Thursday, June 16, 2011

Por Robbie von Hoult

O teatro estava vazio quando entrei. Ainda faltavam alguns minutos para o pessoal chegar para o nosso primeiro ensaio, mas quis chegar antes. Aquele era o único lugar que me deixava totalmente à vontade e ter o teatro só pra mim, naquele silêncio todo, era algo raro. Caminhei até o palco e sentei atrás do piano, levantando a tampa. Quando meus dedos tocaram as teclas e as primeiras notas ecoaram, me senti em casa. Comecei a tocar Sonata ao Luar, uma das minhas sonatas favoritas do Beethoven, e me assustei ao ouvir alguém batendo palma quando terminei.

- Uau! – Ozzy vinha caminhando sozinho na direção do palco – Eu sabia que você era bom, mas isso foi incrível. Não sabia que tocava piano tão bem!
- Obrigado. Minha avó paterna era professora de piano e me começou a me ensinar quando tinha 5 anos. Chegou cedo, ainda faltam quase 10 minutos pro horário marcado.
- Imaginei que você já estaria aqui e resolvi vir antes do tumulto começar. Preciso de ajuda extra, não faço a menor idéia do que cantar.
- Podia esperar qualquer um preocupado com a apresentação, menos vocês – ele riu.
- Não sou e nem pretendo ser um cantor profissional, mas é por uma boa causa e vai ser divertido, quero me sair bem.
- Justo – fiz sinal para ele se aproximar e Ozzy puxou um banco para perto do piano – Ouvi seus trabalhos da professora Yelchin o ano inteiro e acho que você pode cantar algo bem tranqüilo, que possa ser acompanhado apenas por um piano. Sua voz é boa pra isso. Não fica bom quando você inventa demais, o simples é sempre uma opção segura quando não se sabe o que fazer.
- Certo, nada de firulas. E o que você sugere? – estendi uma partitura para ele – Your Song? Quer que eu cante Elton John? Se eu for mal, vou ser sempre lembrado pelas turmas de artes como o garoto que estragou uma musica do Elton John.
- É pra isso que servem os ensaios. E eu confio no meu julgamento. Vamos começar, acompanhe a melodia do piano.
- Robbie, pensei que ia ajudar Leo e eu hoje! – a voz de Parvati interrompeu o que deveria ser o começo do ensaio e Ozzy quase saltou do banco – O que ele está fazendo aqui?
- O que ela está fazendo aqui? – Ozzy já a encarava de cara feia.
- Eu sou um só e não é a coisa mais fácil do mundo reservar o teatro só pra mim, então vou ajudar todo mundo de uma vez só. Todos que me pediram ajuda vão estar aqui hoje e eu não quero ver brigas.
- Eu não vou colaborar com isso – Parv já resmungou.
- Muito menos eu! – Ozzy emendou.
- Vão sim, se quiserem minha ajuda! – levantei a voz e eles se assustaram – Eu não me importo que vocês se odeiem e nem me interessa saber o motivo, mas se não quiserem fazer a audição sem ter um mínimo de treino ou ajuda minha, é bom começarem a colaborar. Vamos todos trabalhar juntos e eu não quero ouvir um único comentário negativo aqui dentro! O primeiro que falar alguma coisa ofendendo o outro vai ser expulso daqui, e eu não vou pensar duas vezes se quem soltar algum insulto for você, Parvati! A regra vale para os dois! Então, vão cooperar ou já vão me poupar tempo e ir embora?
- Vamos cooperar – os dois disseram ao mesmo tempo, num tom de voz baixo.
- Ótimo, bons meninos. Parv, vá sentar que vou ajudar ele primeiro, já que ele chegou antes. Você é a próxima.

Parvati ocupou uma cadeira na primeira fila do teatro meio contrariada, mas não ousou testar minhas palavras. Ozzy sentou outra vez com a letra da música na mão e parecia bem tenso. Comecei a tocar no piano e apesar de um começo mais rígido, ele aos poucos foi relaxando e entrou no clima da música.

- Posso falar? – Parv levantou a mão da platéia e a olhei desconfiado – Não vou dizer nada rude, é só uma sugestão.
- Ok, pode falar – e ela levantou, subindo no palco.
- No final, quando você canta “I've forgotten if they're green or they're blue”, tente estender um pouco as notas.
- Como assim? – Ozzy parecia perdido.
- Tente cantar “I've forgotten if they're greeeeen or they're bluuue”, entendeu? Estender notas. E também, quando for continuar, não cante o “Anyway, the thing is”, fale. Faça uma pausa rápida, como se estivesse dizendo essas palavras numa conversa, e então continue a música normalmente.
- Entendeu o que ela disse? – perguntei e ele fez que sim com a cabeça – OK, então vamos testar. Vou começar dessa estrofe.

Retomamos daquela estrofe e ele seguiu os conselhos dela, deixando a musica ainda melhor. Parvati sorria convencida encostada ao piano, mas não se gabou. Pedi então que Ozzy aguardasse um pouco para ver o que ela tinha planejado. Parv pretendia cantar outra música do Elton John, Benny and the Jets. Depois uma passada da música, conversamos rapidamente sobre algumas modificações no arranjo e pedi que Ozzy nos acompanhasse com uma única batida ritmada na bateria. O resultado não poderia ter sido melhor, e não só pela música que tinha ficado perfeita. Parvati e Ozzy estavam conversando na minha frente sobre o novo arranjo, como duas pessoas normais. Não sei se eles tinham percebido isso, mas não ia descobrir quanto tempo ia durar, pois fomos interrompidos com a chegada dos demais desesperados por ajuda. Chegaram todos juntos, Leo, Finn, Alec, Oleg, Jack, Lucian, Liseria, Lenneth, Patrick e Mitchell.

- O que ta acontecendo aqui? – ouvi Jack falar alto enquanto caminhava com o resto da turma pelo teatro – Estamos em outra dimensão?
- Parvati e Ozzy no mesmo palco e está tudo inteiro? – agora era Leo que fazia piada. Ela vinha de mãos dadas com Finn – É o apocalipse!
- É mais simples que o apocalipse – respondi rindo – Chama-se chantagem.
- É, temos que colaborar ou vamos ser expulsos do workshop musical dele – Ozzy respondeu descendo do palco e se atirando no assento ao lado de Lucian.
- Vocês não vão querer ver o Robbie irritado – Parv completou e sentou ao lado de Leo.
- A regra aqui é todo mundo cooperando e sem causar tumulto. Vou ouvir e ajudar todo mundo, mas vocês também precisam ouvir minhas opiniões e idéias sem dar ataque. Sem querer soar arrogante, mas já soando, meu entendimento musical é infinitamente maior do que o de todos vocês juntos, então eu sei o que estou falando.
- Aye Aye, Captain! – Oleg falou brincalhão e todo mundo imitou seu gesto batendo continência.
- Ótimo, já que estamos combinados... Lucian, vamos começar com você.

Lucian subiu no palco um pouco sem graça, ainda incerto de que aquilo ia dar certo, e sugeri que ele cantasse The Long and Winding Road, por ser uma música lenta e que o permitisse cantar sem se afobar demais. Ele acabou gostando da sugestão e Leo foi a próxima a sentar na frente do piano. Ela tinha tantas idéias do que apresentar que escolhemos começar ensaiando com I Who Have Nothing. Ficou muito bom, mas ela ainda não tinha certeza de que era a música certa.

No fim do ensaio, se juntaram a Leo no time dos indecisos: Finn, que não conseguia achar nada que agradasse, Liseria, que estava sofrendo pra encontrar a música adequada pro seu tom de voz, Lenneth que tinha ficado com a tarefa de encontrar uma música que não combinasse com ela, para então a transformarmos em algo que fosse a sua cara, Oleg, que queria cantar as músicas mais malucas que existiam e eu tinha que ficar podando e Parvati, que no tempo em que conversava com os outros pensou em mais uma penca de músicas que ficariam ótimas com a sua voz.

Dos que já tinham escolhido sua música e agora podiam se dedicar a ensaiar elas, Alec ia cantar Hey Jude, Ozzy e Lucian ficaram com as minhas sugestões, Mitchell depois de alguns testes optou por cantar One Last Breath, do Creed (e ainda ia tocar guitarra na apresentação), Patrick havia escolhido Sweet Caroline e Jack ia de Beatles, com While My Guitar Gently Weeps e um violão o acompanhando. E eu já estava decidido a cantar Bless the Broken Road, mesmo não tendo ensaiado ainda.

Encerramos os trabalhos já mais de 22h e já combinamos um segundo encontro dois dias depois, para definir as músicas dos indecisos e começar pra valer os ensaios. Estavam todos tão animados que nem parecia um grupo que vira e mexe está se desentendendo. Milagres acontecem.