Lembranças de Lucian P. Valesti
É difícil dizer quem mais sofria, mas acho que Parvati, Julie e Ozzy eram essas pessoas, por razões distintas. Parvati e Ozzy carregavam com eles a idéia de que a culpa da morte era deles e nada que eu dissesse fazia Ozzy mudar de pensamento. Tentava ajudar Parvati também, mas ela voltara ao castelo fechada em um casulo, na forma de fones de ouvidos e casaco que jamais retirava. Julie tentava ser forte, como sempre foi, e eu, Lenneth e Liseria a ajudávamos pessoalmente. Era difícil demais para ela perder o irmão gêmeo e a prima pequena. Ela se abria conosco, mas principalmente com Lenneth e nós a ajudávamos sempre. Acho que ela era a única que sabia que precisava seguir em frente. Os próprios Jack e Alexis iriam querer isso.
Pensando em todos eles eu fiz meu primeiro texto como editor-chefe do Expresso. Escrevi sobre Alexis e Jack, dedicando a primeira edição inteira a eles. Fiquei feliz ao perceber que os alunos queriam isso e recebi muitas palavras de carinho e agradecimento, de várias pessoas. Até mesmo Parvati e Ozzy me agradeceram pelo que escrevi e Julie também.
Aceitar o cargo de Editor-Chefe foi uma honra que eu não esperava receber. Sempre me dediquei ao jornal, mas nunca quis os cargos mais ligados à liderança dele, me contentando em ser apenas jornalistas. Achei que Parvati ou Leonoroa seriam selecionadas para Editor-Chefe, e me surpreendi quando Parvati disse que ia sair do jornal e mais ainda quando a Mira e a Ferania indicaram meu nome para o cargo. Fiquei sem responder por uns segundos, até que o sorriso acolhedor e confiante de Liseria me fez sair do topor e eu aceitei o cargo feliz.
Percebi então que esse cargo vinha a calhar. Ele significava que eu estaria na linha de frente na batalha contra aquele tal Antaris. Na verdade, suspeito que tenha sido esse um dos motivos para eu ser selecionado como editor-chefe. Ferania e Mira sabiam que eu não toleraria mais textos dele e comigo como líder do jornal, essas matérias nunca seriam publicadas.
Esse ano prometia surpresas e várias novidades, eu sabia disso. Só não tinha noção do tamanho das mudanças.
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- Lucian, mais uma vez! – Robbie falou, voltando a tocar o piano. Eu comecei a cantar, mas não adiantava o quanto tentasse, não alcançava o tom certo.
- Robbie, não está dando. Não consigo me concentrar. – Eu falei, dando de ombros. Robbie bufou.
- Temos que continuar, você está longe de estar pronto para cantar essa música.
- Eu sei, mas... – Eu falei e indiquei a platéia, que era o grupo menos empolgado e alegre possível.
Estávamos todos lá: Alec, Oleg, Finn, Ozzy, Leo, Liseria, Lenneth e Julie. Apenas Parvati não estava. Tentávamos continuar com os ensaios, mas as memórias das músicas cantadas por Jack ainda nos assombravam e apesar de estar mais calmos, ainda era difícil.
Robbie suspirou e desistiu, e descemos juntos o palco, indo nos juntar aos outros. Me sentei ao lado de Liseria, que logo deitou a cabeça em meu ombro. Lenneth estava abraçada a Oleg e me olhou rapidamente quando me sentei.
- Lembram de como ele gostava de tocar violão? – Ozzy perguntou e começou a dedilhar algumas notas no violão e ouvimos quietos.
- Lembram quando ele tentou ensinar ao Finn como tocar e o Finn conseguiu arrebentar todas as cordas? – Lenneth falou e todos sorrimos. Os sorrisos agora eram mais comuns e passamos um bom tempo conversando e nos lembrando de coisas boas do Jack.
- Mas o melhor ainda era ele ensaiando com o Ozzy. – Julie falou e todos sorrimos.
Um momento de silêncio caiu sobre nós novamente e Liseria me abraçou mais forte e eu sabia que ela estava se segurando. Ozzy estava ao lado de Julie e vi que ela apertava sua mão com força, enquanto Lenneth segurava as lágrimas abraçada a Oleg. Nesse momento, a porta do teatro se abriu e Patrick entrou correndo.
- Me desculpem a demora, me atrasei na aula de Literatura... O que aconteceu? – Ele perguntou ao notar todos esfregando os olhos. Seu olhar parou em Lenneth que saia do abraço de Oleg e vi que seus olhos se estreitaram. Ele ficou em pé rigidamente até Lenneth se sentar e sentou ao lado dela.
- Nada, você não entenderia. – Ela respondeu.
- É serio, aconteceu alguma coisa? É o Jack? – Ele perguntou novamente e Lenneth assentiu, mas respondeu.
- Sim, Patrick, mas já falei que você não entenderia. – Ela respondeu novamente e vi como ele ficou irritado com isso, e olhou irritado para nós. Ele abraçou Lenneth possessivamente, encarando Oleg.
- Vamos continuar ensaiando? – Liseria falou, querendo quebrar a tensão.
- Acho que não tem mais clima. Vamos nos reunir de novo amanhã, quem sabe consigo trazer a Parv? – Robbie falou e começamos a sair em grupos. Patrick foi o primeiro a levantar e saiu do teatro rapidamente. Lenneth foi atrás dele, revirando os olhos ao passar por mim.
- Não sabia que o Patrick era tão possessivo. – Eu comentei, enquanto eu e Lis íamos para as repúblicas.
- Nem eu. O olhar dele para o Oleg foi doentio. – Ela respondeu, apertando minha mão.
- Você acha, digamos, perigoso?
- Não sei, Lucian, mas não devemos nos meter. Lenneth é bem grandinha para saber se cuidar. – Ela respondeu.
- Eu sei, mas fico preocupado. Com ela e agora até com o Oleg.
- O Patrick não seria maluco de fazer qualquer coisa. – Ela respondeu e eu concordei.
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Esse ano eu mantinha meu trabalho na livraria da Ferania e a experiência que eu tinha com a livraria de minha família, aliada à energia de Ferania e seus primos proporcionou um crescimento nas vendas da livraria. Alunos de Durmstrang e moradores da vila estavam organizando grupos de leitura na livraria e eu sempre participava, quando era possível.
O depósito da livraria, afastado do centro da vila, estava cada vez mais com a minha cara. Ferania me deu a liberdade de torná-lo mais habitável. Eu adorava aquele local. Era um pequeno chalé, mais ou menos do tamanho de uma república.
Ele tinha tudo que eu gostava: pilhas de livros, estantes e mais estantes, uma poltrona reclinável, uma lareira e uma vista maravilhosa para os bosques ao redor da vila. Nos meses frios, quando a neve caia, o cenário parecia uma pintura de tão belo e sereno, com os flocos de neve cobrindo tudo ao redor, as árvores, a trilha, deixando tudo em um belo tom de branco.
Eu tomei a responsabilidade de organizá-lo, e ninguém conhecia-o tanto quanto eu. Colei em uma das paredes um mapa da Terra-Média, além de pendurar escudos e espadas que encontrei jogados dentro de um baú. Fer disse que deviam ser de seus pais, pois eram bem antigos, e ela logo se entusiasmou de pesquisar sobre eles. Ela era a única que ficava comigo no depósito, pois passávamos horas conversando sobre história e mil outros assuntos. Seus primos raramente iam lá, pois gostavam de mim e aprenderam a me dar esse pequeno espaço. Era para lá que eu gostava de fugir quando queria descansar ou pensar. Liseria entendia que eu precisava de um espaço e foi apenas uma vez conhecer o local, dizendo que era a minha cara.
Voltava do depósito, com uma pilha de livros nos braços quando ouvi vozes alteradas, uma feminina e outra masculina. Estávamos afastados da vila e fiquei preocupado, me aproximando com cautela. Só então reconheci as vozes e larguei a pilha no chão correndo até elas.
- Você não manda em mim, Patrick, entenda isso. – Ouvia Lenneth falar atrás de uma árvore a poucos metros de onde eu estava.
- Eu não estou mandando. Mas não quero mais que fique de abraços com outros garotos. – Ele respondeu, sua voz mais alterada que a dela.
- E você acha que eu vou aceitar? Vou deixar de ficar com meus amigos porque você está com ciúmes idiotas? – Ela respondeu e eu cheguei nessa hora. Patrick estava perto dela e parecia muito irritado. Lenneth estava irritada como eu nunca vi.
- Ei o que está acontecendo aqui? – Eu perguntei, me colocando entre os dois. Eles me olharam de forma estranha. Patrick pareceu ainda mais zangado, enquanto Lenneth pareceu surpresa e até sem jeito.
- Não te diz respeito. – Patrick respondeu.
- Não fale com ele assim! – Lenneth falou, alteando a voz e vi que Patrick ficou vermelho.
- Calma, não vamos nos exaltar. Patrick, vá esfriar a cabeça. É melhor, depois vocês conversam.
- E por que eu obedeceria você? – Ele falou, levantando o queixo. Eu fiquei com raiva dele também e um sentimento estranho de proteção subiu pelo meu pescoço. Me senti pronto para brigar, mas Lenneth pousou a mão em meu braço e eu me acalmei. Respirei fundo e o olhei novamente.
- Patrick, estou querendo ajudar, é melhor você ir se acalmar. Ela precisa de um tempo. – Eu falei. Ele me olhou de cima abaixo, sendo que eu era mais alto que ele, e depois olhou para Lenneth. Ele virou as costas indo até a vila.
Senti quando a tensão em Lenneth diminuiu e quando ela segurou minha mão eu vi que ela tremia.
- Ei o que houve? – Eu perguntei e ela começou a chorar.
Eu senti uma mistura de sentimentos. Senti raiva de Patrick por tê-la feito chorar, senti vontade de abraçá-la, senti vontade de correr atrás de Patrick e o socar. Mas o mais estranho deles foi sentir vontade de beijá-la... Eu me assustei com esse pensamento e notei como ela estava linda, mesmo chorando. Ela sentou-se no chão e eu me sentei ao seu lado, abraçando-a. Ela chorou em meu ombro por um longo tempo e não falamos nada, enquanto eu apenas fazia carinho em seus cabelos, falando calmamente com ela.
Ela não quis me dizer porque chorara, mas me fez prometer que não procuraria o Patrick por causa disso. Ela também quis que eu prometesse que não ia arranjar briga com ele. Eu engoli o orgulho e prometi a ela que sim, e só então ela se acalmou e sorriu. Novamente aquela vontade de beijá-la.
Eu me levantei logo e a ajudei a se levantar e voltei para pegar os livros, tomando o cuidado de não demonstrar nenhum daqueles sentimentos estranhos. Tomamos café com Ferania e lá Lenneth conseguiu se acalmar. Eu sabia que ela estava melhor, pois a conhecia bem e não conseguia mais tirar os olhos dela.