“Cuidado para com a fogueira que acendes contra teu inimigo; ela poderá chamuscar a ti mesmo.”
William Shakespeare
Já era fim de tarde quando uma mulher alta, cabelos loiros com um corte sério e caminhar firme e decidido se dirigia à rua das republicas. Era alguém importante, pois os alunos que estavam nas varandas de suas casas viravam a cabeça ao vê-la passar. Traçou uma reta até a porta da Atenas e bateu três vezes. Uma garota de não mais que 13 anos abriu.
- Boa tarde. Estou procurando Parvati Karev, ela está?
- Ahn, sim – a menina gaguejou ao reconhecer a mulher na sua frente – Vou chamá-la pra senhora.
- Não é necessário, apenas diga qual é seu quarto. Eu mesma a encontro.
- Quarto andar, 2ª porta à direita.
- Obrigada.
Subiu às escadas com passadas duras e nem bateu na porta quando a encontrou. Quando entrou no quarto, sua filha estava sentada na cama atirando roupas na mala, enquanto conversava com a melhor amiga, Leonora.
- As audições foram ótimas, já estou ansiosa pra começarem os ensaios – Leonora falava enquanto dobrava suas roupas.
- E você viu a cara do Robbie quando a professora Yelchin anunciou que Dario Stanislav ia estar na bancada com ela, a Mira e a Ferania? – as duas riram – Achei que ele fosse desmaiar.
- Ham-ham – a mulher para a porta pigarreou.
- Mãe? – Parvati levantou depressa – O que está fazendo aqui?
- Aconteceu alguma coisa, tia? – Leonora também ficou de pé.
- Sim. Gostaria que você me explicasse porque recebi uma carta do diretor me informando que minha filha não poderá cursar o 7º ano em Durmstrang.
- Como é que é? – Parvati puxou o pergaminho amassado da mão da mãe – Ele está me expulsando?
- O que vocês fizeram agora?
- Nada! – as duas responderam juntas.
- Bom, vamos ver o que é esse “nada” – a mulher tomou a carta de volta – Vamos agora ver o diretor, anda.
Parvati não viu alternativa senão seguir sua mãe. E ela nem ousaria desobedecer. Sua mãe era prefeita da cidade de Sofia e embora fosse uma mãe carinhosa, era uma mulher muito rígida. Não tolerava indisciplina e sempre cobrava comportamento exemplar das duas filhas, principalmente se o comportamento inadequado pudesse refletir em seu cargo. E uma expulsão refletiria até demais.
- Podem entrar – Igor Ivanovich já estava à espera delas – Sentem-se, por favor.
- Boa tarde, Igor – Karen o cumprimentou – Não era dessa forma que esperava revê-lo.
- Lamento que tenha tido que vir até aqui, mas queria explicar meus motivos pessoalmente.
- Diretor, eu não fiz nada, isso não é justo! – Parvati se defendeu.
- Não fez nada, Srta. Karev? E quanto a pasta roxa, com os arquivos de cada aluno que ia apresentar na reunião de pais e mestres que tive que cancelar? Nega que a roubou?
- Sim! Não roubei nada, nem sei que pasta é essa! – ela mentiu. Jamais confessaria.
- Que história é essa de pasta roxa? – Karen interrompeu, perdida.
- Sua filha roubou um arquivo importante da escola e sumiu com ele, anulando assim tudo que tinha arquivado nele sobre seu comportamento ao longo desses 6 anos.
- Eu não roubei nada!
- Igor, pode provar isso que está dizendo? Não que não acredite que minha filha possa ter feito isso, mas acho que estou no direito de pedir uma prova.
- Parvati é a única aluna nessa escola com audácia suficiente para invadir um escritório privado e roubar um documento. Ela e Leonora Ivashkov.
- Ele não tem prova de nada, está só supondo.
- Posso não ter provas desse roubo, mas sua lista é extensa. As reclamações dos alunos e professores são sempre as mesmas, você atrapalha as aulas e intimida os alunos. Ano passado uma aluna foi amarrada a um dos postes do campo de quadribol apenas de roupa intima. Vai negar isso também?
- Não, isso não nego que fiz, não escondi de ninguém – ela deu de ombros, indiferente – Estava dando em cima do meu namorado, precisava aprender que não devia ter se metido comigo.
- A história da pasta foi apenas o ponto final, mas tenho motivos de sobra para sua expulsão. Não quero lidar com mais reclamações no próximo semestre, onde todos os alunos do 7º ano extrapolam todos os limites para deixar sua marca antes de se formar – e ele fez uma careta quando falou.
- Igor, vamos ser racionais aqui. Minha filha errou, mas você não tem provas do roubo dessa tal pasta contra ela, apenas a sua certeza. Ela estudou seis anos aqui, fez amigos, não é justo que tenha que abandonar tudo faltando apenas um ano para se formar.
- O que não é justo é continuar permitindo que os alunos sejam aterrorizados por sua filha. Isso sim não é justo, Karen.
- Está falando como se eu fosse um monstro!
- Não um monstro, mas alguém que não tem limites.
- Agora você está ofendendo a educação que dei a ela, Igor – Karen agora parecia ofendida – Sei muito bem que minha filha não é um exemplo a ser seguido, mas não posso ter controle sobre tudo que ela faz quando estou longe. Garanto que a eduquei muito bem, e nada do que acontece aqui foi ensinado por mim ou por seu pai.
- Não quis ofender, me desculpe. Mas mantenho minha decisão, nem ela e nem Leonora Ivashkov voltam em Setembro.
- Deve haver um jeito de fazermos algum acordo.
- A única maneira de permitir que fiquem é que entrem na linha – ele olhou sério para Parvati, que não lhe deu importância – Não quero ouvir mais nenhuma reclamação sobre elas, nem dos professores e muito menos dos alunos.
- Isso pode ser arranjado – Karen olhou para a filha severa – Posso dar minha palavra que as duas iram mudar de atitude no próximo semestre, ou eu mesma venho aqui levá-las embora.
- Vai fazer o que sua mãe está dizendo?
- Posso tentar – respondeu de má vontade.
- Não tente, faça – e Karen levantou, puxando a filha pelo braço.
- Que fique claro que só estou fazendo isso em nome da nossa amizade, Karen – Igor ficou de pé também – Não costumo dar uma segunda chance a esse tipo de atitude, mas sei que vai cumprir sua palavra se elas saírem da linha.
- Vou mantê-las na linha. Vamos embora.
Karen apertou a mão do diretor e saiu rebocando a filha de seu escritório. Caminharam juntas de volta à Atenas sem trocarem uma única palavra. Ela cortava qualquer tentativa da filha de se explicar, apenas ordenando que continuasse andando. Voltaram ao quarto e Leonora ainda estava lá, esperando ansiosa.
- Então? Você foi mesmo expulsa? – perguntou aflita.
- Não, mamãe reverteu a situação – respondeu ainda cautelosa.
- Escutem bem, vocês duas – Karen encarou as duas com uma expressão furiosa no rosto – O diretor não tinha provas, mas sei muito bem que ele estava certo sobre essa tal pasta que sumiu. E não faça essa cara de sou uma coitada, minha mãe não liga pra mim, pois esta mãe aqui liga e conheço muito bem as duas, dona Leonora! – ela cortou logo o teatro quando Leonora começou a soar ofendida – Não permiti que ele expulsasse as duas porque não tenho tempo para procurar outra escola que as aceite, tendo uma gravidade dessa na ficha, e porque sua avó não tem mais idade para lidar com esse tipo de aborrecimento. Fiz um trato com o diretor, que é meu amigo, e pretendo mantê-lo. As duas vão entrar na linha, pois se uma única coruja chegar à Sofia contento reclamações, venho pessoalmente até aqui e arrasto as duas para fora. Estamos entendidas?
- Sim senhora – as duas responderam cabisbaixas.
- Ótimo, porque não gosto de ter minha palavra quebrada.
- Tia, minha avó recebeu uma carta do diretor também? – Leonora perguntou preocupada.
- Não, ele me chamou aqui primeiro. Ela não precisa saber disso, se não me der motivos para contar.
- Não darei!
- Assim espero – e olhou para a filha – Prepare-se, porque quando chegar em casa vai bater um longo papo comigo e seu pai - e saiu pela porta.
- Ai Merlin, acho que vou desmaiar – Leonora botou a mão na testa, dramática.
- Poupe-me de ter que carregá-la até a enfermaria, por favor – Parvati se jogou na cara, enfezada – Quero saber quem foi que nos dedurou.
- Se ele não tinha provas, não foi ninguém. Ele sempre implicou com a gente, só estava querendo um bode expiratório pra dar a história como encerrada.
- Não sei... Ele parecia muito certo, tenho certeza que fomos deduradas e você sabe muito bem por quem.
- Ozzy? Não, ele não faria isso. Ele nos viu, mas disse que não ia falar nada.
- E você confia nele? – Parvati levantou e parou na janela, encarando a rua das republicas – Foi ele. E se ele pensa que isso vai ficar por isso mesmo, está muito enganado.
- O que você vai fazer?
- Acertar onde dói mais. Acabou a trégua.
Leonora não pediu mais detalhes e Parvati também não estendeu o assunto. Quando se tratava de uma vingança, e contra Ozzy, Leonora aprendeu que o melhor era não saber dos planos e tentar ao máximo não se envolver. Independente do que ela fosse fazer, era melhor ficar longe da confusão. Já sabia que, o que quer que fosse, teria conseqüências catastróficas.