Tuesday, October 18, 2011

Cinco dias já haviam se passado desde a minha tentativa frustrada de suicídio. Leo e Robbie não me davam folga e não conseguia dar um passo sem ter pelo menos um dos dois na minha cola. Eles ainda não sabiam do fora que havia levado de Ozzy e não estava nos meus planos contar tão cedo, já era ruim o bastante ter que me lembrar daquela conversa sem ter que vê-los com a expressão de “bem feito” estampada no rosto.

O fato é que, depois do passa-fora, estava decidida a retomar a vida que tinha deixado em junho, quando sai de férias. Ainda não estava pronta para abandonar o iPod, mas me esforçava ao máximo para não usá-lo o dia inteiro. Quando o desligava precisava de muita concentração para não enlouquecer. E fora o enjôo, que ainda não tinha acabado. Passava o dia inteiro me sentindo mal, com ânsia de vomito, mas felizmente desde domingo não tinha colocado mais nada pra fora.

E se estava colocando minha antiga vida em ordem, precisava reunir o conselho do grêmio estudantil. Odiava admitir, mas Ozzy estava certo: estávamos a apenas duas semanas do Halloween e não havia sinal de que teríamos algum tipo de celebração. Terça era o melhor dia para marcar as reuniões, então enviei um recado a cada membro do conselho e às 19h já estava na sala esperando cada um chegar. E cada um que entrava tinha a mesma expressão de espanto no rosto e todos, sem exceção, pensavam naquele momento que eu nunca ia reassumir o posto.

- Está mesmo pronta pra isso? – Robbie perguntou sentado na cadeira mais próxima.
- Não – respondi tentando sorrir, já começando a ter dor de cabeça com o excesso de pensamentos – Boa noite, pessoal.
- Então ainda temos um grêmio? – Maria disse em tom de deboche, que ignorei – Muito bom, estava achando que íamos passar o ano sem função.
- Sim, ainda temos um grêmio. Peço desculpas pela ausência nas últimas semanas, precisava de um tempo, mas isso acabou porque temos muito que fazer. E quero começar a reunião dando boas vindas aos dois novos membros do conselho, Nina Petrova e Mitchell Callahan – os dois levantaram e foram cumprimentados pelos outros – Feito isso, vamos à nossa festa de Halloween.
- Sim, por favor! – Yanic, que estava sentado na outra ponta da mesa, ergueu os braços – O que vamos fazer? Só temos duas semanas.
- Não temos como fazer outra festa no vilarejo, isso pede tempo e infelizmente não temos, então temos que fazer a festa aqui dentro da escola – Lucian falou e assenti.
- Sim, terá que ser aqui dentro. Temos duas semanas, podemos providenciar uma decoração bem elaborada sendo em um espaço fechado. Idéias para o tema?

Esse foi o meu erro. Enquanto cada um estava falando ao mesmo tempo, mesmo que cada um tivesse um pensamento diferente na cabeça, eu estava conseguindo me manter concentrada. Quando pedi sugestões e o falatório tomou conta da mesa, perdi o controle. Um queria falar mais alto que o outro, cada um com mil idéias na cabeça e tentando falar cada uma delas em voz alta, um discordando do outro e querendo mostrar que sua idéia era melhor, enfim, um caos. A confusão de vozes na minha cabeça era tanta que fiquei tonta. A sensação era que meu cérebro ia entrar em combustão a qualquer instante.

A visão daquelas nove pessoas discutindo começava a ficar embaçada quando vi uma gota de sangue cair na mesa. Levei a mão ao rosto e percebi que meu nariz estava sangrando. Limpei depressa antes que alguém visse e de repente tudo ficou em silêncio. Além das palavras que estavam de fato sendo pronunciadas, não ouvia mais nada. No mesmo instante soube que Ozzy estava fazendo isso, mas quando olhei para ele, ele não me encarava. Mantinha o olhar fixo em Mitchell, que estava sentado de frente para ele, como se estivesse muito interessado em sua idéia para a festa, mas na verdade não estava ouvindo uma única palavra. Estava apenas concentrado. Sem as vozes pude pensar com mais clareza e saiu da boca de Nina a idéia que chamou minha atenção.

- Baile de máscaras do século 17 – ouvi-a dizer em meio a uma confusão de idéias malucas – Todos vestidos a rigor.
- Isso! – bati a mão na mesa com tanto entusiasmo que todos se assustaram – Nina, sua idéia é perfeita!
- Que idéia? – Valéria perguntou confusa – O que ela falou?
- Baile de Máscaras do Século 17 – Nina repetiu surpresa por ter gostado.
- E todos vestidos a rigor – completei, repetindo o que ela tinha dito – Durmstrang tem todo o clima para um baile nos moldes do século 17, isso parece o castelo do Conde Drácula.
- Conde Drácula nasceu em 1431, não é do século 17 – Lucian me corrigiu, embora suspeitasse que ele só estivesse sendo preciso.
- Não importa, ele é um vampiro, passou pelo século 17.
- Na verdade, isso é uma lenda – Lucian não se conteve – A verdadeira história é que-
- Lucian, agora não – disse em tom de aviso e ele riu, pedindo desculpas – Baile de máscaras, o que acham?
- É, acho que vai ficar legal – Leo me apoiou – E as roupas são magníficas, vamos todos ficar muito sofisticados.
- E a decoração já está praticamente feita se a festa for no salão principal, só vamos precisar dar alguns retoques – Robbie completou e a mesa acabou animando.
- Ótimo, então está decidido. Vamos começar a falar da decoração e o que cada um vai fazer.
- Ainda não – Yanic levantou a mão, me interrompendo – E os calouros? Sempre pensamos em alguma coisa voltada pra eles.
- Bem lembrado – Ozzy falou pela primeira vez desde que chegou à sala – É o nosso último ano, temos que caprichar. E se me permitem uma sugestão... Casa Mal-Assombrada.

O falatório recomeçou, mas felizmente dessa vez estava protegida e pude prestar atenção. Era verdade, precisávamos bolar algo voltado para os calouros de Durmstrang e nada gritava mais “diversão” que uma casa mal-assombrada. Não que eu tivesse qualquer pretensão de entrar em uma, mas pregar peça e dar sustos nos novatos era sempre divertido.

Consegui que cada um falasse na sua vez e ficou decidido que as repúblicas seriam transformadas em casas mal-assombradas, cada uma com seu tema próprio, que seria decidido pelo seu presidente, e que somente os alunos do 6º ano poderiam ajudar os veteranos na organização. Elas funcionariam a noite inteira, paralelas a festa que aconteceria nos jardins e salão principal. E decidido isso, começamos a discutir a decoração da festa principal. Quando saímos da sala já passava das 21h, mas pela primeira vez desde que voltara a Durmstrang, estava satisfeita com alguma coisa. A sensação de dever cumprido era, sem dúvida, revigorante. E sim, na primeira oportunidade, agradeceria Ozzy pelo que fez, por mais duro que isso fosse, afinal, eu precisava mudar. E quer mudança maior que ser grata a ele por qualquer coisa?