com as explicações ‘Evie, se você não abrir a caixa, não vai saber se o gato está vivo ou morto. Ou seja, se não ficar com Micah de uma vez, não vai saber se está certa ou errada’

‘Ok, esqueçam Schrödinger e o gato! E se ela tiver razão? E se Micah só estiver mesmo interessado em atingir Josh?’ Nina falou apressada, tentando reparar a bagunça ‘Pagar pra ver e sair magoada? Evie já está apaixonada por ele, e ter a confirmação depois de dar um voto de confiança e se entregar só iria piorar as coisas’

‘Mas e se ela estiver errada?’ Milla questionou Nina ‘Vai viver eternamente com essa dúvida?’

Houve um minuto de silêncio onde as quatro me encararam esperando por uma resposta que nunca chegou. Olhava fixamente para o chão, e senti uma lágrima começar a escorrer, mas sequei depressa antes que ela caísse.

‘Não queria contar nada disso a vocês, pois tinha receio de ser chamada de louca. Faltou pouco pra isso. Então por favor, não insistam mais nessa história. Posso não saber o que fazer agora, e nem ter entendido o real sentido da historia do gato do Schrödinger, mas sei que vou descobrir. Só preciso de tempo, ok?’

Elas se encararam por uns segundos e em um acordo silencioso, concordaram com a cabeça. Ninguém disse mais nada, e nem foi preciso. Sabia que por mais que nem todas concordassem comigo, tinham entendido meu lado e não voltariam a insistir. Logo já estávamos de volta aos estudos e o assunto morreu. Puxei a orquídea do livro de alquimia e fiquei encarando-a durante um longo tempo. Queria que ela fosse capaz de me dizer o que fazer, mas sabia que essa era uma decisão que tinha que tomar sozinha.