A primeira semana de férias havia passado depressa e Evie se deu conta que não havia dormido um único dia sequer na Avalon desde que Micah a tirou da cama com bolas de neve no vidro. Ficar hospedada na Spartacus na companhia dos meninos era melhor do que ficar sozinha na Avalon, sem ter com quem conversar. Em poucos dias Patrick havia conseguido fazê-la entender as regras do truco e as partidas noturnas se tornaram diárias. Os quatro, únicos ocupantes de toda a república, viravam a noite jogando. E quando a neve permitia a saída, o vilarejo era sempre convidativo, com seus cafés com lareiras dentro.
A véspera de natal chegou e Evie nem sentiu o tempo passar. Não sentia a menor vontade de voltar para sua própria república. Voltava a Avalon vazia apenas para pegar roupas limpas e saia outra vez. Mas na última visita rápida encontrou a coruja de Max repousando em cima da cômoda de seu quarto. Havia esquecido a janela aberta e a ave entrara. Nem foi preciso pegar a carta presa à sua pata para saber seu conteúdo. A notícia que ela mais temia nos últimos dias havia enfim chegado.
Com as mãos trêmulas, Evie conseguiu soltar o envelope da pata da coruja e a soltou pela janela. Não queria abrir, tinha receio de que descobrisse estar certa. Enfiou a carta no bolso e retornou a Spartacus. Os meninos estavam na cozinha sujando tudo para conseguir preparar uma pizza e ela subiu as escadas correndo, fechando a porta do quarto e se largando na cama que era de Dimitri e que estava usando para dormir na última semana. A carta estava amassada na sua mão e ela respirou fundo antes de abrir. Max confirmara a sua maior preocupação: sua avó havia falecido naquela manhã.
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‘Aí está você’ Micah entrou em seu quarto e encontrou Evie sentada na janela olhando distraída para os jardins ‘Pensei que tivesse ido embora sem nos avisar’
‘Se não se importa, estava pensando em ficar aqui mais um pouco’ Evie desviou a atenção dos jardins quando Micah sentou na janela ao seu lado
‘Fique o tempo que quiser, tem muita cama sobrando aqui’
‘Obrigada. Vou continuar com a do Dimitri mesmo’ ela voltou a encarar o jardim
Micah sabia em que ela estava pensando, mas não sabia se deveria tocar no assunto. ‘Talvez ela não queira falar’ foi o que ele imaginou e decidiu esperar até que ela desse o primeiro passo. Em vez de conversar, Micah passou a encarar o jardim também, sentado ao lado dela.
‘Minha avó morreu’ Evie falou de repente e Micah sentou de frente para ela
‘Eu sei... Li a carta na sua mão quando vim te chamar pra comer a pizza, fiquei preocupado quando vi que dormiu chorando. Mas achei que você talvez não quisesse falar nada sobre isso, então não perguntei’
‘Não achei que fosse falar algo também’ ela virou de frente para Micah para encará-lo ‘Eu sabia que isso ia acontecer, mas não tive coragem de ir para casa. Max disse que eu era covarde por fazer isso’
‘Então foi por isso que você brigou com ele?’
‘Sim... Mas ele tinha razão, eu sou mesmo uma covarde. Não tive coragem de ir para casa me despedir da minha avó, preferi ficar aqui e fingir que nada disso estava acontecendo. Eu sou uma covarde e agora estou arrependida e é tarde demais’
‘Ei, você não é covarde’ Micah forçou-a a olhar para ele ‘Olha pra mim, Evi. Você não é covarde por não querer ver sua avó morrer’
‘Então por que me sinto uma?’ Evie tinha uma expressão triste no rosto, mas não derramava nenhuma lágrima
‘Nunca deixe que ninguém diga isso de você’ ele soltou seu queixo e ela não desviou o olhar dele ‘Não tem nada de errado em não querer ver uma pessoa que você ama morrer na sua frente’
‘Quem chamou você de covarde?’ Micah não havia dito, mas Evie sabia que era isso. Ela não sabia como, apenas sabia
‘Ninguém importante. Mas ele estava errado’
‘É, acho que você tem razão’ ela deixou escapar um longo suspiro antes de levantar ‘Vou dormir, boa noite’
‘Boa noite’ Evie fechou a porta do quarto quando saiu e Micah permaneceu na janela, pensativo
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‘Ei, aonde você vai?’
Micah parou no meio da escada vendo Evie sair da casa. A garota apenas sorriu e não respondeu sua pergunta, fechando a porta. Micah correu atrás dela e a deteve no meio do jardim.
‘Eu fiz uma pergunta’ ele segurou seu braço e soltou em seguida, percebendo que ela havia ficado irritada
‘Não lhe devo satisfação de nada’ Evie continuou andando e Micah foi atrás
‘Não disse que me deve satisfação, só estou perguntando aonde vai e porque ia sair escondida’
‘Vou até Sofia, para o enterro da minha avó’ ela disse por fim ‘Não sou covarde, posso fazer isso’
‘E está fazendo isso por você mesma ou só para provar para o seu irmão que ele estava errado?’
‘Por mim, claro’
‘Está bem então, eu vou com você’
‘Faça como quiser’
Ela deu as costas para ele e continuar caminhando até os portões. Micah ainda olhou para a república e lembrou que não tinha avisado nada aos meninos, mas não voltou e correu para alcançá-la. Mesmo dando coices, ele sabia que ela estava triste e não ia deixá-la sozinha.
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O funeral de Evangeline Montez Stanislav acontecia na Igreja de Santa Sofia e toda sua família e amigos estavam presentes. Todos, menos sua segunda neta mais velha. Evie observava toda a movimentação de longe, do outro lado da rua.
‘Ela não queria nada disso, está tudo errado’ Evie falou depois de um longo tempo em silêncio
‘O que está errado?’
‘Ela não queria nada disso, odiava ser o centro das atenções e sempre falou que não queria esse monte de gente velando o corpo dela. Ninguém escutava o que ela dizia’
‘Por que não vai até lá então e diz o que ela queria?’ Micah se aproximou dela
‘Ela era minha madrinha também, temos o mesmo nome’ Evie continuou falando sem tirar os olhos das pessoas na igreja ‘Max estava certo, sou uma covarde e não consigo fazer isso’
‘Você não é covarde, Evi’
‘Ela vai fazer muita falta’ ela falou em um tom de voz tão baixo que ele provavelmente não teria ouvido se não tivesse esperando ‘Muita falta’
Era como se ela tivesse falando para si mesma, mas ainda assim queria ser ouvida. Ela então se afastou da calçada e parou em frente a ele, olhando mais uma vez para sua família na porta da igreja.
‘Tenho certeza que sim’ Micah respondeu com um sorriso leve, sem esperar o que viria a seguir. Evie se aproximou dele e o abraçou, descansando a cabeça em seu ombro e se deixando chorar de verdade pela primeira vez desde que soube da morte da avó.
Micah estava surpreso com o gesto, a princípio. Evie não costumava ter esse tipo de comportamento com ele, mesmo ele sabendo que ela era assim com seus amigos. A amizade deles era mais relaxada, mais a base de brincadeiras e briguinhas sem sentido e menos momentos calmos como esse. Mas por mais estranho que fosse, ele estava gostando dessa sensação de tranqüilidade.
Levando as mãos até as costas dela, Micah puxou seu corpo para mais perto do dele, e a deixou chorar em seus braços. Evie suspirou e deu uma última olhada em sua família antes de encará-lo.
‘Vamos embora’
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Os dois pararam em frente a uma casa de aparência antiga, como uma casa de campo. Eles estavam em Jeravna, uma cidade totalmente bruxa no interior da Bulgária. Evie olhava ao redor sorrindo e parecia estar tentando perceber alguma diferença no cenário, como se há muito tempo não o visse. A porta da casa se abriu de repente e três mulheres aparentando ter a mesma idade apareceram na soleira, olhando a menina com sorrisos saudosos no rosto.
‘Estávamos esperando você aparecer, querida’ a mulher morena de cabelos muito negros se adiantou e abraçou Evie ‘Entrem, os dois, está frio aqui fora’