- Você matou alguém...?! – perguntou Ty, após a décima vez em que a menina olhou de relance por cima dos ombros – Porque foi um sacrifício te arrastar para fora daquele quarto e AAA!! Unhas, unhas!! – Ty deu um salto para longe dos dedos da garota, agora tatuados em seu braço.
- Aii, desculpa! Foi sem querer...eu estou um pouco tensa. – murmurou Nina, estalando os dedos.
- Por mais que aquele garoto seja um enjoado, ele não vai aparecer com uma serra elétrica! Então sossega um pouco... – disse, enquanto a conduzia até a bacia de ponche – Pronto, divirta-se. E mantenhas essas coisas ocupadas - respondeu Ty, apontando para as mãos da garota.
Nina havia passado a semana inteira lutando contra a idéia de aparecer no baile dos Namorados. Desde o dia que batizou como “O trágico incidente no Ivy&Leo”, começou a ignorar completamente os gêmeos e se atirar em armários de vassoura cada vez que um deles atravessava o corredor. Porém, quando Evie, Vina, Annia e Milla invadiram o quarto, armadas com um vestido amarelo, sapatos de salto e secador, ela sentiu que não teria outra escolha. Após meia hora, estava vestida para a festa e sendo arrastada para fora da República. No fim das contas, foi obrigada – literalmente - a concluir que um pouco de diversão não a mataria e Ty concordou em prestar seus serviços de guarda-costas. Ao som de “All my Loving”, respirou aliviada. Até um ponche flutuante soar animado em seus ouvidos.
- Olenova, você estava aqui!
Nina sentiu o resto do líquido preso na garganta e lutou para gritar em meio ao soluço.
- TY! – a menina estendeu as mãos na frente do corpo e, entre tropeços cegos, agarrou o braço mais próximo, já ocupado por outras 3 mãos femininas.
- Merlin! Onde está a coisinha? – perguntou Ty, abrindo seu maior sorriso quando notou que se tratava do outro Parker. – Evie, você vai querer ocupar o braço esquerdo, estou ficando um pouco sobrecarregado aqui.
- Eu ficaria feliz em dividir seu fardo – Chris devolveu o sorriso, estendendo o braço na direção de Nina, que se ocupou em enterrar o rosto no ombro de Ty. Sua voz saiu abafada.
- TY!
- É, o céu também tem seu lado negro...Sinto muito, Chris. Você não vai chegar perto das minhas meninas.
- Ty, nós não somos quengas. – reclamou Milla, antes de acenar para alguém do outro lado do salão – Uhnn...eu já volto, fique por perto.
- Sem problemas! – Ty respondeu, praticamente saltitando.
- Você está adorando isso... – Chris balançou a cabeça, sem poder esconder do amigo o olhar de admiração.
- E você pode constatar o óbvio ou dar meia volta, Chris. Outro dia eu te ajudo no caso N-I-N-A, mas hoje não. Tá, tá, eu já sei... “TY!” – imitou, com uma voz estridente – Vamos, garotas. Em fila. Número 1, 2, 3...
- Obrigada – falou Nina, finalmente aliviando a pressão no braço do menino, mas voltando a cravar os dedos logo em seguida – Opa, opa, vira! Ali!!
- O outro?! Você só pode estar brincando comigo!! Será que não dava para te trancar no banheiro feminino durante uma meia hora? Eu volto para te buscar...
- Uhnn...eu suspeito que esse olhar assassino significa “Não” – interrompeu Evie.
- Ok, eu preciso de um mapa...uma rota de fuga, sei lá!
- Esquece a rota de fuga, improvisa! – guinchou Nina
- Claro! Entre na história.
Ty colocou os braços nas costas da menina, conforme Michael se aproximava com uma rosa nas mãos. Ele sorriu delicadamente ao notar que a garota não havia se jogado embaixo da mesa ao notar sua presença.
- Olá, Ty. Olá, meninas. Ninys...eu preciso falar com você – começou.
- Ho-ho, meia volta, Parker, meia volta! Ela está acompanhada.
- Eu só queria conversar! Você tem me evitado desde aquele dia, se esconde quando eu passo, não responde quando eu te chamo! Você sequer recebeu as minhas cartas? O que existe entre nós dois é muito profundo, eu não quero desperdiçar... – Michael despejava informações em uma velocidade que deixou Ty de queixo caído e Nina apavorada.
- Michael... – a menina murmurou, mas foi interrompida por um puxão de seu “acompanhante”.
- Hey, eu falo aqui! E não me venha com essa atitude, mocinha. Cai fora, Parker, não abusa da minha paciência e...supera!
- Não precisa falar assim com ele... – disse Nina, tentando não enxergar a pequena multidão que se acomodava ao redor do grupo.
- Escuta, você quer ir para o banheiro feminino? O que colocaram no seu ponche? – perguntou Ty, gesticulando freneticamente – E você...é a última vez, cai fora. – completou, mas ficou paralisado quando Michael se ajoelhou – Pelas barbas de Merlin.
Ty aparentava genuíno choque quando o menino tirou um pergaminho amassado do bolso e começou a declamar uma poesia. Mas nada se comparou a sua expressão de pavor quando Chris apareceu, também carregando um pergaminho.
- O QUE FIZERAM COM VOCÊ?! – gritou Ty, chamando a atenção de ainda mais pessoas. Nina agora enterrava a cabeça nas próprias mãos. Chris franziu a testa para o amigo, fez cara de deboche e tirou o irmão do chão.
- Escuta, infelizmente, eu tenho a mesma cara que você e não vou aceitar ser confundido nos corredores com o garoto da poesia. Cai fora, Michael. Depois ela te procura para conversar.
- Mas...
- Sai daqui, Michael. – Chris não gritava, mas seu olhar parecia perfurar o irmão, que abaixou a cabeça, resignado. Michael engoliu em seco. Seu respeito por Chris o fez dirigir um último olhar a Nina e dar meia volta. Respeito. Medo. Ódio... como quiserem chamar.
- Ok, crianças, o show acabou. Meu assistente vai passar um chapéu para os trocados. Muito obrigado e agora...dispersar! – disse Chris, para o grupo que havia puxado cadeiras para assistir a confusão – Acho que eles entenderam o recado. E você está ficando experiente em escândalos em locais públicos, Olenova. – Nina não respondeu – Aqui. Sua coruja maluca me entregou uma carta sua. Aparentemente, eu sou seu contato de emergência – disse, sorrindo.
- Ah, então isso é uma carta? Por um segundo, eu achei que você também fosse se ajoelhar e ler um poema! – comentou Ty, em meio às risadas do amigo. Nina estendeu as mãos para pegar a carta, mas Chris não se mexeu.
- Na-nã. Antes eu preciso falar com você. Em particular.
- Desculpa, Chris, mas... – Ty começou
- Ty, sem querer ser grosso, o assunto é com a Olenova.
- Mais grosso, você quer dizer – respondeu Nina, pela primeira vez. – A carta é minha, Parker. Eu não sei o que a minha coruja estúpida estava pensando.
- Resolveu falar? Ótimo, vem aqui e eu te dou a carta. – Ty e as meninas acompanhavam a conversa como uma partida de tênis. Nina sacudiu os cabelos.
- Tanto faz. Ty, fica por perto. – Ty bateu continência e fez um sinal positivo para Chris, enquanto os dois se afastavam da confusão do baile. – Muito bem. O que você quer? – Nina falava da maneira mais fria possível.
- Apesar de achar que você não merece e ter certeza de que a culpa disso tudo foi sua...pedir desculpas. – respondeu, sério – Não pela parte de fazer a cabeça do Michael para te levar naquele lugar horrendo. Afinal, você disse que estava interessada nele, não? Mas por ter envolvido a Geórgia na história. Foi um pouco demais.
Nina parecia ter visto uma assombração. Não moveu um músculo.
- A minha carta.
- Olenova, eu não vou implorar. Mas já estava ficando ridículo você se esconder cada vez que um de nós passava. Ridículo para você.
- Terminou? A minha carta.
- Tudo bem, depois não diga que eu não falei. Sua carta. Eu juro que não li...dessa vez. – e deu seu sorriso cínico habitual, esperando alguma reação. Qualquer reação. Nina segurou a carta e continuo o encarando. – Uhnn...algum problema?
- Você vai continuar aí? Parado?
- Te incomodo?
- Bastante. E sua linda acompanhante parece impaciente. À propósito, qual é o nome dela?
- Garota Loira 3. E prefiro saber o que está escrito na carta – Nina arregalou os olhos, pronta para responder, mas Chris continuou – Calma! Minha mãe não tem mandado notícias. Quem sabe a sua não diz alguma coisa. Quero saber se eles estão bem. – Nina ficou calada durante alguns momentos, considerando a hipótese e balançou os ombros.
- Tudo bem – e Chris sorriu. – Ela só deve estar mandando notícias de casa ou contando a última confusão dos gêmeos. “Espero que você esteja estudando bastante” blá, blá, blá...
- Você não é neurótica à toa... – interrompeu Chris e Nina não pode conter um sorriso, sem tirar os olhos do papel. O garoto parecia aliviado.
- “Ivan e Nico estão bem e também mandam beijos” blá, blá, blá. Viu? Nada extraordinário. Ela não comentou sobre a sua... – Nina emudeceu por alguns segundos e prendeu a respiração enquanto lia o resto da carta. Parou.
- Hey...Olenova? O que foi? – Chris se aproximou, examinando a expressão da menina – Está tudo bem?
- Não...não está. Meu pai...ele... – Nina tentava evitar soluçar para não chamar a atenção dos amigos. As lágrimas queimavam seu rosto. – Ele está no hospital. Inconsciente. Os médicos...os médicos falaram que existe uma mínima...chance...absolutamente...mínima... – e parou porque as palavras começaram a fazer com que sua garganta ardesse incontrolavelmente. Chris parecia dividido entre falar alguma coisa que pudesse consolar a garota ou chamar uma das amigas de Nina. Acabou optando por segurar a mão da menina e tirar a carta presa entre os dedos. Queria ver a notícia com seus próprios olhos. Voltou a falar depois de alguns segundos, interrompendo o choro silencioso de Nina.
- Olenova...você leu a carta até o final? – perguntou com uma voz que não parecia a dele.
Nina não respondeu. Estava concentrada na batida sem sincronia que sentia no peito.
- Meu pai e seu pai foram encontrados juntos. Aparentemente, um ataque duplo de algum comensal. Meu pai está morto.
Nina não tinha certeza se tinha ouvido aquilo de verdade ou se era somente uma voz dentro de sua cabeça. Queria que o tempo passasse logo, que Chris saísse dali. Queria conseguir levantar a cabeça, conseguir gritar, mas continuou encarando o chão, muda. Os dois passaram um bom tempo – ou alguns segundos, ela não soube dizer - assustados demais para sequer respirar. Nina parecia finalmente ter encontrado forças pra ordenar que a cabeça se mexesse e olhou para Chris. Não sabia se ele também a estava olhando ou se estava enxergando além dela, mas desejou que ele parasse. Quando conter as lágrimas se tornou uma tarefa impossível, o menino olhou uma última vez em sua direção – e agora ela podia ter certeza de que ele estava olhando em sua direção – e virou as costas. Era a primeira vez que ela enxergava sinceridade naquele olhar frio.
- Chris...- chamou, ainda sem certeza do que iria falar, mas já surpresa por conseguir falar – Eu sinto muito.
- É. Eu também. – respondeu, sem virar as costas e continuando o caminho em direção à saída do salão. Os corações, as bolhas, as músicas alegres. Nina estava odiando tudo. Tudo. Queria que cada aluno desaparecesse e que sua cabeça fizesse o favor de parar de girar. Fechou os olhos e encostou o corpo na superfície fria, rezando para acordar.