Na segunda após a festa de Halloween eu acordei muito mais cedo do que o restante dos garotos da Kratos. Precisava pensar, organizar minhas idéias e ficar um pouco sozinho.
Na noite anterior eu havia decidido não contar nada a Liseria. Naquele momento de decisão ou eu contava naquele instante ou não deveria contar mais. Decidi não contar. Não seria um beijo que destruiria o meu amor por ela, o nosso namoro que já entrava em seu terceiro ano. Naquela noite, porém, não pude evitar de procurar pela garota na multidão que ria, dançava e cantava, mas não havia sinal dela. Ninguém se parecia a ela.
Liseria nada notou, ou melhor, notou que eu estava um pouco aéreo, mas ela acreditou quando eu disse que estava cansado. E isso era verdade, eu me sentia cansado depois daquilo. Queria explodir e contar para alguém, mas Ozzy já tivera sua cota de problemas e não precisava dos meus naquela noite. Lenneth não saia de perto de Julie e não queria atrapalhar a diversão de meu irmão, Lawfer. Então aguardei, e o único que soube do ocorrido foi meu diário. Fui dormir tarde naquela noite, tanto por tentar acalmar Ozzy quanto por ficar até de madrugada escrevendo em meu diário. Eu o lacrei magicamente assim que terminei. Agora mais do que nunca ninguém deveria lê-lo.
Assim, na segunda de manhã, enquanto todos ainda dormiam, fui fazer algo que sempre faço quando estou preocupado ou nervoso: nadar. Em geral eu iria patinar, mas não queria chamar atenção.
A água gelada da piscina sequer me feriu, pois já estava acostumado, pelo contrário me reanimou e comecei a nadar. Eu nadava sem parar, uma atividade que sempre gostei, apesar de não estar inscrito nas Olimpíadas. A sensação de imensidão que a água me dá me fazia perceber o quão pequeno eu sou e me dá a calma necessária para pensar. É na água que eu geralmente tenho minhas maiores idéias.
- Acordou cedo, Lu. O que houve? – Eu ouvi alguém me chamando, e parei de nadar ao final da raia e olhei para cima. Lenneth sorria para mim, sentada na beirada da piscina, com os pés na água e segurando uma toalha e meu roupão no colo. Eu sorri para ela, tentando não revelar nada.
- Nada, quis apenas me exercitar.
- Não, você só nada assim quando algo está te incomodando. O que foi? – Ela perguntou e eu sorri cansado, admirado em como ela me conhecia. Ela prendeu uma mexa atrás da orelha e me olhou visivelmente preocupada. Eu levantei da piscina e sentei-me ao lado dela, pegando a toalha, enquanto ela colocava o roupão no meu ombro. Eu fiquei um tempo calado, enquanto me secava e depois acabei descansando a cabeça em seu ombro. Ela afagou minha mão e ficamos em silêncio.
- Ai pequena. Aconteceu algo estranho e que me deixou, acho que confuso. – Eu comecei e ela aguardou, enquanto eu reunia coragem. – Ontem a noite na festa, eu beijei uma outra garota. – Eu falei e ela ficou calada um tempo, mas senti sua respiração pular.
- Como assim? O que aconteceu?
- Ontem, um dos círculos da neblina deu defeito, e quando fui vê-lo, uma garota apareceu e me beijou. – Então contei tudo sobre o ocorrido, revelando que eu gostara do beijo e que retribuíra. Lenneth ouviu em silêncio, enquanto apertava minha mão. – Eu não sei quem foi...
- Tem certeza que você não imaginou coisas? – Ela perguntou, com um tom risonho na voz.
- Eu não estou ficando doido. Ainda podia sentir o beijo e o perfume dela quando voltei à festa. Ai Lenneth, estou me sentindo horrível! Eu traí a Liseria, é horrível!
- Foi só um beijo, Lu, calma. – Ela falou, agora me abraçando sem se importar em eu estar ainda molhado. – E ela, você contou a ela?
- Não tive coragem... Tenho medo de abalar nosso namoro e acho que ela jamais me perdoará.
- Você não tem culpa, a garota te beijou do nada! Que lindo, está arrasando corações. – Ela riu e eu ri junto, mas sem diminuir o peso do meu peito.
- Eu retribui! Eu a beijei novamente. É totalmente diferente. – Eu falei, a voz cansada. Eu apertei mais sua mão e ela acariciou lentamente meus cabelos.
- Olha Lu, você precisa primeiro organizar sua cabeça: o que é mais importante, Liseria ou a garota?
- Meu namoro. – Eu falei rapidamente e Lenneth suspirou.
- Então não tem porque ficar assim. Você teve um momento de fraqueza, é normal. Por mais que você seja um príncipe Adam, você ainda é humano. Liseria perdoaria e sei que você a ama, então não fica assim, por favor.
- Mas dói muito... Ver a Liseria sorrindo sem saber nada, me faz me sentir podre, sujo. – Eu falei e fiz algo que eu só conseguia fazer com ela, comecei a chorar. Eu chorava de raiva de mim mesmo, de dor. Ela me abraçou mais forte.
- Calma, meu querido, está tudo bem. Não acha que deveria ser o contrário, eu chorando no colo do meu amigo? – Ela falou e me fez rir, mas continuei abraçado a ela ainda chorando lentamente. – Que tal se esquecermos isso? Ou melhor, o que você quer fazer?
- Eu não sei... – Falei ainda fraco.
- Vamos fingir que nada aconteceu?
- Não, eu queria saber por que ela fez isso...
- Você não imagina quem seja? Vamos pensar, tenta imaginar quem poderia ser.
- Ninguém se enquadra perfeitamente. Apenas os olhos seriam características comuns, muitas aqui têm olhos azuis, até você.
- Os olhos seria a primeira coisa que ela mudaria, ela deve te conhecer e sabe que você é observador. Ela deve ter mudado a cor dos olhos. – Lenneth falou e eu concordei. Eu me senti, agora mais calmo e a olhei com ternura.
- Acho que tem razão...
- E o cabelo seria fácil de mudar também, até os trouxas fazem isso... Vai ser difícil.
- Mas quero saber quem é. Porque ela fez isso. – Eu falei decidido e ela sorriu. Eu a abracei novamente. – Obrigado, Lenneth, você é a única que consegue me acalmar assim.
- Eu sou sua amiga, melhor amiga. É meu dever.
Ela riu e eu ri também, enquanto continuamos a conversar sobre a garota. Dei todos os detalhes que me lembrava e ela ficou admirada por eu me lembrar de tudo. Depois de um tempo mudei o rumo de conversa para Patrick Lokmov e ela sorriu, mas falou que não ficou com ele. Mas senti no ar que ela esqueceu de falar um “ainda”.
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- O quê?! – Ozzy falou alto, engasgando. Eu briguei com ele e mandei que ficasse quieto. Estávamos afastados das repúblicas conversando sobre a noite passada, mas receava que alguém ouvisse. Eu confiava apenas em Ozzy e Lenneth para contar o ocorrido.
- Quer ficar quieto? É isso mesmo que ouviu! E eu não sei quem é a garota!
- Você, o certinho da turma, beijou uma garota que não é a sua namorada, e GOSTOU! E ainda por cima nem sabe quem é?! Você tá pior do que eu!
- Muito obrigado, Oscar, por me fazer sentir ainda mais sujo. – Eu resmunguei, e ele suspirou. Ele abraçou meu ombro antes de continuar.
- Desculpa, eu te conheço bem para saber que você está se sentindo muito mal.
- Mal é pouco. – Eu falei e desabafei, contando tudo. Ele ouviu atento e prestativo, e quando tive vontade de chorar de raiva, ele sorriu e me apoiou.
Depois que ele ouviu tudo, ele prometeu me ajudar a descobrir quem era a garota.
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- Lucian, vem comigo! – Ozzy falou, enquanto me arrastava para fora da Kratos. Era segunda à noite e tínhamos tido uma reunião extraordinária do Conselho, onde ele prontificou-se a revelar e organizar as fotos da festa. Eram em torno de umas 30 câmeras que havíamos enfeitiçado para fotografar toda a festa e iríamos usar as fotos para o jornal e para os murais.
- O que foi? Estava escrevendo.
- Só vem comigo. – Ele falou entre dentes.
Ele me levou para uma das salas de revelação do jornal, uma que era pouco usada. Quando abri a porta, vi centenas de fotos penduradas em cordões e presas nos murais, enquanto secavam. Fiquei admirado ao perceber que Ozzy sabia revelar fotos, mas mais admirado ainda ao perceber que elas estavam realmente organizadas. Haviam algumas fotos péssimas, provavelmente de câmeras que perderam o feitiço e começaram a tirar fotos apenas de sombras e árvores, mas haviam algumas fotos excelentes. Havia fotos de casais dançando, de alunos encenando cenas de Drácula, de Alien e até mesmo de Tartarugas Ninjas. Vi uma foto minha e de Liseria dançando felizes e isso me provocou um aperto no coração.
- Olha. – Ele falou e me entregou uma foto e eu quase tive um ataque cardíaco.
A foto mostrava uma garota de cabelos e vestido brancos correndo em meio à neblina. Era a garota. A foto estava perfeita, mas a neblina e a distância não permitia ver muito. A foto fora tirado de lado e via com perfeição ela correndo, seus cabelos ao vento. Uma vez mais eu pude sentir seu perfume e a maciez de seus cabelos. Era ela.
- É, Lucian, sua garota misteriosa não era uma veela. – Olhei para ele admirado e agradecido e ele sorriu. O abracei e guardei a foto.
Eu ia achar aquela garota.