Depois da tentativa frustrada de Parvati de se suicidar e de explicar toda a situação a Leo, Robbie e Finn, Ozzy resolveu desencanar. Sabia que ela ainda ia dormir por um bom tempo e não ia mais se preocupar. Queria ajudar, mas sua paciência já tinha acabado. Se suas tentativas de explicar as coisas com calma não estavam surtindo efeito, ia começar a falar da maneira que sabia que ela ouvia. E se ela ia gostar ou não, ele já não se importava mais.
Sábado levantou cedo e foi direto para a ala hospitalar. Há dois anos seu irmão tinha feito a mesma coisa que ela, mas por diversão, queria testar seus limites. Ele havia ingerido quase a mesma quantidade de comprimidos e dormiu por 24 horas, então Ozzy sabia que Parvati já devia estar perto de despertar. A enfermeira já estava de pé quando bateu na porta.
- Sinto muito, Sr. Lusth. Ela ainda não acordou e não posso deixar que fique aqui.
- Tudo bem, eu posso ficar – disse encarando-a. Já havia aprendido a manipular mentes muito bem – É melhor que eu esteja aqui quando ela acordar.
- Acho melhor o senhor estar aqui quando ela acordar – ela sorriu e lhe deu passagem.
- Pode esperar no seu quarto, chamarei quando for embora.
Ela obedeceu e sumiu por trás de uma porta. Parvati ainda estava do mesmo jeito que ele havia deixado na quinta-feira a noite. Puxou uma cadeira para perto de sua cama, colocou os pés no colchão e abriu o livro que tinha nas mãos. Pouco mais de uma hora depois, ela abriu os olhos. Acordou assustada, tentando puxar o ar desesperadamente, como se estivesse sendo salva de um afogamento.
- Bom dia, Bela Adormecida – Ozzy disse cheio de sarcasmo, sem tirar os olhos do livro que lia – Ou devo dizer Courtney Love?
- O que está fazendo aqui? – ela tentou se sentar na cama, mas ainda estava tonta e caiu sobre o travesseiro.
- Certificando que não vai tentar se enforcar com o lençol. As marcas não saem com facilidade, ia ficar com um colar roxo por uns bons dois meses.
- Vai embora! – disse virando de lado e o movimento a fez sentir-se mal. Ozzy levantou calmamente e lhe entregou um balde bem a tempo.
- Você engoliu 20 comprimidos que deveriam tê-la matado, vai vomitar a semana toda até sair tudo.
- O que você quer comigo? Já não fez o bastante?
- Sabe, você devia estar mais agradecida. Salvamos sua vida, lhe demos uma segunda chance. Ao invés de estar nessa coisa de rebelde sem causa devia estar feliz.
- Feliz? Quer que eu fique feliz por ter matado duas pessoas, mas sobrevivido a isso?
- Se não se importa com a sua vida, pense um pouco nas pessoas que gostam de você. Já parou pra pensar em como sua mãe ficaria se as duas filhas dela tivessem morrido? Nunca lhe ocorreu que você é o motivo para ela ainda querer sair da cama todo dia de manhã? Que ela só encontra forças pra continuar porque você sobreviveu? – ela não soube o que responder e ele aproveitou para continuar – E Leo e Robbie? Já pensou em como eles ficariam se você morresse? Pode achar que isso é uma punição, mas não é. Você ganhou uma segunda chance. A pergunta é: o que vai fazer com ela?
Ozzy não esperou ela responder. Pegou o livro em cima da cadeira, chamou a enfermeira avisando que ela tinha acordado e saiu da ala hospitalar. Parvati continuou encarando a porta fechada depois que ele saiu, ainda sem ter uma resposta para sua pergunta.
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Já passava da hora do almoço quando Alec e Oleg saíram juntos da república para visitar Parvati. Mesmo depois de despertar e não aparentar estar em perigo, a enfermeira insistia em observá-la por mais algumas horas por causa do mal estar.
- Estou bem, já disse! – eles ouviram a voz da garota quando abriram a porta da ala hospitalar – Não preciso de babá o dia inteiro.
- Você tentou se matar! – Robbie abaixou a voz para falar – Não vamos mais perder você de vista.
- E não adianta fazer cara feia – Leo lhe deu uma bronca - Se sente culpa pelo acidente, vá fazer um trabalho comunitário. Usar aquele macacão laranja já é punição suficiente.
- Olá... – Alec bateu na porta já aberta para que notassem que não estavam sozinhos – Viemos ver como está a paciente.
- Está impaciente – Robbie respondeu – Quer sair, mas não para de vomitar. A enfermeira não vai deixá-la ir a lugar nenhum enquanto estiver assim.
- Então talvez seja melhor relaxar, você não vai melhorar por mais alguns dias – Oleg respondeu se aproximando com o irmão – O irmão do Ozzy fez isso uma vez e passou mal por quase uma semana.
- Que ótimo – Parvati respondeu mal humorada, o rosto pálido de tanto vomitar.
- Ninguém mandou engolir os remédios. Se não morreu por isso, alguma punição deveria ter – Leo disse séria, ainda irritada pelo que a amiga havia feito.
- Sinto muito pelo que fizemos – Oleg apoiou os braços na ponta da cama e encarou Parvati – Não tínhamos o direito de decidir sua vida, só fizemos o que achamos que era certo. Não culpe Ozzy por isso, a culpa foi minha. Eu sabia como fazer o feitiço, eu dei a idéia. Eles só ajudaram, mas fui eu quem fez tudo.
- Não, eu que tenho que pedir desculpas – Parvati respondeu em um tom de voz que não parecia em nada com o seu habitual – Eu exagerei na reação. Vocês salvaram a minha vida e eu estou agradecida por isso.
- Sim, ela está arrependida de ter agido como uma idiota e vai cooperar mais – Robbie completou o que a amiga disse e ela assentiu – Não vai mais se negar a entender.
- É muito pra digerir, mas vou colaborar mais – ela tentou sorrir, mas o mal estar era tão grande que não estava conseguindo fazer um bom trabalho – Então, como isso funciona? Se não posso morrer, porque estou me sentindo como lixo?
- Você não pode morrer, mas isso não quer dizer que não pode se machucar – Oleg respondeu rindo – Não somos um dos X-Men, não nos regeneramos como o Wolverine.
- Apesar da comparação idiota, meu irmão está certo – Alec segurou o riso – Podemos nos machucar e ficar doentes como qualquer pessoa, mas sempre vamos nos recuperar. Algumas vezes demora mais, dependendo do seu estado, mas sempre ficamos bem.
- A menos que arranquem sua cabeça, ai nem mesmo o Wolverine conseguiria regenerar isso – Oleg completou e até mesmo Parvati riu – No fundo, não somos totalmente Imortais. Sempre tem um meio de morrer.
- Não dê idéias a ela! – Leo se alarmou, mas todo mundo começou a rir.
- Não vou tentar arrancar minha cabeça! – Parvati se defendeu.
- Tudo que sei é que de agora em diante não vou mais deixar que use uma faca sem supervisão – Leo ergueu as mãos como se não pudesse fazer nada para evitar aquilo.
- Resumindo, se você se jogar de uma ponte, tudo que vai conseguir é uma coleção de fraturas e muita dor. Vai sofrer meses em um hospital cheia de gessos pelo corpo e muitos hematomas, mas vai sair de lá como se nada tivesse acontecido quando as fraturas curarem. Então não se jogue de uma ponte, é uma idiotice – Alec concluiu.
- Não vou me jogar de uma ponte – ela assentiu achando graça, mas o sorriso foi morrendo aos poucos – Onde está o Ozzy? Acho que devo um pedido de desculpas a ele – os dois trocaram um olhar sem graça – Ele me odeia, não é? Pode falar, não me importo.
- Não, ele não odeia você, ele só está um pouco chateado – Alec tentou amenizar – Ele disse que já fez a parte dele em lhe contar o que aconteceu e que não vai mais interferir, já que não quer entender.
- A verdade é que ele vai voltar a interferir, mas não agora – Oleg completou – Dê um tempo a ele, deixe que esfrie a cabeça e ele vai ajudá-la com o problema das vozes.
- Ele é mesmo o único que pode me ajudar? Não tem mais ninguém?
- Bom, a única outra pessoa que conhecemos com esse dom é a irmã dele, mas como ninguém além de nós sabe o que aconteceu, não podemos contar com a ajuda dela.
- Ninguém sabe o que vocês fizeram? Isso vai causar problemas pra vocês, não é?
- É, com certeza, mas não tem problema – Alec riu, mas era uma risada nervosa – Só precisamos descobrir como contar a eles, mas tudo vai ficar bem.
- Não é como se pudessem nos matar por isso, sabe? – Oleg disse debochado.
Todos riram da brincadeira e os dois começaram a contar a Parvati tudo que sabiam e podiam sobre as famílias Imortais. Era tanta coisa para ouvir e absorver que ninguém viu a tarde passar. E graças ao bom humor dos irmãos, a novidade já não parecia mais tão difícil de suportar.
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Já começava a anoitecer quando a enfermeira, convencida que o mal estar de Parvati não era grave, a liberou. Leo e Robbie queriam que ela voltasse com eles para a republica para descansar, mas depois de dormir por mais de 24h, descansar era a última coisa que ela queria. Com muita relutância eles concordaram em deixá-la sozinha por alguns minutos. Ela tinha um assunto a resolver e já seria difícil o suficiente fazer sozinha, com platéia seria impossível.
Uma passada rápida na Kratos e ela soube que Ozzy estava no rinque de Hóquei. Sempre que ele estava irritado com alguma coisa, frustrado, descarregava no gelo. Irritava Parvati saber isso, mas era algo que ela não podia evitar. E ele estava mesmo lá. Com metade do uniforme dos Ducks e uma dúzia de discos espalhados pelo gelo, Ozzy batia neles com o taco com tanta raiva que a maioria estava passando longe do gol.
- Ei! – ela gritou da borda do campo – Ozzy!
- Estou ocupado – ele olhou rápido para ver quem chamava e voltou à atenção para os discos.
- Quero conversar com você.
- Não temos nada pra conversar, já disse tudo que sabia – ele acertou um disco com força e ele bateu no vidro por cima do gol – Se quer saber mais alguma coisa, pergunte ao Alec. Ele é o compreensivo do grupo.
- Reagi mal, estou arrependida – ela insistiu e entrou no rinque, deslizando com cautela até onde ele estava – Quero pedir desculpas.
- Já pediu, agora sai do gelo antes que caia – ele rebateu outro disco, esse certeiro no gol – Se bater a cabeça no chão só vai sujar o gelo de sangue e não vai morrer por isso.
- Não, não vou sair. Precisamos conversar – ela cruzou os braços, teimosa – Eu errei, mas eu não fui a única. Eu admito isso, mas você age como se eu fosse a única culpada.
- Não, não temos. Você já sabe o que aconteceu, já deu seu show e minha paciência já esgotou. Agora sai do gelo.
- Não estou falando do acidente, e você sabe disso.
- Não quero falar sobre isso.
- Mas nós precisamos – ela insistiu – Somos parceiros agora, ou já esqueceu? Temos que confiar um no outro e não vamos conseguir isso enquanto não conversarmos.
- Bom, isso não vai acontecer agora – ele se afastou depressa e acertou três discos em seqüência.
- Você prometeu me ajudar com as vozes. Prometeu me ensinar a controlar isso. É seu dever como meu parceiro me apoiar e me ajudar com meus problemas.
- É, mas isso foi antes de descobrir que minha parceira é suicida. Não acho que internar você está na lista de deveres.
- Você é um imbecil.
- Pode ser, mas não sou irresponsável, cumpro as minhas obrigações. Quando for embora, pode fazer o favor de procurar a professora Mira e dizer que não vai cumprir seu dever como presidente do grêmio e liberá-la para escolher outro? Já estamos em outubro e ela não nos deixa reunir o grupo para começar os preparativos pro Halloween por sua causa.
- Não vai dizer que está irritado por causa disso?
- Não, isso é só uma coisa a mais na lista de irresponsabilidades suas que me tiram do sério. Agora sai do gelo! – ele agarrou seus braços e a rebocou para fora do rinque.
Parvati não conseguiu lutar contra ele e acabou se deixando arrastar. Ozzy a largou do lado de fora do rinque e voltou aos discos ignorando sua presença. Ela ainda bufou por algum tempo, mas se deu por vencida e foi embora. Ela havia pisado na bola e para conseguir o que queria, agora teria que correr atrás.