Tuesday, December 25, 2007

A casa de Jeravna estava exatamente do jeito que Evie lembrava, quando a viu pela última vez há dois anos. Os mesmos móveis, os mesmos ruídos que toda casa antiga carregava e a mesma atmosfera acolhedora, que a fazia sentir-se em casa. Casa. Estranha a definição dessa palavra. Casa para ela era onde a pessoa se sentia bem, protegida e bem vinda. E o único lugar que a fazia se sentir assim era ali, e não junto de seu pai. Foi logo atirando a bolsa na mesa e correndo para abraçar as três mulheres que a encaravam sorrindo ternamente na sala. Um abraço longo, que terminou apenas quando uma delas, a loira, lembrou que tinham mais uma visita no cômodo.

‘Evie, apresente seu amigo’ Disse sorrindo encarando Micah

‘Desculpe’ Respondeu parando ao lado dele ‘Esse é o Micah, um amigo de Durmstrang. Micah, essas são Nicole, Vivian e Teresa’ Ela fez uma pausa e riu antes de terminar ‘Minhas mães’

‘Não meu bebê, por favor. Mamãe não gosta de ser chamada pelo nome’ A morena chamada Teresa alisou o cabelo de Evie em tom de brincadeira ‘É Tessa, Nicki e Vivi’

‘Muito prazer, Micah’ A ruiva chamada Vivian estendeu a mão a ele, com um sorriso estranho no rosto. Como se ela visse algo que mais ninguém pudesse ver ‘Obrigada por trazer a Evie até aqui. Espero que fique conosco pelo resto das férias também’

‘Sabíamos que viria, meu amor’ Nicki explicou quando ela se mostrou surpresa por elas estarem a esperando ‘Quando não a vimos no velório de sua avó, imaginamos que estaria a caminho daqui e voltamos, nem esperamos o enterro’

‘Seu quarto está pronto já, mas não temos uma cama extra nele’ Vivi acrescentou ‘Mas nada que um rápido aceno de varinha não resolva!’

‘Vou enviar uma coruja à sua tia Madalena. Ela pediu que a avisássemos quando você chegasse. Ela e Sofia estavam preocupadas com a sua ausência’

‘E Nicki e eu vamos providenciar a cama extra, voltamos logo e aí sentaremos para conversar’ Vivi empurrou Nicki para fora da sala, deixando os dois a sós

‘Evi, não sei se devo ficar’ Micah falou sem jeito ‘Acho melhor voltar pra Durmstrang, não vou me sentir a vontade’

‘Por favor, não vai’ Ela segurou sua mão num impulso ‘Amo as três mais que tudo e sei que posso contar com elas sempre que precisar, mas no momento o que eu preciso é de um amigo comigo’

‘Tudo bem, eu fico’ Respondeu depois de alguns segundos, sorrindo de leve ‘Mas tenho que mandar uma coruja pros baixinhos, eles não sabem que saímos’

‘Também vou escrever para as meninas contando que estamos aqui e o que aconteceu’

‘Elas vão colocar cama extra no seu quarto?’ Micah perguntou rindo maroto

‘Sim. Espero que não ronque’ Respondeu brincando

‘Essa devia ser a menor das suas preocupações’

‘Há Há Há, como você é engraçado!’ Disse forçando a risada e ficando séria em seguida, o fazendo rir. Tudo que ela precisava era de diversão, para se manter ocupada e não pensar na avó. E a semana prometia ajudar.

~*~*~*~*~*~

‘Evi?’ Micah se mexeu em sua cama ‘Está dormindo?’

‘Não’ Ele ouviu a amiga se mexer na cama do outro lado do quarto ‘Que horas são?’

‘Já passou de uma da manhã. Estou sem sono’

‘Eu também. Ouvi muita coisa hoje, o dia parece ter durado 30 horas’ Mesmo sem poder vê-la por causa do escuro, ele sabia pela voz que ela estava com uma expressão desanimada

‘Acho que fez bem em não ir ao velório’ Ele sentiu que precisava tocar no assunto ‘Não é agradável’

‘Velório é horrível, vovó odiava tudo isso, achava de mau gosto’ Ele a ouviu respirar pesado ‘Quando minha mãe morreu, meu pai obrigou Max e eu a ficarmos de pé ao lado do caixão recebendo condolências das pessoas. Tínhamos 9 anos!’ Ela elevou a voz e ele podia jurar que ela estava segurando o choro ‘Eu tento não lembrar, mas sempre que penso na minha mãe a primeira imagem que me vem à cabeça é a dela no caixão’

‘Não consigo imaginar como foi ruim pra vocês’ Micah se ajeitou de lado na cama para conversar melhor e acendeu a luz do abajur, deixando o quarto iluminado apenas por uma luz fraca ‘Também não gosto de velórios, e justamente por esse motivo. É de extremo mau gosto ficar velando um corpo. Seu pai foi cruel obrigando duas crianças a passar por isso’

‘Meu pai não é a pessoa mais gentil do mundo, ele acha que só os fracos choram’ Ela riu ‘Foi vovó quem nos resgatou depois de um tempo. Brigou com ele na frente de todo mundo e nos levou embora. Só deixou que voltássemos quando o caixão já estava para ser enterrado, para que deixássemos as coisas que queríamos sobre ele’

‘Sua avó parece ter sido uma ótima pessoa’

‘Ela era a melhor’ Disse com a voz já saudosa ‘Conseguia manter a família junta nas férias sem que ninguém se desentendesse. Ela simplesmente fazia a paz reinar. Assim, sem qualquer esforço’

‘Sinto falta da minha avó também’ Micah adotou o mesmo tom saudoso dela ‘Fazem dois aos que ela morreu’

‘Sinto muito, não sabia’

‘Tudo bem, não costumo sair contando por ai’ Riu ‘Depois que ela faleceu passei a morar com Andrea e Michael, mas eles precisaram viajar e optei por ficar na escola para não passar o natal sozinho’

‘Andrea e Michael? Por que não diz “meus pais”?’ Evie riu

‘Porque eles não são meus pais,’

Apesar da luz fraca, Evie percebeu que Micah estava sério. Talvez estivesse tocando em um ponto que ele não gostava de falar. E pensando assim ela resolveu não continuar a fazer perguntas, apenas o encarou muda.

‘Pode perguntar, sei que está se coçando por dentro’ Ele riu da inquietação dela ‘Prometo não responder com sarcasmo’

‘Você, hmm, eles são...’

‘Meus pais adotivos, sim’ Micah completou para ela

‘Quando seus pais morreram?’

‘Eles não morreram, ainda estão vivos’ Ele não sabia por que estava contando isso a ela, mas algo o impedia de parar ‘Acho que eram muito novos quando eu nasci, então me largaram com a minha avó para que ela me criasse e sumiram no mundo. Vinham me visitar quando eu fazia aniversário, traziam presentes e depois sumiam outra vez. Mas depois que fiz 5 anos, pararam de vir. Nunca mais os vi’

‘Mas você não tem um irmão?’ Ela estava achando aquilo tudo um absurdo e não entendia porque ele falava com tanta naturalidade. Aquilo não era a coisa mais normal do mundo, como ele fazia parecer ‘Você apresentou um menino com seu irmão nas Olimpíadas. Ele é filho de quem então?’

‘Sim, o Connor... Ele também é filho deles, fizeram a mesma coisa com ele. Mas eu não estava em casa quando eles o largaram lá, e diferente de como foi comigo, nunca apareceram nos aniversários dele’

‘Micah, isso é um absurdo! Como você aceita isso?’

‘Por que teria que me incomodar se nunca os conheci de fato?’ Ele agora a encarava na penumbra e não sorria ‘Pra mim, aqueles dois não passam de meros estranhos, que me deram alguns brinquedos quando eu era criança. Para ser sincero, pouco me lembro da fisionomia deles’

Ele parou de falar e ambos ficaram mudos por um tempo, sem se olharem. Evie pensava no quanto ele devia ter sofrido com isso, embora mesmo conhecendo ele há pouco tempo soubesse que nunca admitiria isso. Micah pensava no porque de ter dito aquelas coisas a ela, coisas que ele nunca contou a ninguém, a nenhum de seus amigos, mesmo os de anos. Como se fosse capaz de ler seus pensamentos, respondeu a pergunta que ela estava se remoendo para fazer.

‘Quando minha avó faleceu, Connor e eu fomos mandados para um orfanato. Eu já estudava, então passava o ano inteiro fora e só ia para lá nas férias. Connor acabou sendo adotado por uma família. Eles são legais, sabe, gostam dele de verdade, mas acabamos separados. Eu acabei indo morar com Andrea e Michael’

‘E você não vê mais seu irmão?’

‘Vejo sim. Sabendo o que tinha acontecido com Connor, eles procuraram a família dele e fizeram uma espécie de acordo. E com esse acordo deles, Connor sempre passa alguns dias de férias conosco’ Ele deixou um leve suspiro escapar e o transformou numa tosse ‘Queria ter ido para casa para vê-lo, mas acho que terei que esperar até a Páscoa’

Não era preciso dizer mais nada para que ambos soubessem que o assunto estava encerrado. Micah já havia falado mais do que um dia pensou em falar e mesmo sem ter pedido, ele sabia que ela não contaria a ninguém. Mesmo que não fosse nenhum segredo, não era algo que ele gostasse de explicar às pessoas. Os dois ficaram mudos no quarto pouco iluminado, mas o silencio não durou muito. Evie teve um ataque de riso causado pelo clima tenso, e Micah não conseguiu manter-se sério por mais muito tempo. Riam tão alto que não ouviram o barulho dos passos de Vivian e nem quando ela parou na porta do quarto, observando os dois sorrindo por um longo tempo antes de bater e anunciar que estava ali.

‘Chega de conversa por hoje, já são quase 2hs e vou arrancar vocês cedo da cama!’ A ouviram dizer

‘Ok’ Responderam juntos, ainda rindo

‘Boa noite, John Boy’ Evie falou se enrolando no lençol

‘Boa noite, Mary Ellen’ Micah respondeu já com a cabeça enterrada no travesseiro

‘Boa noite família Walton. Luzes apagadas’

Vivian deixou o corredor às escuras e fechou a porta rindo. Sabia que aquele era o começo de uma história complicada, mas que poderia ter um final feliz. Só dependeria dela.


You’ve got a way with words
You get me smiling even when it hurts
There’s no way to measure what your love is worth
I can’t believe the way you get through to me

Notting Hill – You’ve Got a Way