‘Fecha a porta, Victor!’ Falei irritado ‘Não quero mais ninguém aqui dentro!’
‘Vão ouvir assim mesmo, os quartos não são a prova de som’ Victor respondeu rindo e trancando a porta
‘Relaxa cara, a burrada já ta feita e você ta ferrado de qualquer forma. Vamos acabar logo com isso, você ta errando a letra!’ Ty falou pegando a copia com a letra da música que teria que cantar
‘Essa música é ridícula’ Resmunguei lendo um trecho que seria minha parte e eles riram ‘Evi me paga, isso não é o oposto de jogar quadribol!’
‘Ninguém mandou você ir lá cutucar a onça com vara curta’ Iago falou calmo, pegando o papel com Ty ‘As meninas ainda estão mordidas por causa do aniversário do Ricard’
‘Pois é, o mais sensato era manter distancia delas. Se aproximar e provocar então, é praticamente suicídio’ Ricard falava sério lendo junto com Iago ‘Você ainda pode desistir, ora. Vá até ela e diga que estava errado, que teatro não é tão simples assim, e poupe a si mesmo de fazer papel de idiota naquele palco’
‘Nunca!’ Tomei o papel da mão deles e empurrei na mão do Ty ‘Canta a parte dela aí, vou aprender isso hoje!’
Ty pigarreou alto e começou a cantar com a voz aguda imitando uma garota, mas que ficou mais parecido com uma gralha. Todo mundo ria e comecei a cantar minha parte. Nem sob tortura ia admitir que ela estava certa. Fazer papel de idiota é a especialidade dos homens. Um a mais ou um a menos não faria diferença.
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As meninas ainda gritavam empolgadas quando deixei a arquibancada do campo de quadribol indignado. Evie tinha se saído muito bem no teste, conseguindo marcar dois gols! Das duas uma: ou ela mentiu esse tempo todo e sabe jogar quadribol, ou não dormiu para poder treinar. Qual das duas era a certa não importava. O que importava era que eu ainda não havia decorado a letra da música e agora estava a um passo de perder a aposta. Como se já não bastasse o papel de palhaço que ia fazer, ainda ia sofrer a humilhação de perder pra ela.
Marchei de volta para a república rebocando a Ariel postiça que Ty encarnou e apanhei o papel amassado na mochila. Agora era questão de honra aprender aquela letra e me sair bem no teste. Vergonha é algo que não tenho, então as risadas dos meus amigos na platéia não iriam interferir em nada. Tudo que tinha que fazer era não errar a letra e empatar o jogo. E quem sabe pegá-la de surpresa também, por que não?
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Georgia e um menino magrelo que parecia uma gazela correndo e saltando no palco se aproximavam do fim do teste. O garoto era muito bom, conseguia pular daquele jeito e ainda cantar sem soar ofegante. Evie estava de pé atrás da cortina observando os dois, nervosa. Dei uma espiada também e corri o olho rápido na platéia. Simplesmente todos os nossos amigos estavam sentados nas cadeiras, esperando pela hora do riso e acho que era isso que a deixava mais aflita. Olhei para o papel com a letra, mas dobrei e guardei no bolso. Não precisava mais dele, sabia o que tinha que fazer.
‘Muito bom, Georgia! Excelente, Alexsei!’ Ouvimos o professor encerrar a música no piano e os dois agradeceram sorrindo, deixando o palco
‘É a nossa vez’ Falei passando por ela ‘Pronta?’
‘Sim’ Respondeu vaga e me encarou ‘Não faça nenhuma gracinha. Isso pode não passar de uma grande piada pra você, mas é importante pra mim’
Bati continência e ela bufou, saindo dos bastidores para o palco quando o professor chamou nossos nomes. Georgia se plantou do lado dele para assistir a apresentação com um bloco nas mãos, esperando por algo que pudesse relatar no jornal e transformar em uma grande piada. Acenei cínico para ela e peguei os microfones em cima do piano, entregando um para Evie.
Quando o professor começou a tocar a música depressiva, Evie teve o primeiro choque. Minha parte era a primeira e ela por certo estava esperando que eu fosse fazer alguma coisa para estragar, mas tudo que não esperava era que eu cantasse direito. Ela deu um meio sorriso e começou sua parte espantando a tensão para longe. Mas não durou muito. Quando chegamos ao refrão, que tínhamos que cantar juntos, dei um passo rápido para cima dela e puxei sua mão, entrelaçando nossos dedos. Ela me olhou assustada e as meninas gritaram na platéia. Evie gaguejou na hora de entrar no refrão e cantei mais alto para abafar o erro, até que ela se recompôs. Se eu estava desconfortável em cantar com platéia, ia levar ela junto.
Almost Paradise
We're knocking on heaven's door
Almost Paradise
How could we ask for more?
I swear that I can see forever in your eyes
Paradise
O professor parecia estar gostado da interpretação, então resolvi levar até o fim e quando o refrão terminou não soltei sua mão. Senti-a relaxar e entrar na onda, então deixei que se afastasse para continuarmos a música, mas ainda sem soltá-la. O mais longe que ela ia era a distancia dos nossos braços estendidos. Quando entramos na estrofe final da música, onde eu deveria cantar sozinho, puxei-a com força para cima de mim e deixei nossos rostos separados por milímetros.
‘And in your arms salvation's not so far away, we're getting closer, closer every day’ Os microfones se chocavam de tão próximos e ela ficou muda enquanto eu finalizava a música encarando-a nos olhos.
‘Bravo!’ O professor levantou do piano aplaudindo freneticamente e nossos amigos começaram a gritar tão empolgados quanto ele. Soltei a mão dela e sorri ‘Fabuloso! Excelente! Sr. Wade, foi realmente bom! Estou surpreso!’
‘Não é o único então’ Evie respondeu corada desviando o olhar de mim e se virando para o professor
‘Próxima dupla, por favor! Está ficando bom! Isso sim é o show business!’
O professor agitava os braços para a próxima dupla entrar no palco e saímos depressa. Quando já estávamos atrás das cortinas novamente ela acertou um tapa no meu braço.
‘Onde aprendeu a cantar e interpretar uma música assim?’ Disse indignada ‘Estava me enganando para ganhar a aposta?’
‘Se eu estava mentindo, então você também me enrolou’ Respondi alisando o braço ‘Pra quem dizia que mal sabia voar, se saiu muito bem no teste!’
‘Eu treinei muito pra isso!’ Ela sentou na cadeira perto da cortina para observar a outra dupla e sentei ao seu lado
‘Bom, eu também. E ainda tive que agüentar o Ty cantando a sua parte’ Estendi a mão e ela me encarou desconfiada ‘Quites então? Aposta anulada? Terminamos empatados, certo?’
‘Ok, empatado. Aposta anulada’ Disse finalmente apertando minha mão ‘Você devia considerar fazer o teste final para a peça. Leva jeito’
‘Nem pensar. Minha carreira em musicais começou e terminou hoje’ Disse depressa e ela riu ‘Não sirvo pra isso’
‘Acho que não faz idéia do que é capaz quando se empenha’ Ela respondeu desviando a atenção para o palco, onde a menina que se apresentava acabara de levar um tombo e a platéia ria ‘O professor Ivo não vai lhe deixar em paz, gostou da nossa apresentação’
‘Ouch, aquilo vai deixar uma marca’ Falei rindo da menina
Ficamos o resto das apresentações sentados no banco observando dos bastidores e não comentamos mais da nossa. Quando todas as duplas já haviam se apresentado o professor dispensou a turma e avisou que a 2ª audição, para os papéis de Rusty e Willard, seriam na semana seguinte. Logo depois passou por nós dois sorridente, fazendo sinal de positivo com a mão e batendo palmas. Evie me olhou rindo. Acho que nunca admitiria a ela, mas até que gostei de experiência.
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‘Tem certeza que não quer mesmo ir pra minha casa?’ Ty perguntou pela quinta vez ‘Não vai ficar ninguém na escola!’
O jogo do Californian Coyotes contra o Texas Bulls havia terminado e comemorava a vitória do meu antigo colégio com meus amigos, mas já estava na hora de ir embora. A mãe de Gabriel já havia arrastado ele irritada de volta para a escola porque ele esqueceu de fazer as malas e os meninos aproveitaram a carona. Ty tinha acabado de voltar de um sumiço de alguns minutos, com o tio do lado.
‘Tem certeza que não quer mesmo ir pra minha casa?’ Perguntou pela quinta vez ‘Não vai ficar ninguém na escola!’
‘Ver você de dançando de saia?’ Falei debochado e o tio dele riu ‘Não, obrigado. Vou ficar em Durmstrang’
‘Ok então... Nos vemos em Janeiro. Bom natal, Ren’ Falei me provocando
‘Bom natal pra você também, Ariel’ Respondi e o tio dele olhou sem entender antes de desaparatarem
Iago estava conversando com Jaeda e fui até eles. Mesmo seu time tendo perdido, ela nunca perdia o bom humor e conversamos ainda um bom tempo antes de nos despedirmos e ela sumir na multidão com os amigos. Aparatamos de volta para a escola e ele foi arrumar a mochila para ir para casa. E quanto a mim, bem, só me restava dormir e torcer para acontecer qualquer coisa durante as férias que quebre o tédio de ficar isolado nesse fim de mundo por três semanas...