Quando Parvati veio me agradecer por ter impedido que ela desmaiasse na reunião do grêmio e pedir novamente que a ajudasse, parei de torturá-la e concordei em fazer o que havia prometido no começo do mês. Ela queria começar logo, mas pedi que tivesse calma e combinamos que tiraria o sábado para ensiná-la tudo que podia. Ela estava impaciente, mas aquilo levava tempo e isso era algo que não tínhamos de segunda a sexta.
Às 10h em ponto estava parado no portão da escola e cinco minutos depois Parvati apareceu na estrada. Vinha vestida com um casaco pesado, o capuz cobrindo a cabeça e parte do rosto. A primeira vista não vi o iPod que estava sempre em sua mão e já considerei isso um progresso. Se não estava usando ele, era porque estava disposta a aprender.
- Está atrasada – disse quando ela parou ao meu lado.
Ela não respondeu e se limitou a me lançar um olhar irritado. Atravessamos os portões da escola em direção ao vilarejo. Era sábado, a maioria dos alunos estava aproveitando o dia de raro sol passeando pelas ruas e gastando suas economias nas lojas. A praça estava movimentada o bastante para começar a ensiná-la a controlar a mente, então sentamos em um dos bancos dela e imediatamente parei de bloquear os pensamentos para ela.
- Podia dar um aviso antes – ela reclamou quando uma chuva de vozes invadiu sua cabeça de repente.
- Nunca disse para ficar confortável, não faço isso sempre.
- Ok, será que podemos deixar a implicancia de lado um pouco? Já pedi desculpas e agradeci por tudo que tem feito. O que mais quer que eu faça? Estou arrependida do que fiz, mas não posso voltar no tempo e consertar isso.
- Está certa, desculpe. Não estamos aqui pra brigar, mas sim pra ensiná-la a controlar sua habilidade.
- Exato. E como eu faço isso?
- Está vendo aquele senhor sentado do outro lado, lendo o jornal? – ela assentiu – Quero que concentre seus pensamentos nele. Não pense em mais nada, apenas nele.
Ela me olhou meio desconfiada, mas fez o que pedi sem contestar. No começo fez algumas caretas, certamente porque as muitas vozes estavam atrapalhando sua concentração, mas depois de alguns minutos Parvati abriu um sorriso surpreso. Ela olhou pra mim animada, mas naquele instante sua concentração quebrou e ela voltou a ouvir tudo.
- Droga! Tinha conseguido, estava ouvindo apenas ele!
- Sim, porque estava concentrada.
- Mas sempre vou ouvir alguém? Não estou reclamando, é melhor que 50 alunos de uma vez só, mas nunca vou ter paz?
- Não, você vai poder bloquear tudo, mas um passo de cada vez, ok? Primeiro precisa aprender a canalizar apenas uma mente para ouvir, depois vai aprender a desligar ela também. Outra vez, agora a mulher com o cachorro perto da estátua.
Passamos todo o resto da manhã fazendo a mesma coisa. Depois de uma hora ela já estava conseguindo conversar sem perder a concentração na pessoa e pedi que ela mudasse de foco a cada 10 minutos. Levou mais tempo que a primeira tarefa, mas ela finalmente conseguiu. Ainda que fosse continuar lendo alguma mente, não precisaria mais bloquear os pensamentos para ela não desmaiar. Eram quase 14h quando decidimos voltar pra Durmstrang, mas antes mesmo que saíssemos da praça fui pego de surpresa pela chegada da minha irmã, Katarina. Havia esquecido por completo que ela estaria no vilarejo naquele sábado e que tinha prometido almoçar com ela. Entrei em um desespero tão grande pela presença da Parvati e com o que ela poderia descobrir com uma única olhada pra ela que fechei sua mente por completo. Ela percebeu, pois estava focada em uma senhora que passava ao nosso lado, mas bastou um olhar alarmado para ela entender e não questionar.
- Maninho! – Katarina me abraçou e beijou minha bochecha – Desculpe o atraso, fiquei presa numa reunião chatíssima.
- Nem percebi o atraso – sorri tentando parecer relaxado e virei para Parvati – Nos vemos no castelo?
- Sim, nos falamos depois, bom almoço – ela respondeu depressa, mas quando fez menção de sair minha irmã segurou seu braço.
- Bobagem, sua amiga é bem vinda no nosso almoço. Você é a filha da prefeita, não é? – Parvati assentiu e minha irmã sorriu solidária – Sinto muito por sua irmã. Fomos ao enterro, mas você ainda estava no hospital.
- Obrigada – Parvati tentou soar normal, mas sua voz saiu rouca.
- Acho que ela não quer falar sobre isso, Kat.
- Tem razão, mil desculpas. Deixe-me compensar a falta de tato pagando seu almoço.
- Obrigada, mas tenho mesmo que voltar ao castelo – Parvati tentou se esquivar. Meu olhar de pânico deve ter sido realmente convincente, porque ela estava tão ou mais apavorada que eu.
- Não, não aceito não como resposta! – e agarrou Parvati pela mão, a rebocando para o outro lado da rua.
Ela ainda me lançou um olhar perdido, mas dei de ombros indicando que não tinha nada que pudéssemos fazer e as segui. Minha irmã tinha feito uma reserva para nós dois no Rainbow Room, mas uma rápida conversa com o maître e a reserva foi trocada para acomodar três pessoas. Quando nos sentamos à mesa o desconforto era visível, mas ou minha irmã não estava percebendo ou preferiu ignorar. Muito provavelmente ela achava que eu estava namorando Parvati e escondendo da família, e pensando bem, era melhor deixar que ela pensasse isso mesmo. Se descobrisse a verdade estaria em uma encrenca tão grande que não conseguia nem começar a pensar na dimensão das conseqüências.
- Pensei que Joffrey viria com você. Liberou o pobre coitado dos preparativos pro casamento? – resolvi relaxar. Se não tinha jeito, o melhor era parecer o mais natural possível.
- Você vai casar? – Parvati deve ter pensado o mesmo, porque já parecia mais a vontade.
- Sim, na primeira semana de janeiro – Katarina respondeu animada – Seus pais já receberam o convite, quando chegar em casa para o natal eles com certeza vão avisá-la.
- Adoro casamentos, não vou perder o seu – Parvati sorriu de volta e numa fração de segundos as duas já eram melhores amigas.
Aquilo deveria ter me deixado em pânico, mas estava concentrado demais em não deixar que minha irmã invadisse a mente de Parvati para me preocupar. As duas engataram em um papo sobre casamento que em alguns minutos eu já estava bocejando. Minha presença na mesa foi completamente ignorada e agradeci por isso. Minha irmã já tinha percebido que era por minha causa que ela não conseguia ler Parvati e ela era muito mais forte e experiente que eu, estava custando toda a minha concentração para não deixá-la furar a barreira.
Minha atenção pra conversa foi atraída com a mudança do assunto casamento para a nossa festa de Halloween, que estava sendo feita às pressas. Enquanto experimentávamos os pratos sugeridos pelo garçom favorito de Katarina, contamos a ela nossas idéias para a decoração e das casas mal-assombradas. Ela adorou a idéia de transformarmos as repúblicas em casas do terror e ainda mais os temas, que seriam Fábrica de Brinquedos, Corredor da Morte, Cassino Vampiro, Apocalipse Zumbi, Maldição da Múmia, Labirinto das Almas Perdidas, Câmara de Tortura e Expresso da Agonia. Katarina aproveitou para dar algumas sugestões para a decoração do salão onde a festa principal seria montada e ainda deu muitas idéias sobre o problema com as fantasias. Por termos criado duas ambientações, a idéia de ir a rigor no Baile de Máscaras foi comprometida. Minha irmã então sugeriu que, já que a inspiração foi o Conde Drácula, porque não transformar o baile com ele de anfitrião?
- Lucian vai querer se vestir de Drácula – Parvati e eu falamos ao mesmo tempo e começamos a rir.
- Com licença, volto em um instante – ela levantou da mesa e saiu em direção ao banheiro.
- Por que está me bloqueando, maninho? – ela perguntou assim que Parvati se afastou – O que está escondendo?
- Não estou escondendo nada, só achei que podia acabar com a sua diversão.
- Você nunca fez isso com seus outros amigos, o que tem de especial nela? – sua voz era cheia de malícia, mas era melhor ela pensar assim do que descobrir a verdade.
- Kat, tive todo um ano longe de você pra treinar, não vai conseguir me arrancar nada.
- Sabe que tenho meus meios de torturá-lo, não? E também posso desfazer o convite para ser meu padrinho – continuei sorrindo debochado pra ela e ela riu – Brincadeira, nunca ia deixá-lo de fora do casamento, mas falei sério sobre a tortura.
Ia responder, mas Parvati voltou à mesa na hora e o assunto morreu. Voltamos a falar da nova idéia de ambientação pro salão principal enquanto saboreávamos a sobremesa e já eram quase 16h quando deixamos o restaurante. Katarina se despediu de nós com abraços calorosos e aparatou de volta a Bulgária.
- Então ela também pode ler mentes? – Parvati perguntou assim que ficamos sozinhos outra vez.
- E muito bem. Entrei em pânico, tive que passar o almoço todo bloqueando as tentativas dela de saber o que queria esconder.
- Ela faz isso com todo mundo?
- Na maioria das vezes, quando ela não conhece a pessoa não resiste à tentação de espiar. E como eu não deixei, ela ficou ainda mais curiosa. Kat é muito forte, se eu consegui mantê-la afastada é porque meus poderes estão aumentando.
- Tirando a parte que ela tentou invadir minha mente, gostei da sua irmã.
- Ela também gostou de você. Devo me preocupar?
- Eu me preocuparia – sacudi a cabeça e ela riu – Quer tomar um café?
- Claro.
Atravessamos a rua na direção do Café Cultural e ocupamos um dos sofás vazios, cada um com uma xícara gigante na mão. A maioria do conselho do grêmio estava lá e aproveitamos para contar das novas idéias. Como tínhamos previsto, Lucian logo se candidatou a ir de Conde Drácula e já começamos a bolar as mudanças na decoração e também um bom argumento para fazer os professores entrarem na brincadeira. Ia ser uma semana tumultuada, mas no fim valeria à pena. Teríamos um Halloween tão bom quanto o do ano passado, sem precisar invadir o vilarejo.