Quinta-feira, 27 de Março de 1999
‘O acônito lapelo é uma planta extremamente venenosa da família do acônito, e juntamente com o acônito licoctono fazem parte de um mesmo gênero botânico’ O professor Mikhail falava enquanto caminhava pela estufa, observando atentamente nossas bancadas ‘Por que nem todos estão copiando? Vou cobrar plantas venenosas nos exames!’
No mesmo instante todos que ainda estavam de mãos vazias agarraram as penas e começaram a copiar suas palavras desesperados. O som da palavra “exame” sempre assustava. Mas Micah, que estava sentado na mesma bancada que eu, não se mexeu. Continuou fitando o professor com uma cara esquisita e depois de um tempo levantou a mão.
‘Professor, existe algum antídoto que possa reverter qualquer tipo de envenenamento?’ A turma parou de escrever para prestar atenção. Era a segunda vez no dia que ele questionava um professor sobre isso ‘Se, por exemplo, eu ingerir uma folha de acônito, ou um grindylow me morder, um mesmo antídoto pode salvar a minha vida?’
‘Excelente questão, Sr. Wade’ Mikhail pareceu animado com o interesse dele e sabia que agora faria de Micah um de seus favoritos ‘De fato, copiem todos, pois também será matéria dos exames. Existe apenas um único antídoto eficaz para todo tipo de envenenamento, e se chama bezoar. Todos já sabem o que é um bezoar, não preciso explicar. Mas se a pedra não for utilizada com rapidez, o veneno terá tempo suficiente de tornar-se irreversível’ Ele esperou até que estivéssemos copiado tudo e continuou ‘No entanto, existe um tipo de planta venenosa que nem o bezoar reverte. Ela se chama Belladona, e se dada a vitima pura ou em forma de chá, ela ganha uma passagem direta para abraçar Merlin’ Todo mundo riu e ele se virou para Micah ‘Tirei suas duvidas, Sr. Wade?’ Micah fez que sim com a cabeça e ele sorriu, voltando a falar do acônito.
Micah não falou mais nada pelo resto da aula, e se limitou a copiar tudo que o professor dizia. Vez ou outro o pegava folheando o livro, sempre em capítulos que abordassem venenos e antídotos, mas quando percebia que estava olhando, fechava e continuava a escrever no pergaminho. O sinal para o almoço tocou e ele saiu disparado da sala, sem nem esperar que juntássemos nossas coisas para acompanhá-lo. Ficamos sem entender nada e achando melhor nem tentar, seguimos direto para o salão principal. Já tínhamos até terminado de almoçar e discutíamos as ultimas noticias do Profeta Diário, agora que não tinha mais Expresso Polar, quando Micah apareceu. Sentou-se em silêncio do meu lado e se serviu com alguns bolinhos, começando a comer.
‘Que foi?’ Disse engolindo depressa um bolinho quando viu que olhávamos todos para ele
‘Você está esquisito’ Ty foi direto
‘Não estou esquisito, vocês que devem estar paranóicos’ Respondeu tentando rir, mas não convenceu
‘Qual é a desse seu súbito interesse por venenos e antídotos, hein?’ Vina perguntou curiosa
‘Não posso nem prestar atenção na aula e tirar uma dúvida que vocês já acham que estou armando alguma coisa?’
‘Armando sabemos que não está, pois para isso precisaríamos crer que vai assassinar alguém e depois tentar revivê-la’ Respondi séria ‘Mas está esquisito sim. Está muito calado, desde ontem que... O que foi?’
Parei de falar quando ele encarou o jornal aberto na mão de Milla, deixando o garfo cair no prato. Tinha o olhar fixo em uma notinha sobre um bruxo chamado Arthur Strauss, encontrado morto em um lago perto da escola depois de ser mordido por grindylows. Vi seu rosto empalidecer enquanto os olhos percorriam a notícia e empurrou o prato para longe, ficando de pé. Nem mesmo esperou perguntarmos o que estava acontecendo, jogou a mochila nas costas e saiu do salão sem terminar de comer.
‘Aconteceu alguma coisa com ele, e estou realmente preocupado’ Ty nos encarou sério, algo difícil de ver
‘Também estou preocupado. Ele está desde ontem assim, totalmente disperso. Está calado, se isolando e se assusta a toa’ Victor também tinha uma expressão séria
‘É, mas não adianta nada pressionarmos’ Dobrei o jornal depois de reler a notinha que ele viu e uma coruja parda pousou na minha frente, deixando um envelope cair ‘Ele não vai falar. Se quisesse contar o que está acontecendo, já teria feito’
Deixei que a coruja beliscasse algumas migalhas de pão antes de voar outra vez e peguei a carta, mas vi que não era para mim. Estava adereçada a Micah, e havia sido rasgada. Tentei remendar o estrago para entregar a ele, mas Annia puxou depressa da minha mão.
‘Isso não é seu, Annia’ Nina tentou pegar de volta, sem sucesso ‘Não pode abrir, é violação de privacidade’
‘Já está aberta, não estou violando nada’ Disse puxando o pergaminho de dentro do envelope ‘E isso pode nos dizer por que ele está tão esquisito. Se foi rasgada por alguém antes, é porque algo a esconder ele tem!’
Concordava com Nina que era errado ler correspondência alheia, mas também concordava com Annia que poderia nos dar uma pista do que estava acontecendo, e assim podermos tentar ajudá-lo. Milla tomou o pergaminho da mão dela e passou os olhos depressa, sorrindo no fim. Tornou a dobrá-lo e me devolveu.
‘É do irmão dele. Duvido que esse seja o motivo da esquisitice, mas hoje ele faz 17 anos. Apensar dele não ter nos contado, não podemos deixar passar em branco, certo?’
Olhamos-nos espantados por não sabermos que hoje era aniversário do Micah, mas logo esquecemos que ele andava travado e começamos a planejar uma festa surpresa para sábado. Afinal, nada como uma comemoração para se esquecer os problemas e se divertir um pouco, mesmo que por apenas algumas horas...