Evie estava sentada sozinha no banco escrevendo freneticamente em um pedaço de pergaminho quando Micah se aproximou e deitou no espaço vazio do banco, encarando-a sorridente. Ela ainda tentou ignorar a presença dele, mas não conseguiu. Dobrou o pergaminho impaciente e o encarou também.
‘Bom dia, Keith Richards’ Ele disse debochado. Ela quase rosnou, corando
‘Quer alguma coisa?’
‘Sim. Quero saber onde está aquela garota que ficou comigo ontem na festa’
‘Ela era uma bêbada, garanto a você que nunca mais voltará a vê-la’
‘Uma pena, porque gostei dela’ Ele se mexeu no banco para se aproximar mais
‘Não amola Micah, somos só amigos e eu estava fora do meu juízo ontem’
‘Se todas as minhas amigas fizessem o que você fez ontem comigo, se falassem tudo que ouvi de você, ah meu amor, eu estaria no paraíso’ Ele riu e ela levantou do banco vermelha, olhando furiosa para ele antes de sair
Ele continuou rindo vendo ela se afastar irritada e o vulto de cinco pessoas atrás dele cobriram o gramado. A última coisa que Micah viu foram os cinco rostos sorrindo perigosamente antes de receber uma pancada forte na cabeça. Depois tudo ficou escuro.
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Vozes abafadas o acordaram. Ele abriu os olhos com dificuldade, sentia-os pesados. Virou a cabeça para o lado e notou que estava em um local escuro, abafado e feito de pedras. Uma masmorra familiar. Seu corpo inteiro doía. Suas mãos e pés estavam amarrados a estacas de ferro presas nas quatro pontas da mesa de pedra onde se encontrava deitado. Ele havia apanhado covardemente de cinco pessoas, sem chance de reagir. As mesmas pessoas donas das vozes abafadas que riam não muito longe de onde ele estava. Ele sabia quem eles eram, e isso não era bom. Ele sabia que não o deixariam sair dali com vida, arriscando entregá-los. Forçou os braços para tenta arrebentar as cordas, mas foi em vão. O barulho causado por seu esforço acabou chamando a atenção dos covardes. Eles se aproximaram dando risadas altas e forçadas, se divertindo com a expressão de horror estampada em seu rosto. Estavam todos usando máscaras, não tinham coragem de mostrar o rosto. O mais corpulento dos cinco se aproximou e apertou seu rosto com força. Os outros deram risada.
‘Olhem só, um cordeirinho acuado’ Falou com desdém e seus capachos riram com mais vontade ‘Você parecia mais valente ontem, se metendo com quem não devia’
‘Dê logo um fim nele, Gauvin’ Um dos garotos falou em um tom de voz vibrante
‘Cale a boca, não use meu nome!’ O corpulento respondeu furioso avançando para cima do outro, que recuou
‘Que diferença faz? Ele não vai poder contar a ninguém, não vai sair daqui’ O mais alto deles falou rindo
‘Tem razão, meu caro amigo. Boa noite, sangue-ruim’ Dizendo isso, o corpulento acertou o cotovelo em seu rosto com violência. Mais uma vez tudo ficou escuro.
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Quando Micah abriu os olhos outra vez, o cenário era o mais diferente possível do anterior. Paredes brancas e muitas janelas o cercavam. Suas mãos e pés estavam livres e estava deitado sobre uma cama macia e confortável. Tentou se sentar, mas o corpo ainda doía demais. O gosto de sangue ainda não saíra de sua boca e ele notou que sua mão direita estava enfaixada, assim como seu rosto continha alguns curativos. Alguém pigarreou ao seu lado e ele pareceu surpreso ao ver quem era.
‘Como está se sentindo?’ Chris perguntou com uma expressão sincera de preocupação
‘Estou ótimo, nunca me senti melhor’ Ele respondeu com sarcasmo. Chris não riu
‘Você podia ter morrido. Se não tivesse chegado a tempo, a poção que lhe deram não teria mais reversão’
‘Que gentil da sua parte, como poderei retribuir o favor?’ Micah mantinha o tom de deboche na voz
‘Que tal se começar parando de agir como um idiota?’ Chris pareceu irritado pela primeira vez ‘Tentaram te matar! Você tem consciência disso? Tem alguma noção de que poderia estar morto? Isso é sério, não é hora de bancar o engraçadinho. Fiquei desesperado quando encontrei você desmaiado com dificuldade para respirar!’
‘Desculpe’ Disse se sentindo desconfortável ‘Obrigado por me trazer para cá, mas por que fez isso?’ Não se conteve e perguntou
‘Por mais chocante que possa parecer pra você, não sou como eles. Já faz algum tempo que venho me afastando de algumas coisas, mas o que fizeram com você foi a gota d’água’
‘Mas como você-’
A porta da enfermaria se abriu com violência e Ty e Iago entraram correndo, assustando a enfermeira. Quando viu Chris parado ao lado da cama de Micah, Ty fechou os punhos e traçou uma reta até ele, mas foi detido por Iago.
‘O que veio fazer aqui?’ Falou com rispidez ‘Mandaram você vir checar se o trabalho foi bem feito?’
‘Não, o trabalho não foi bem feito, ele está vivo’ Chris respondeu paciente. Ty ia avançar para cima dele, mas Iago mais uma vez o segurou
‘Não Ty, tudo bem, foi ele que me salvou’ Micah falou com a voz ainda fraca
‘O Chris é legal, cara’ Iago falou parecendo satisfeito com o que ouviu ‘Sempre falei isso a vocês’
‘Como?’ Ty perguntou se desarmando, mas ainda encarando Chris com um olhar ameaçador
‘Era isso que ia começar a contar quando vocês invadiram a enfermaria feito dois hipogrifos’ Ele sentou outra vez na cama ao lado e os dois puxaram uma cadeira
Ninguém além de Chris falou durante os minutos que se passaram. Os três ouviam atentamente a ele contar que sabia desde o começo das investigações de Micah sobre a Irmandade e do perigo que ele corria ao presenciar além do que deveria, e que ao saber quem estava indo ao encontro dele horas depois do ocorrido, entrou em pânico imaginando o que poderia estar acontecendo. Ouviram sem interrupções ele contar que o encontrou minutos depois de deixar a república às pressas com a respiração quase inexistente e que por sorte havia um estoque de ingredientes de poções na masmorra, que lhe permitiu encontrar um bezoar que eliminasse o efeito do veneno que ele havia ingerido. E também de como entrou em contato com o pai quando ele voltou a respirar, antes de arrastá-lo até a enfermaria.
‘Por que não o trouxe direto até aqui?’ Ty o interrompeu ‘O tempo que perdeu procurando a porcaria da pedra poderia tê-lo matado!’
‘Depois de cinco meses, imaginei que não precisasse responder algo assim a você’ Chris riu um pouco ‘Como ia explicar a enfermeira que ele foi envenenado?’
‘Contando a verdade!’ Ty se exaltou e ficou de pé, mas Iago o puxou de volta à cadeira
‘Não podemos, ela correria perigo também’ Iago disse calmo, encarando Chris em busca de uma confirmação
‘Iago está certo. Micah já corre perigo, não poderíamos expor outra pessoa a isso. Mais simples explicar os machucados, se envolveu em uma briga, pronto’
‘Espere um pouco’ Micah falou pela primeira vez desde que Chris começou a contar sua história ‘Que história é essa de que corro perigo? E como todos vocês sabem disso?’
‘A tentativa de assassinato dessa manhã não lhe convenceu disso?’ Chris se virou para ele sério ‘Eles não pegaram você porque ontem estava agarrado com a Evie na festa, Micah. Isso foi apenas uma desculpa esfarrapada para tentar justificar. A verdade você sabe qual é. Tentaram apagar você por saber demais’
‘Mas e agora?’ Iago parecia preocupado ‘Quando eles souberem que Micah sobreviveu, as coisas vão se complicar. Eles vão tentar outra vez, não vai ficar por isso mesmo’
‘Foi por isso que entrei em contato com meu pai, e ele me deu ordens para que fique de olho nele. Pediu que não o deixasse sozinho, e que devia pedir ajuda a gente de confiança para mantê-lo vivo até que ele pense em uma solução. Posso contar com vocês para isso?’
‘Claro, vamos ser sua sombra agora, Micah’ Ty brincou, menos sério agora ‘Só não vou acompanhar você ao banheiro, tudo bem?’
‘Não quero três guarda-costas na minha cola!’ Micah reclamou irritado
‘Então que tal três amigos?’
Chris ficou de pé em sua frente e estendeu a mão. Micah ficou encarando-o por alguns segundos, e vendo que o garoto mantinha a mão firme, a apertou. Chris sorriu de leve e se virou para Ty, também estendendo a mão.
‘Tivemos um começo ruim, mas estou disposto a apagar os últimos sete meses e começar desse ponto. Você é o melhor amigo do meu primo, Gabriel gosta muito de você. Gostaria de ter a chance de descobrir o porquê’
Ty ficou de pé encarando-o sério, mas sorriu e apertou sua mão. Iago ergueu os braços no ar rindo, como se estivesse aliviado. Foi necessária quase uma tragédia, mas enfim, amigos.