‘Não consigo mais’ Disse chorando, olhando para ele suplicante.
‘Só mais um pouco, meu amor’ Ele apertou minha mão e a beijou ‘Já vai terminar, eu prometo’
‘Evie, só mais uma vez’ O curandeiro falou me olhando por cima da barriga ‘Mais uma e ele sai. Conte até três e empurre’
Respirei fundo e contei até três, reunindo toda força que ainda me restava. Era uma dor que nunca senti antes, parecia que ia morrer, mas segundos depois vi o curandeiro puxar um bebê muito pequeno e leva-lo embora. Deitaram-no em uma incubadora e o cercaram rápido.
‘Acabou’ Micah beijou minha testa, também parecendo cansado ‘Acabou’
Ele deitou a cabeça sobre a minha e ficamos encarando o cerco de curandeiros em volta do bebê, que não emitia som algum. A dor já havia passado, mas ainda chorava, e sabia que Micah se esforçava ao máximo para transparecer calma e demonstrar força perto de mim. Os curandeiros se afastaram do vidro e o vi de relance. Era tão pequeno e frágil, e não movia um músculo. O curandeiro que o tirou de dentro de mim o pegou no colo e caminhou até a cama. Estendi a mão para segura-lo e Micah virou o rosto, se afastando, sem conseguir olhar pra ele. Segurei-o em meus braços e passei o dedo em seu rosto minúsculo.
‘Me perdoe’ Disse alisando seu rostinho, e uma lágrima pingou em sua mãozinha ‘Nunca se esqueça que eu te amo’
‘Unhééé’
Acordei assustada, me embolando no lençol. Meu rosto estava molhado e percebi que eram lágrimas, embora não lembrasse porque havia chorado. Minha respiração estava pesada, era como se tivesse feito esforço, como correr uma maratona, eu suava também. Atirei a coberta pro lado e levantei, pegando o boneco do berço improvisado em uma das gavetas. O choro dele acabou fazendo os outros bonecos despertarem e o quarto se encheu com o berreiro de 5 bebês de borracha.
‘O que foi agora, criatura?’ Disse enquanto sacudia o boneco, sem paciência ‘O que você quer agora?’
‘Temos que combinar as noites em que eles dormem aqui’ Milla falou bocejando, enquanto balançava o bebê tão alto que seu corpo ia junto ‘Se um chora, todos choram. É uma reação em cadeia!’
‘Calma, Hemingway’ Nina conversava com o boneco de olhos fechados, sentada na cama ‘Mamãe está aqui’
‘Não podemos mesmo dar calmantes a eles?’ Vina perguntou dando tapinhas nas costas do boneco dela ‘Tenho uma poção no armário que é tiro e queda’
‘Acho que a professora Mira vai saber se drogarmos o bebê, Vina’ Annia respondeu mal humorada, trocando a fralda do boneco.
Continuamos a embalar os bebês por mais de meia hora, e quando o de Nina finalmente se calou, os outros também acalmaram. Coloquei o meu de volta na gaveta aberta e voltei pra cama engatinhando, cansada. Apaguei assim que encostei a cabeça no travesseiro e o que quer que tenha sonhado antes, não voltou à minha mente.
*****
Acordei na manha seguinte à revolta dos bebês com olheiras que me deixaram similar a um guaxinim. Sai da república de mau humor, o bebê preso debaixo do braço, ignorando suas ameaças de começar a chorar. Não podia passar ele ao Dario, era o meu dia de cuidar do boneco, então teria que suportá-lo até de noite.
Agüentei uma aula de Literatura Mágica, onde a professora conferiu o andamento do projeto e fiscalizou cada boneco, para saber se não tinham sofrido algum tipo de descaso nosso, uma aula de Transfiguração, onde o bebê teve uma crise de soluços, seguida de um ataque histérico que só parou depois que alimentei, brinquei e troquei a fralda, tudo isso sob o olhar capaz de cuspir fogo da professora Mesic, que só faltava urrar quando mais algum bebê era contagiado pelo ataque do meu, e dois tempos de poções, onde graças a Merlin tivemos uma revisão para os N.I.E.M.s e o professor pediu que fizéssemos a Poção da Paz. O seu cheiro acalmou os bebês, que dormiram profundamente.
Apesar de ter sobrevivido às aulas da manha, foi impossível freqüentar o clube dos duelos e o clube de transfiguração avançada. O bebê recomeçou a chorar logo depois do jantar e não houve balanço, canção ou reza que o acalmasse. Tentei todos os recursos possíveis, cheguei até a pedir socorro ao meu avô para que me dissesse o que fazia quando meus tios tinham crises de choro, mas nada funcionou. Fiquei sentada no pátio sacudindo o boneco e sequer a neve que caia foi capaz de, quem sabe, congelá-lo e fazê-lo calar a boca. Estava quase chorando junto com ele e peguei meu material tremendo de nervosa, caminhando até o teatro da escola. Dario ensaiava alguns passos de dança no palco junto com Georgia e parou quando me viu entrar, correndo até as poltronas.
‘Toma que o filho é seu’ Empurrei o bebê pras mãos dele, que o segurou de qualquer jeito ‘Não agüento mais, ele está chorando há 3 horas!’
‘Evie, não posso!’ Dario tentou empurra-lo de volta, mas recuei com as mãos erguidas ‘Estou ensaiando, como vou cuidar dele?’
‘Não sei, mas se ficar com ele mais dois minutos, vamos ser reprovados’ Falei irritada pelo choro alto do boneco ‘Vou enfiar a cabeça dele na neve!’
‘É assim que você vai cuidar do seu filho, quando tiver um?’ Ele riu do meu estado de nervos, mas não achei graça ‘Enterrando ele na neve quando chorar?’
‘Bebês não choram 3 horas seguidas, só E.T.s’ Respondi azeda e ele riu ainda mais ‘Tente ao menos acalmá-lo, você leva mais jeito’
Dario se deu por vencido e começou a andar de um lado pro outro embalando o bebê e cantando baixo perto de seu ouvido. O choro persistiu por mais alguns minutos, mas ele finalmente se calou, e Dario o colocou com cuidado em uma das poltronas, sorrindo vitorioso.
‘Pronto, dormiu. Deixe-o ai, não se atreva a movê-lo’ Disse enquanto caminhava de costas de volta pro palco ‘Quando acabar o ensaio, levo ele pra minha república’
Agradeci a ele e pensei em ir embora dormir, mas estava tão cansada que não sabia se seria capaz de chegar até as repúblicas. E já que estava ali, resolvi assistir ao ensaio deles. Sentei em uma poltrona de onde pudesse ver o boneco e prestei atenção no palco. Alguns minutos depois o professor percebeu que não havia saído e veio até mim, sentando ao meu lado.
‘Como você está?’ Perguntou sorridente ‘Soube que desistiu das minhas aulas porque não estava bem’
‘Estou um pouco melhor, obrigada’ Sorri para ele e apontei para o palco ‘O que eles estão ensaiando?’
‘A cena em que são despejados do apartamento onde moram’ Explicou ‘Dario é excelente, tem futuro no teatro musical, se desejar trabalhar com isso’
‘É, ele é bom mesmo’ Concordei. Era a primeira vez que via meu primo no palco e ele parecia tão à vontade, como poucos ali.
‘Deve ser de família’ Ele brincou, me encarando ‘Se você quiser, também vai longe nesse ramo’
‘Eu gosto bastante, mas nunca cheguei a considerar trabalhar com isso quando saísse daqui’ Respondi sincera. Embora freqüentasse a oficina de artes desde o primeiro ano, só havia descoberto vocação para teatro musical no ano passado.
‘Pois se quiser considerar a idéia, posso ajudá-la a conseguir bons testes na West End e até na Broadway’
‘Prometo que vou pensar no assunto’ Disse sorrindo
‘Sei que não adianta pedir que volte ao grupo para se apresentar na peça, mas estou precisando muito de uma contra-regra’ Ele me encarou outra vez, esperançoso ‘Preciso de alguém que compreenda as necessidades da peça, não pode ser qualquer um. E você é a pessoa certa pro trabalho’
‘Não sei... Não tenho tido tempo pra nada, posso acabar prejudicando a peça’ Disse incerta. Era uma oferta boa, mas tinha medo de me comprometer e acabar decepcionando o professor e meus amigos.
‘Tenho absoluta certeza que você não vai prejudicar a peça. É perfeitamente capaz de dar conta to trabalho’ Ele levantou da poltrona e sorriu ‘Pense a respeito e me responda depois’
Ele voltou ao palco para corrigir alguns passos de Chris e Gabriel e debrucei o corpo na poltrona da frente, assistindo ao restante do ensaio. Quando ele terminou, voltei com meus amigos pras repúblicas. Sentia falta do teatro, mas não queria me comprometer em participar da peça, mas quem sabe eu possa mesmo trabalhar nos bastidores, pra variar um pouco...