- Robbie!
Ouvi a voz de Lenneth e parei no meio do jardim. Ela vinha correndo esbaforida atrás de mim, sacudindo um pedaço de papel. Quando me alcançou, apoiou as mãos na cintura e tomou alguns segundos para recuperar o fôlego. Seu rosto estava vermelho e não era do frio.
- Você anda depressa demais e é meio surdo – finalmente falou, a voz ainda soando cansada – Estou correndo atrás de você e gritando seu nome desde a rua das republicas.
- Desculpe, estava ouvindo algumas coisas pro ensaio – e tirei o fone do ouvido, mostrando a ela – Onde é o fogo?
- Encontrei a música pra audição – e me estendeu o papel que vinha sacudindo. Estava todo amassado.
- Você foi mesmo fundo quando disse pra procurar algo que não era a sua cara – disse ao ver a música que havia escolhido – Kanye West não é o tipo de música que escolheria pra você, mas sim pro Oleg.
- Fiz o dever de casa. Podemos fazer uma versão só com o piano dela? – perguntou esperançosa. Devia ter gasto todo o tempo livre procurando uma música que servisse.
- Acho que podemos fazer isso. Acompanhe-me até o teatro, temos algum tempo livre antes dos outros chegarem.
Estendi o braço e ela o segurou, me acompanhando até o teatro. Se conseguíssemos mudar toda a melodia daquela música, sua apresentação seria uma das mais bonitas das audições. Pensava que o teatro ainda estaria vazio, mas fomos pegos de surpresa (e um pouco de choque) ao nos depararmos com Parvati e Ozzy no palco. Eles estavam sentados ao piano e Parvati arriscava algumas notas, no que me parecia uma tentativa de ajudar Ozzy com a afinação.
- Você é bom – Lenneth comentou em voz baixa. Eles ainda não tinham notado nossa presença – Acha que consegue manter esse suborno até a formatura?
- Pode ter certeza que vou procurar um meio de estender o acordo – chegamos até o palco e bati palma, assustando os dois – O amor é lindo, o que mata é a falsidade.
- Não estamos brigando – Ozzy já se defendeu e ri.
- Eu sei, estão sendo muito obedientes, mas não deixa de serem falsos – agora eles que riram – O que estão fazendo aqui? Ainda falta uma hora pro ensaio.
- Já escolhi minha música! – Parvati saltou do piano, animada – Queria que você ouvisse e me ajudasse com a melodia, porque mudei ela toda.
- Claro que você mudou. Qual é a música?
- Baby It’s You, dos Beatles. Vai me ajudar, não é?
- Claro, mas primeiro vocês vão me ajudar – expulsei Ozzy do piano e tomei meu lugar – Temos que fazer dessa música algo bonito e tocado no piano.
- Kayne West? – Ozzy pegou o papel e riu – Boa sorte.
- Já tenho uma idéia de como pode ser o refrão – Lenneth sentou ao meu lado no piano – Algo mais ou menos assim.
Ela começou a tocar e cantar a estrofe que tinha criado e todo mundo reagiu igualmente surpreso. Primeiro porque não sabíamos que ela tocava piano e segundo porque ela havia criado sozinha uma melodia linda. Quando parou de tocar, parecia tímida ao ver nossas reações.
- Não sei tocar e cantar ao mesmo tempo – ela encolheu os ombros – Ficou bom?
- Ficou ótimo! E você pode cantar e tocar ao mesmo tempo perfeitamente bem. Sua apresentação vai ficar muito melhor se for você mesma ao piano.
- Mas eu não toco tão bem quanto você, sei apenas o básico.
- Não tem problema, temos duas semanas para ensaiar. Se você conhece todas as notas, pode tocar a música. Vamos criar o resto da melodia e então você vai aprender a tocá-la.
Lenneth concordou, embora ainda parecesse incerta de que conseguiria, e começamos a trabalhar no arranjo da música. Com todo mundo dando palpite, antes dos outros chegarem já tínhamos ele todo pronto. Deixei Ozzy a ajudando a escrever a partitura e comecei a ajudar Parvati no arranjo da sua música. Quando ela começou a cantar o que tinha criado percebi que teríamos que começar do zero, mas mais uma vez quatro cabeças pensam melhor que uma e quando todo mundo finalmente chegou, já tínhamos uma boa idéia de como poderíamos fazer. Anotei o progresso que fizemos e prometi que ficaríamos depois do ensaio para finalizar.
- Ei Robbie, temos uma aluna nova! – Oleg vinha arrastando Julie pela mão.
- Pensei que ia pensar durante o verão.
- Todo mundo falou tão bem do primeiro ensaio que acabaram me convencendo a me inscrever logo.
- Ótimo! E já tem alguma idéia do que quer fazer?
- Nenhuma – e todo mundo riu.
- Fique pensando um pouco então e já presto socorro. Leo, já decidiu sua música?
- Ainda não, são tantas tão boas! – e sacudiu a mão cheia de partituras.
- Então também fique ai de castigo pensando um pouco. Alguém já escolheu o que quer fazer?
Liseria levantou a mão empolgada e a chamei pro palco. Tinha escolhido cantar Let It Be, e como a música já tem um arranjo perfeito, tudo que tivemos que fazer foi ensaiar e acertar a afinação. Finn foi o próximo e como ele sabia tocar piano, já tinha uma boa noção de como ia se apresentar. Escolheu Dream a Little Dream of me e tudo que tive que fazer foi instruí-lo em uma ou outra nota. Oleg continuava sem saber o que cantar, mas quando descobri que ele tocava violão consegui convencê-lo a cantar Elvis, Can’t Help Falling in Love with You. A versão só com o violão ficou muito bonita e mostrava um lado de Oleg que não estávamos acostumados a ver.
Quando ele desceu, chamei Julie. Ela ainda não sabia o que podia cantar, mas já tinha pensado em alguma coisa por ela. Sugeri uma música do No Doubt chamada Don’t Speak. Por sorte ela já conhecia a música, então foi só se assegurar de que sabia a letra completa e acompanhar o arranjo sem sair do tom. O resto do ensaio foi pra acertar o tom com quem já tinha escolhido a música no anterior e às 21h todo mundo começou a ir embora, menos Parvati e Leo. Parvati já estava comigo no piano terminando de criar os arranjos da música que tinha escolhido quando vimos Leo saltar da poltrona de repente.
- Robbie, Robbie! – ela subiu correndo no palco – Já sei o que cantar! – e me atirou a partitura.
- Anyway? – me surpreendi – Ótima escolha, essa música é linda e Martina McBride arrasa.
- Eu arraso mais – disse convencida e rimos – Quero só o acompanhamento do piano, sem banda. Acho que fica melhor assim, não concorda?
- Sim, muito melhor. Vamos começar – bati no banco do meu lado e ela se acomodou.
Sem precisar alterar melodia, em um instante tínhamos a apresentação montada. Leo tinha uma boa potencia vocal e usou e abusou disso no refrão, alcançando notas altas com uma perfeição de dar inveja. Ela e Parvati tinham um jeito diferente de cantar, mas eram igualmente potentes. Enquanto Parvati fazia mais o tipo de uma mistura de jazz, blues e rock, com uma voz meio rouca, Leo fazia mais o estilo diva, com canções que a permitiam atingir as notas mais altas possíveis.
Ficamos no teatro até quase 23h, só nós três. Parvati ensaiou a música, agora com o arranjo pronto, pelo menos cinco vezes até julgar que estava perfeita. E estava. Era uma coisa que admirava nela, aquele comprometimento com o que estava fazendo. Ela se envolvia tanto com a música que nos fazia acreditar nas palavras ditas.
Depois de repassar suas apresentações milhares de vezes, elas me ajudaram a ensaiar e aperfeiçoar a minha. E era importante que nada desse errado, afinal, a música tinha um grande significado pra mim. Depois acabamos deixando as apresentações de lado e engatamos um papo animado sobre nossa viagem à Nova York. Íamos apenas nós três para uma viagem de compras, na segunda semana de férias, e eu já estava desesperado para respirar um pouco do ar da cidade que nunca dorme. As férias iam começar com o pé direito.