Já havia se passado uma semana desde que as aulas haviam recomeçado e apesar de todo o apoio das meninas, me sentia cada dia mais sozinha. Sabia que não estava só, mas era inevitável me sentir assim. O sentimento de culpa que me consumia era tão grande que não sabia como administrá-lo. Não sentia vontade de fazer nada, freqüentava as aulas por obrigação. A única coisa que me motivava era a idéia, ainda que remota, de encontrar um meio de afastar meu pai da família do Micah. Abandonei as aulas de teatro por não ter mais animo em ensaiar e cheguei a cogitar largar o jornal, mas Georgia me impediu. Para garantir que iria a todas as reuniões, ela ia me buscar no quarto e me arrastava até lá, com o apoio das meninas. Forçava-me a ficar na redação, embora não me delegasse muitas tarefas, como matérias mais complicadas. Pedia apenas minha opinião para tudo, se certificando que participava de todas as decisões do jornal. Nunca cheguei a dizer a ela, mas estava agradecida por me obrigar a fazer isso. Afastava um pouco minhas preocupações.
Depois da reunião da terça-feira, combinei de encontrar Vina na biblioteca. Estávamos fazendo uma varredura em todos os livros de historia da escola, em busca de alguma dica sobre o nome Accolon. Quando cheguei, encontrei-a cercada de livros, parecendo exausta.
‘Encontrou alguma coisa?’ Perguntei me sentando ao seu lado
‘Nada’ Respondeu fechando o livro que lia ‘Annia e Milla estavam aqui ajudando, mas foram pros clubes de alquimia e o DQC’
‘Não existe nenhum tipo de registro sobre o nome?’ Falei desanimada, puxando um dos livros pra mim ‘Não é possível, ele deve ter saído de algum lugar’
‘Encontrei apenas um capitulo sobre a lenda do Rei Arthur, dizendo que ele era amante da Morgana e inimigo do Arthur. É o único registro, nas lendas dos Cavaleiros da Távola Redonda’
Ouvi as últimas palavras de Vina e foi como se um filme passasse na minha cabeça. Lembrei de uma conversa que tive com Micah, meses atrás, onde ele me contava da descoberta de uma sociedade secreta em Durmstrang, intitulada Reis & Sombras. Lembrei que ele me disse, alguns dias depois de me revelar a descoberta, que os membros dela se escondiam atrás de mascaras e codinomes. Codinomes tirados dos Cavaleiros da Távola Redonda.
‘Evie? Ouviu alguma coisa que eu disse? Evie?’ Vina estalou dos dedos na minha cara e saltei da cadeira
‘Desculpa’ Sacudi a cabeça saindo do transe e a encarei ‘O que você disse?’
‘Acho que não vamos encontrar nada aqui na biblioteca, temos que pensar onde mais podemos procurar’
‘Tem razão, não vamos encontrar nada aqui. Lembrei de uma coisa que Micah me contou’ Falei baixo e ela se aproximou, percebendo que era segredo ‘Tem uma sociedade secreta aqui chamada Reis & Sombras, e eles usam os nomes dos Cavaleiros da Távola Redonda para se esconderem. Meu pai faz parte dela, tenho certeza disso!’
‘Sociedade secreta? Aqui?’ Vina riu ‘Acho que Micah estava brincando, Evie’
‘Na época eu também achei, até sugeri que ele estava vendo filmes demais, mas ele me mostrou provas. Aquelas cruzadinhas que Annia vive fazendo, são enigmas criados pela sociedade, para os membros dela. Se pudermos decifrar alguma, podemos ter um ponto de partida’
‘Será que no jornal encontramos, então?’ Vina agora acreditava em mim
‘Com certeza! Foi vasculhando edições antigas que Micah descobriu sobre ela’ Começamos a juntar os livros espalhados na mesa e guardar nas prateleiras ‘Quinta-feira não tem expediente, vamos visitar a redação a noite’
Vina assentiu com a cabeça e terminamos de guardar os livros, saindo da biblioteca. Apenas nós duas não tínhamos aula extra terça a noite e vagamos ainda por um bom tempo pelos jardins, conversando, fazendo hora até a aula de astronomia. Faltavam alguns minutos para ela começar e Vina subiu para a torre com Victor e Ricard, mas disse que ia pegar meus livros na republica e os encontrava lá, indo na direção contraria. Mas a verdade era que não ia à aula. Não sentia a menor vontade de passar uma hora e meia observando as estrelas e ouvindo o professor dizer o quão romântico aquilo poderia ser, se as observássemos ao lado da pessoa amada. Seria demais pra mim.
‘Ei! Evie!’ Ouvi a voz de Dario me chamando quando estava entrando na Avalon e parei ‘Espere!’
‘Oi Dario’ Voltei para o jardim para falar com ele ‘Não devia estar na aula de astronomia?’
‘Assim como você’ Ele disse se esquivando e ri ‘É verdade que saiu do teatro? Acabei de vir de uma aula extra e sua amiga Nina disse que você não ia participar esse ano. O professor quase enfartou’
‘É verdade sim. Não estou com cabeça para teatro esse ano’ Disse um pouco desanimada ‘Qual peça vão fazer?’
‘Rent’ Dario respondeu animado ‘Ele começou a distribuir os papéis hoje, estou entre o papel de Mark ou Tom, ele vai decidir semana que vem’
‘Já ouvi falar nessa peça, vai ser legal. Georgia ficou com que papel?’
‘Mimi Márquez. Ela dança muito bem, fiquei surpreso’ Ele falou ainda animado, mas logo mudou o tom de voz ‘Mas se você estivesse no elenco, ele provavelmente daria outro papel a ela’
‘Não posso, de verdade. Eu não conseguiria me concentrar’
‘Sei que está triste por causa do Micah, mas não acha que deveria se ocupar para distrair?’
‘Não é só isso. É mais complicado’
‘Então me deixe ajudar, Evie’ Dario apertou meu ombro e o encarei, me sentindo cansada ‘Não sou burro, sei que algo grave aconteceu. Conte o que houve, deixe-me ajudá-la’
Encarei Dario por mais alguns segundos e apertei sua mão em meu ombro, o abraçando em seguida. Já fazia algum tempo que Dario passara da posição de primo para a de amigo, e sabia também que poderia contar com a ajuda dele. Estava na hora de alguém da família saber o que realmente estava acontecendo e, no momento, não via pessoa melhor para isso do que ele.