Thursday, June 23, 2011

Acordei animada naquela quinta-feira. Os simulados eram história. Passado, tinham acabado, e não ouviria mais falar deles. Todo o terrorismo e pressão para não ficarmos para o curso de verão tinham ficado para trás. As notas sairiam naquela tarde, mas não estavam mais tirando meu sono.

Ainda tinha meia hora antes da aula de Alquimia e fui para a biblioteca encontrar Leo e Robbie. O diretor havia avisado que pregaria no quadro de lá os resultados. A biblioteca estava abarrotada de gente, todos espremidos em frente ao pequeno mural. Parei ao lado de Leo, que observava aquela aglomeração com cara de quem não ia encará-la, e Robbie saiu todo amarrotado do meio das pessoas, abrindo caminho para que passássemos.

- Ai, para de empurrar! – resmunguei quando levei uma cotovelada – São só notas, não estão distribuindo ouro!
- Já viu sua nota? – Leo perguntou irritada para uma menina da nossa turma e ela fez que sim – Então sai daqui, está atrapalhando os outros!
- Se tirou menos que A não adianta ficar plantada na frente do mural, a nota não vai mudar com magia e livrar você do curso de verão – empurrei a menina pra trás e ela saiu chorosa, com um papel com suas notas medianas rabiscadas.
- Aqui, achei nossos nomes! – Robbie apontou pro meio do pergaminho – Adivinhação O, Alquimia O, DCAT O, Feitiços O... – ele correu o dedo pelo resto das matérias – É, parece que tiramos O em tudo. Nada de curso de verão!
- Que maravilha! – Leo disse cínica, e sorri debochada pra ela. Um garoto do nosso lado estava com os olhos marejados encarando um T em Poções.
– Sinto muito, Stevie. Devia ter feito como nós e estudado mais, mas boa sorte nas aulas em Julho! – disse dando-lhe um tapinha nas costas e ele não conseguiu evitar que começasse a chorar.
- Vamos embora – Robbie agarrou nossas mãos e nos rebocou pra longe da multidão. Só quando já estávamos sozinhos Ele parou – Não fiquem fazendo graça, alguém pode ter nos visto e dedurar.
- Deixe de ser cagao, Robert! – o repreendi e ele fez uma careta – Ninguém viu. Se tivesse visto, já teriam dedurado.
- Sim, que agente secreto de meia tigela é você? – Leo engrossou o coro – Relaxe um pouco! Está livre desse curso idiota e já de férias. As melhores notas estariam isentas das provas, esqueceu?
- Não, não esqueci, foi o que me motivou a ir adiante com isso.
- Já terminou de preencher a pasta roxa, Mira? – ouvimos a voz da professora Ferania e ao ouvir “pasta roxa”, minha reação automática foi puxar os dois para trás da estante mais próxima – Ainda não terminei a avaliação da última aula e o diretor a quer de volta até amanhã.
- Ai, desculpe! – agora era a professora Mira que falava – Terminei hoje cedo, mas esqueci na minha gaveta. Estava preenchendo um relatório nela sobre alguns aborrecimentos na minha aula com alguns alunos, especialmente a garota Karev.
- A loirinha? – Robbie apontou pra mim e bati em sua mão. Sabia que estava falando de mim antes de ouvir “loirinha” – Ela não é fácil mesmo, tenho muitas anotações destacadas, mas a sua fiel escudeira também está emparelhada no topo das reclamações – Robbie tapou a boca para não rir, apontando para Leo. Ela fez uma cara feia.
- Vamos até minha sala e lhe entrego a pasta. Ele vai fazer um relatório para cada aluno se baseando nas nossas anotações e ler para os pais. Essa reunião vai ser longa... – e as vozes foram diminuindo, até sumirem da biblioteca.
- Fiel escudeira? – Leo praguejou quando saímos de trás da estante – Eu vou dizer a ela quem é fiel escudeira!
- Se acalma, braço direito da Rainha Parvati – Robbie debochou e Leo lhe acertou um tapa no braço – Ai! Isso doeu!
- Calma, Leo. Temos problemas maiores do que ela achar que eu comando alguma coisa. Se nossos pais ouvirem esses relatórios, podemos dar adeus às nossas férias. Eu diria até que podemos dar adeus às nossas vidas fora de Durmstrang.
- E o que você sugere, Vossa Graça? – Leo falou em tom de deboche, ainda irritada. Robbie soltou uma gargalhada.
- Temos que pegar essa pasta, antes que ela chegue às mãos do diretor.

Leo perdeu o ar irritado e passou a assumir um pensativo, como se estivesse rapidamente maquinando um plano para que tivéssemos a pasta em nossas mãos. Robbie, que é bem moreno, foi perdendo a cor aos poucos e nada falou. Era arriscado, inconseqüente e poderia nos levar à expulsão, mas eu preferia morrer tentando a deixar que me fuzilem enquanto estou confortável no meu esconderijo. Aquela pasta tinha que ser destruída.

ººººº

Não prestamos atenção em nenhuma aula que se seguiu depois que saímos da biblioteca. Sequer sei o que o professor Reno falou na aula de Alquimia, e menos ainda sei o que era a planta que a professora Neitchez estava mostrando a turma na aula de Herbologia. Tudo que Leo e eu conseguíamos pensar era em como íamos tirar a pasta das mãos da professora Ferania. Ainda não tínhamos um plano bolado, mas duas certezas: isso tinha que acontecer ainda hoje e dessa vez deixaríamos Robbie de fora. Enquanto discutíamos a idéia a caminho das masmorras ele vinha pálido ao nosso lado, repetindo em voz baixa que íamos ser expulsos da escola e seu pai ia matá-lo. Pela bem na nossa amizade, ele ia ficar longe de toda a ação.

Quando o sinal tocou nos liberando para o jantar saímos em disparada da estufa. Eram 17h. Tínhamos até as 18h para estar com aquela pasta nas mãos, antes de encontrarmos o resto do pessoal para outro ensaio com o Robbie no teatro. Dispensamos ele assim que saímos, e ele agradeceu ainda pálido, sumindo na direção do salão principal para o jantar. Podia apostar que ele ia vomitar a primeira coisa que tentasse comer, de tão nervoso que estava. Decidimos que não daria tempo de bolar algum plano bem arquitetado, então marchamos rumo ao 4º andar. A sala da professora Ferania ficava lá, e sabíamos que estava dando aula, então só podia estar lá dentro.

Espiamos pela porta e vimos uma grande confusão dentro da sala. Ela dava aula para uma turma do 2º ano que estava fazendo uma verdadeira bagunça. Enquanto a turma quase destruía tudo, ela se dividia entre controlar a confusão e preencher a maldita ficha. Continuamos em pé do lado de fora vigiando. Depois de um tempo ela parecia ter terminado de preencher tudo e fechou a pasta. Abriu a gaveta para guardá-la, mas antes que o fizesse alguns alunos levantaram e correram até a mesa dela com pergaminhos e livros nas mãos, pedindo ajuda em algum dever. Vimos nossa chance naquele momento.

- É agora ou nunca – falei entrando na sala com Leo.
- Professora! – Leo puxou o livro da mesa do menino que estava sentado perto da porta e abriu em uma pagina qualquer – Não entendi uma coisa do trabalho que passou terça e não sei o que fazer! – ela atirou o livro na mesa fazendo um estrondo e assustou algumas das crianças.
- Srta. Ivashkov, estou no meio da aula do 2º ano, isso não pode esperar um pouco? – Ferania falou atarefada, tentando atender todos ao mesmo tempo.
- Não dá, professora! – Leo bateu no livro, usando toda sua experiência com teatro para parecer uma louca desesperada – Isso é muito complexo e tenho terminar isso hoje, tenho mais um montão de coisas pra fazer das outras matérias!
- Ok, qual é a duvida? – ela se rendeu, e as crianças em volta da mesa começaram a protestar.

Leo lançou a elas sua melhor cara de má e elas acalmaram um pouco, mas continuaram em cima sacudindo seus livros. Aquilo me deu a oportunidade de me aproximar da mesa sem ser notada, e enquanto Leo gritava cada vez mais enlouquecida que não entendia nada sobre aquele monte de astros, fiz delicadamente a pasta deslizar de cima da mesa para dentro da minha mochila. Ninguém notou. Ferania estava ocupada demais tentando acalmar uma Leo descontrolada e prestes a cair no choro e as crianças estavam hipnotizadas vendo uma aluna mais velha que eles deixando bem claro que, em alguns anos, elas também iam chorar com aquela matéria.

- Ah, deixa pra lá, vou repetir nessa coisa mesmo! – Leo fechou o livro bruscamente quando me viu já do lado de fora – Isso é muito complexo, professora!
- Não precisa entrar em pânico, eu posso explicar com mais calma depois da aula.
- Não, não precisa! Vou pedir ajuda a algum amigo que tenha entendido isso. Vou dar um jeito, não se preocupe – e saiu da sala secando as lágrimas falsas.
- And the Oscar goes to... – falei quando ela se juntou a mim do lado de fora e rimos.
- Ia começar a puxar os cabelos se você demora demais. Pegou a porcaria da pasta?
- Sim, está na mochila. Vamos embora.

Queríamos espiar o que tinha dentro da pasta, mas precisávamos sair dali primeiro. Fomos direto para o teatro, ainda vazio. Sentamos na última fileira e abrimos a pasta com tanta pressa que quase a rasgamos. Passamos algumas das fichas que estavam na frente, vimos elogios a alguns alunos e criticas a outros, e chegamos à ficha de Leo. Ela arrancou da minha mão e amassou o papel todo.

- Encrenqueira, provoca alunos mais novos, desrespeito às regras... – ela ia lendo em voz alta algumas das anotações – Se minha avó ler isso vou morrer antes dela.
- Achei a minha – puxei minha ficha da pasta e passei o dedo nela – Provoca alunos mais novos, desrespeito às regras, blábláblá, a mesma coisa que você... – sacudi a folha e vi que eram três delas, cheias de reclamação – Faz bagunça em sala, lidera massas... Lidera massas?
- É, você lidera massas quando quer... – Leo concordou e começamos a rir.
- Isso é ridículo, não temos um único elogio.
- Isso te surpreende? – fiz que não e revirei os olhos – Não podemos simplesmente arrancar as nossas fichas e devolver o resto, vai ficar obvio demais.
- Concordo. Vamos queimar tudo.

No momento que íamos levantar das poltronas para sair, a porta do teatro abriu. Levamos um susto tão grande que deixamos a pasta cair no chão e as fichas voaram pra todo lado. Ozzy entrou e viu a bagunça. Ele fez menção de nos ajudar, mas logo entendeu que era melhor não botar as mãos no que quer que estivesse espalhado.

- O que está fazendo aqui tão cedo? – perguntei na defensiva.
- Vim ensaiar um pouco antes – ele respondeu já se afastando – Não se preocupem. Não vi nada.

Ozzy continuou caminhando até o palco e se acomodou atrás da bateria, começando a trocar sem dar importância ao que estávamos fazendo. Recolhemos tudo do chão depressa e saímos correndo de lá. Não sabia até onde ele tinha visto o que tínhamos nas mãos, mas era melhor que fizesse de conta que não tinha visto nada mesmo, ou ia se arrepender. Invadir o escritório do diretor e roubar documentos da escola não era nada perto do que ia fazer com ele se nos dedurasse.