Saturday, March 22, 2008

Rabiscos de Renomaru G. Kollontai

- Ah me dá isso aqui!
- Quem tem que aprender? Eu ou você?!
- Você! Mas não tenho culpa se você tem o cérebro de um peixe!
Falei estressado para o Ty e tomando o frasco de terra das mãos dele. Joguei com um pouco de raiva o frasco na mesa e dando um tapa por cima dos cacos transmutei o seu conteúdo em pequenos fios de uma cor escura, fios este de pura terra, logo mais resistentes que um fio comum.
- Viu? Simples assim. – falei bufando.
- Que divertido! Agora posso te lembrar que sou EU que tenho que aprender?! Eu sei que você sabe fazer isso! Mas eu não!!
- Estou tentando te ensinar!
- Ah claro, ai na minha primeira tentativa você se estressa e arranca os ingredientes da minha mão! Como a Annia te agüenta?! Você precisa de um pouco mais de didática! E muito mais calma.
- E você precisa de mais neurônios! Infelizmente ainda não consigo transmutar ar em neurônios se não era só eu fazer isso e pronto! – Eu disse enquanto dava um tapa de leve na testa do Ty.
- Então aprenda logo isso e me ensine, porque aí posso transmutar esse seu rancor todo em um mínimo de paciência. – ele disse me dando um tapa no peito.
– Não se esqueça que você se ofereceu a me dar aulas.
- Afff tudo bem. Vou tentar ser mais calmo, feliz? – falei enquanto dava de ombros e lançava um olhar ácido.
- Maravilhoso! Só falta um sorriso para ficar melhor. Não, não faz isso não que eu acho que levo um susto...
- Posso continuar? – falei lançando-lhe um olhar de reprovação enquanto ele ria e fazia que sim com a cabeça, se concentrando nas minhas palavras.
– Muito bem...Você aprendeu o básico de alquimia nas aulas da minha mãe, pelo menos espero que tenha aprendido. Comigo é totalmente diferente dela e com a Annia. Não tenho paciência para ensinar e sou muito mais rígido. Vamos pular o básico então, vou fingir que você já domina o básico... Apenas fingir. -falei cutucando-o com as palavras e ele fingiu estar chocado.
– A Alquimia é a ciência que procura entender a natureza e modifica-la para uso próprio. A alquimia pode tanto ser usada de modo benigno quanto maligno. Com a alquimia você pode fortalecer os ossos de uma pessoa, criar um escudo ou uma parede de proteção do mais simples solo. Mas com ela você também pode quebrar as ligações entre partículas, abrindo buracos e rançando pedaços de membros de suas vítimas. Ela já foi inclusive usada como forma de tortura, pois através dele pode-se ao mesmo tempo tratar as feridas e provocar feridas piores. Na alquimia estudamos também os elementos e produtos destes, para melhor entender a estrutura dos objetos e seres e saber o melhor modo de usá-los; remonta-los, ou destruí-los. Está entendendo?
- Sim, não me trate como um idiota que não sabe nada. – Ele falou zangado, e notei que prestava atenção em cada uma das minhas palavras.
- É que com essa sua cara de bobo me faz crer que você é assim mesmo... Me prove que não é e eu pararei...Continuando... Então o básico para se fazer qualquer alquimia é conhecer a estrutura do que se quer transmutar, modificar, criar ou destruir. Isso é o pensamento mais básico da alquimia. Você não vai conseguir transmutar coisa alguma sem conhecer o mínimo que seja. Depois é necessário um canalizador para a transmutação. Existem várias formas de canalizadores, a maioria das pessoas utiliza círculos alquímicos, que são círculos com desenhos, runas e inscrições que servem para indicar que tipo de transmutação você quer fazer.
- Mas se é assim, esses círculos não são muito úteis porque se tornam muito específicos. – ele falou me cortando e me segurei para não brigar porque ele tinha dito algo inteligente.
- Até que você pensa... Muito bem é isso mesmo. Os círculos são muito específicos, e se você tem tempo de sobra para jogar fora você pode preparar o círculo antes de uma transmutação. Mas como seu objetivo é usar alquimia para defesa e ataque, seria inútil. Então para facilitar as coisas, eu uso o poder mágico, e a própria varinha como catalisadores. Porém, algumas das alquimias mais avançadas ainda precisam de círculos herméticos e transmutação. Por isso eu sempre ando com algumas prontas.
Abri meu casaco e mostrei vários papéis com círculos, runas e desenhos. Eu sabia para o que cada um deles servia e escolhia o que melhor me ajudaria, mas para o Ty eram coisas fascinantes, mesmo que ele não os entendesse direito.
- Hum... Eu já vi esse círculo em algum lugar... – Ele disse enquanto apontava para um círculo perfeito, com runas nas bordas e uma imensa estrela de seis pontas no centro.
- Sim, é um círculo de proteção, com ele você pode fortalecer qualquer material. Vou deixá-los com você. Muito bem vamos praticar agora? Quero que você se concentre na estrutura da terra. Concentre-se nos elétrons, prótons e nêutrons, concentre-se também nas partículas mágicas que esse pouco de terra possuiu e depois concentre-se na nova forma que você quer que ela assuma, enquanto libera energia para o processo. É bem parecido com transfiguração.
Falei enquanto tocava com a varinha nos grãos de terra e eles se transmutavam em várias miniaturas de terra. Ele sorriu e fechou os olhos enquanto se concentrava. Depois de um tempo ele deu um toque de leve com a varinha e uma fumaça acinzentada subiu. No lugar onde estavam os grãos de terra agora havia um grande buraco na mesa. Eu cai na gargalhada enquanto ele ficava sem graça e um pouco constrangido. Ele pegou mais um pouco de terra e tentou novamente. Dessa vez houve uma explosão e a terra e pedaços da mesa voaram para o rosto dele, prendendo nos cabelos e sujando seu rosto.
- Pronto, incrível, você conseguiu criar seu próprio elmo! Está muito avançado.
- Idiota. – ele falou com um pequeno sorriso e começou a tirar a terra dos olhos para tentar novamente. Dessa vez não aconteceu nada, parecia até que a terra estava rindo dele.
- Você que é um idiota, Ty!
- Que posso fazer se não sou como você?!
- Treine mais. Você não treina horas e horas de quadribol? Nunca o vejo treinando alquimia, por isso você não passa do básico. Enquanto algo inútil como o quadribol você dedica horas!
- Treino quadribol porque eu gosto e quero. E porque é mais divertido do que passar horas olhando para um monte de terra e não fazer mais nada!
- Ah e ficar correndo atrás de umas bolinhas estranhas montado em vassouras, enquanto recebe boladas e encontrões dos outros jogadores, é muito divertido se você gosta de um jogo de trogloditas! – falei irritado e ele alteou a voz para responder.
- Pelo menos assim eu tenho amizades e um círculo social maior do que frascos e desenhinhos circulares!
- O que você quer aqui, Tyrone? Você está fugindo de alguém? Está procurando algo? Porque nada do que você diz ou faz me faz crer que você está aqui por qualquer motivo plausível. Você fica se pavoneando por todos os lugares, querendo a atenção de todos. Querendo provar algo, mas que até não conseguiu nada!
Nós dois ficamos quietos nos encarando, sabendo que tínhamos ido longe demais. Depois de um tempo virei o rosto e olhei para o outro lado enquanto ele fazia o mesmo. Eu cerrava os punhos pelo que ele havia dito, por ter dito que eu não tinha amizades. Mas na verdade o que me deixava com mais raiva era que ele estava certo. Eu me fechava em um mundo pequeno e solitário, me afastando de quase todos... Cerrei mais o punho, agora com raiva de mim mesmo, e lágrimas de ódio vieram aos meus olhos, mas as controlei antes que se mostrassem. Então olhei um pouco para o Ty e ele também parecia estar se segurando, abrindo e fechando os punhos, talvez pensando em algo mais profundo e importante a dizer ou quem sabe ia me quebrar a cara. Ele parecia carregar um peso grande demais para seus ombros, grande demais para sua idade. Ele era uma pessoa madura, talvez mais do que eu, mas mesmo assim seja lá o que fosse que o atormentava, não era pouco. Eu havia visto aquele olhar e esse sentimento apenas em mais umas duas ou três pessoas.
- Me perdoe Tyrone. – falei enquanto soltava o ar lentamente, dando-me por vencido. Ele me encarou e sorriu levemente.
- Eu que peço desculpas, Reno. Não devia ter dito aquelas coisas horríveis.
- E eu também não devia tê-lo acusado e falado assim de você, sem saber seus motivos. E infelizmente você está certo. Eu me fecho nesse meu mundinho...
- Mas porque você faz isso? Você é inteligente, é até divertido, poderia ser muito popular. Mais do que você é. Porque você é popular, todos comentam da sua inteligência, até mais do que o fato de você ser rabugento... Mas você se afasta de todos.
- Porque eu realmente não quero me aproximar demais... Não sei quando terei que sumir novamente... Não sei quando vou ter que esquecer todos, mudar meu próprio nome.
- Sumir? Novamente?
- Tyrone...
- Ty, por favor. Tyrone só quando dona Alex quer me arrancar o couro. - riu e eu sorri com ele.
- O que vou lhe dizer é segredo absoluto. Nessa escola apenas minha mãe e a Annia sabem sobre isso. E eu juro pelo sol, pela lua, por Marte e por Mercúrio, que se você comentar isso com alguém, nem minha mãe vai conseguir achar os seus pedaços.
- Pode confiar em mim. – Ele falou, mas vi que engoliu em seco com minha ameaça.
- Eu e minha mãe já tivemos que nos mudar várias vezes. E mudamos nossos nomes, adotando o nome dela quando solteira, apagando os registros que nos ligam ao passado. Só estamos estáveis aqui em Durmstrang por causa da ajuda das pessoas daqui, da família da Annia, e dos Chronos.
- O que os Chronos têm a ver com seu passado?
- Nossas famílias sempre foram amigas. Minha mãe e a Celas Chronos foram amigas de infância e estudaram um tempo juntas. Nos piores momentos de cada uma, sempre estavam se apoiando. E os Chronos nos protegem até hoje. Porque meu pai foi assassinado por um comensal... – vi algo passar por seus olhos, uma mescla de surpresa e companheirismo, e uma tristeza que fez o peso que eu sentia em seus ombros aumentar.
– Alucard e Mirian Chronos capturaram quem matou meu pai, e este foi morto por Alucard que não resistiu ao saber da tortura que meu pai passou.
- Isso é bem coisa do Tio Lu...
- Esqueci que você o conhece...
- Ele é meu tio de consideração, como meu segundo pai... Mas porque seu pai foi morto?
- Meu pai era um alquimista. Realmente poderoso e inteligente. Ele é meu ídolo e tento me espelhar nele na alquimia. Por isso me empenho tanto, quero realizar alguns sonhos, meus e dele... E superar o meu passado...
- Que passado? Superar por quê?
- Meu nome de verdade é: Renomaru Goldensun Kollontai Honenheim Flamel.
- Flamel?! Peraí, Flamel de “Nicolau Flamel”?! – fiz sim com a cabeça e ele entendeu o que eu queria dizer e ficou chocado e surpreso.
- Sim, ele mesmo. Ele é meu tataravô... Minha mãe é trineta dele. Mas nós o chamamos de vovô.
Mas os Comensais achavam que meu pai era mais habilidoso e que meu avô passara os conhecimentos dele para ele. Eles queriam que ele criasse uma pedra filosofal para o Lord das Trevas. Meu pai se recusou, e eles o torturaram e o mataram... Desde então eu e minha mãe abandonamos o nome de vovô e de meu pai e passamos a usar o nome Kollontai, nome da vovó Nelle, quer dizer, Perenelle. Nós tivemos que nos esconder por um tempo, e os Chronos e a família da Annia nos ajudaram a nos estabelecermos secretamente aqui.
- Alguns já comentaram que meu dom em alquimia é parecido com o do meu avô, e às vezes me chamam de Flamel, mas eu não deixo que mantenham isso... É perigoso... Imagina se pegam algum de nossos amigos como refém? Hellion quis usar a imagem de sua irmã.
- Jamais imaginei que seus motivos poderiam ser estes... Sempre achei que era puramente um mau humor contínuo. Não se preocupe, Reno, seu segredo está a salvo comigo. E pode contar comigo para o que der e vier. Você tem um novo aliado aqui. – Ele falou e me estendeu a mão, que eu apertei feliz.
- E você também tem um aliado aqui, Ty. Não desejo que me conte seus motivos, nem seus interesses, mas peço que me permita ajudá-lo a aprender alquimia, sei que poderei ajudá-lo e quem sabe sermos amigos. - e vi quando ele sorriu maroto e puxou a metade de um sanduíche de carne das vestes e disse:
- Agora mostra que é bom mesmo em alquimia e vamos aumentar este sanduíche, a aula de hoje me deixou com fome. – fiquei dividido entre transmutá-lo em um burro ou rir. Acabei escolhendo a segunda opção e disse:
- Vem, comigo. Pelo menos por hoje você pode dizer que a alquimia te ajudou a conhecer um novo caminho para a cozinha.