- Não vai atender? – Eu perguntei, quando o celular da Lenneth continuou tocando.
- Agora não. Depois falo com o Patrick.
- Está tudo bem? – Phil perguntou.
- Sim, é só que ele cisma de ficar me ligando o tempo todo durante as férias. Agora estou ocupada! – Ela falou sorrindo, enquanto dava de ombros.
- Voltando ao assunto dessa conversa, então. – Ayala falou, após olhar de forma curiosa para Lenneth. Voltamos nossa atenção para meu notebook, que estava aberto com um programa que ele havia carregado e rodado. O programa tinha feito um escaneamento completo dele, e Ayala usara seus conhecimentos para ir mais a fundo na memória do meu computador.
- Diga. – Eu falei sério. Era nossa primeira semana de férias e Ayala chegara naquele mesmo dia, trazendo meu notebook com ele.
No mesmo dia em que descobrimos sobre o roubo dos meus textos, enviei meu notebook para que Ayala pudesse dar uma olhada nele. Ferania em pessoa se providenciou em mandá-lo pelo correio trouxa. E hoje, eu, Phil, Ayala e Lenneth nos reunimos na casa de Lenneth para conversar sobre isso. Lis, Ozzy e Jack também participariam da reunião, mas Lis estava na França visitando sua família, Jack viajando com seus pais e Ozzy ocupado com alguns compromissos de família, algo sobre um visitante em sua casa.
- Eu usei um programa rastreador e consegui descobrir algumas coisas. Quem roubou seu texto utilizou a sua senha para isso. Você a deu para alguém?
- Não, apenas a Lis conhece a senha do meu notebook além de mim e do meu irmão. – Lawfer estava na casa do Ozzy, brincando com Edgar. – E confio plenamente neles.
- Eu sei que confia e já imaginava sua resposta. Então, encontrei em seu computador alguns programas que fazem a cópia de seus dados e senhas salvos. Ele não estava programado para enviar esses dados pela rede, pois imagino que o ladrão não queria isso. O programa enviava os dados salvos para um arquivo temporário que foi copiado para um pen drive, ou outro dispositivo quando ele foi inserido. Assim ele obteve sua senha.
- E também meus textos? – Eu perguntei, sentindo a raiva.
- Não, de início foram apenas suas senhas. Depois, exatamente 2 semanas depois de ter copiado suas senhas. O seu computador foi acessado usando sua senha durante a noite, no horário entre 18 e 20 horas da noite.
- É quando vocês estavam no treino de Hockey, não é? – Lenneth falou e eu assenti.
- Ele acessou seu computador por 15 minutos e conseguiu copiar os textos da pasta “Memórias de Taugor”. Ele também copiou alguns textos avulsos, totalizando mais de 30 arquivos roubados. – Ele falou, indicando-me uma lista com 30 arquivos meus. Em quantidade de textos era muito mais do que isso, pois alguns arquivos continham séries completas ou quase finalizadas.
- Então, é alguém da República? – Phil perguntou, o tom sério.
- Provável, ou alguém com acesso a ela. Pode ser qualquer um... – Lenneth falou, olhando para todas aquelas informações com os olhos sérios.
- Eu acredito que é alguém próximo, ao menos de nossa República. Nem todos sabem como eu gosto de escrever e sobre a existência dos meus textos. – Eu comentei e eles concordaram.
Continuamos a conversar sobre esse assunto por mais pelo menos meia hora, quando a mãe da Lenneth, Tia Freya bateu a porta trazendo doces para todos. A reunião pouco durou depois disso, todos muito ocupados em comer os deliciosos bolos que ela tinha trazido para a gente.
Ayala e Phil saíram alguns minutos depois, perto do final da tarde, pois iriam no mercado do centro de Sofia. Eu e Lenneth nos sentamos em um balanço em seu jardim e começamos a conversar, colocando o papo em dia. Nas férias era comum passarmos muito mais tempo juntos que durante as aulas, principalmente pelo fato de sermos de turmas diferentes.
O jardim de Lenneth sempre foi um dos meus locais favoritos, pela sua beleza e como era bem tratado. Os pais dela adoravam a natureza e sua mãe era apaixonada por jardins. Passamos muito de nossas infâncias ali, principalmente nesse balanço, em meio a gargalhadas e brincadeiras com Ozzy, Phil e mais tarde Ayala.
Lenneth estava vestida com blusa branca com listras rosas que eu dei a ela em seu último aniversário e uma calça cinza, pois ela sentia frito, enquanto eu estava de camisa e bermuda, acostumado ao frio. A abracei para tentar espantar o frio e continuamos conversando, mas pela primeira vez eu senti uma sensação incômoda ao abraçá-la. Não era uma sensação ruim, pelo contrário, era boa, mas me parecia como se fosse errado. O que era estranho, pois sempre fomos próximos.
Ouvi um latido alto e familiar e logo depois a campanhia tocou. Nos levantamos do balanço curiosos de ver quem era e chegamos perto da entrada do jardim, quando Tia Freya surgiu, conversando com alguém que nos foi uma grande surpresa.
- Estava vindo chamá-los, vocês têm visitas. – Ela falou sorrindo para Reno.Notei que ele parecia abatido, e que seu sorriso parecia um pouco triste. Reno sorriu para nós dois e Huan, meu labrador, passou correndo por ele. Ele se jogou em mim e lambeu meu rosto quando me derrubou no chão. Logo em seguida saiu correndo para o jardim latindo animado, enquanto um garoto com uns 10 anos o seguia correndo. Assim que vi o garoto eu não tinha dúvidas de quem era seu pai. Ele tinha os olhos de Reno, assim como o cabelo, mas o rosto era idêntico ao de sua esposa.
- Boa tarde a todos. Tomei a liberdade de trazer seu cão conosco, Archer gostou tanto dele. – Ele falou sorrindo, esticando a mão para me ajudar a levantar. Eu me levantei rindo.
- Tudo bem, e Huan pelo visto adorou a oportunidade de sair de casa. – Eu falei, observando meu cachorro correr livre pelo jardim, enquanto Archer o seguia, sorrindo alegremente.
- O que traz o senhor aqui, professor? – Lenneth perguntou curiosa.
- Não estamos na escola, Lenneth, e já falei que não precisam me chamar de professor e senhor. – Ele falou e nos fez repetir o seu apelido, e chamamos de Reno enquanto ríamos.
- Tudo bem, Reno. – Ela falou sorrindo. Ele sorriu também, mas percebi novamente que tinha um olhar triste e fiquei preocupado.
- Está tudo bem?
- Bem, sim. – Ele falou, enquanto caminhávamos para uma mesa e nos sentávamos. Ele deixou seu olhar fixo em seu filho por um longo tempo antes de voltar a responder. Via ali tristeza e alegria juntos.
- Reno? – Lenneth perguntou, ficando preocupada e tocando sua mão de leve. Ele pareceu acordar e nos olhou novamente.
- Desculpem, esses últimos dias têm sido corridos... Eu vim à Sófia para falar com o Ozzy, e pensei em procurá-los também. Fazer uma visita.
- Algo muito urgente? – Eu perguntei apreensivo.
- Acho que desabafar não seria muito... – Ele falou sua voz tornando-se cansada. – Sabia que minha esposa e a mãe de sua namorada, Liseria, são amigas e trabalham juntas? – Ele perguntou de repente e eu assenti.
- Sim, a Lis me falou isso já. Ela diz que sua esposa é uma excelente estilista e trabalha com a mãe dela, que também é estilista.
- Sim. O apoio delas está sendo muito bom para Julie. – Ele falou e aguardamos que falasse. – Minha esposa teve um aborto ontem a noite. É o segundo aborto em menos de um ano. – Ele falou suspirando e vi que segurava as lágrimas.
Ele voltou a olhar o filho e entendi sua dor. Reno podia ser ranzinza e chato muitas vezes, muito exigente e tudo mais, mas era uma pessoa excelente. Se ele tratava seus alunos tão bem e com tanto carinho eu imaginava seu filho. Dava para ver em seu olhar o amor que sentia pelo filho e pensar que ele perdera um segundo filho em um ano era doloroso.
- Reno, não sei nem o que te dizer. – Vi que Lenneth não conseguia segurar as lágrimas e apertou a mão dele com carinho, enquanto tentava limpar as lágrimas discretamente. Eu apertei sua mão também e ele nos devolveu com um aperto forte, mas sem derramar lágrimas.
- Seu filho sabe? – Eu perguntei olhando para ele também.
- Sabe, contei a ele hoje de manhã. Por isso o trouxe comigo. A Julie está muito abalada e precisa descansar e eu não podia deixar de vir. E não faria bem para o Archer ficar triste também.
- Vocês terão muitos filhos ainda, tenho certeza. – Eu falei e ele me olhou sorrindo.
- Espero Lucian. Mas não tenho certeza. Os médicos e curandeiros dizem que podemos não ter mais filhos. – Ele falou, gaguejando. Lenneth não conseguia mais falar e vi quando ela virou o rosto, segurando as lágrimas. Eu senti a dor que aquelas palavras tinham para Reno e tentei dar meu apoio a ele.
- Reno, se há algo que nos ensinou nesses anos é que não devemos nos dar por vencidos e acreditar enquanto ainda houverem esperanças. – Eu falei e Reno me olhou nos olhos. Via força que ele tinha e acho que consegui passar um pouco da força que eu queria dar a ele.
- Obrigado Lucian e Lenneth. Essa visita me fez bem. Ozzy também foi um bom amigo e me apoiou. – Ele falou. Nesse momento Archer foi correndo até nós e Reno voltou ao seu rosto alegre para o filho. Lenneth levantou e ficou as minhas costas, como se me abraçasse, para esconder as lágrimas dele.
- Pai, eu achei esse graveto, você consegue fazer algo com ele? – Ele perguntou sorrindo.
- O que quiser. – Reno falou. Ele fez pequenos símbolos na madeira com a própria unha e tocou-a de leve. Um pequeno raio percorreu o graveto e ele mudou de forma, assumindo a forma de um freesbie. Archer o pegou alegre e jogou para Huan que saiu correndo atrás dele.
- Você não disse o por quê de vir visitar o Ozzy. Pensei que gostaria de estar com sua esposa. – Lenneth falou, voltando a se sentar ao meu lado. Ela estava de mãos dadas a mim, e eu a apertava com força.
- É para o bem dele. Consegui uma entrevista no Vancouver Canucks para ele. – Ele falou e eu não segurei uma exclamação. Vancouver Canucks era o time dos sonhos do Ozzy.
- É o time favorito dele, ele sempre quis jogar neles!
- Eu sei, por isso mesmo que me empenhei em conseguir essa entrevista. Não poderia deixar de vir e dar essa notícia ao Ozzy, fora que falei com o treinador do time que eu mesmo o levaria até lá. Não poderia faltar com vocês também. – Ele disse, sorrindo. Eu não sei bem o porquê, mas o “também” dele me soou de forma estranha. E acho que ele percebeu, pois olhou em meus olhos profundamente.
- Eu preciso ir, queria apenas visitá-los. Torçam pelo Ozzy. Se ele passar no teste, estaremos ajudando-o a realizar seu sonho. – Ele falou, levantando-se. Archer pareceu triste ao ir embora, mas prometi que deixaria que Reno levasse Huan algum dia para visitá-lo e disse que a próxima vez que tivéssemos filhotes, mandaria um para ele.
Archer me agradeceu feliz, abraçando-me com força. Na hora da despedida eu abracei Reno com força e desejei que ele fosse forte, e Lenneth também o abraçou, deixando de lado o fato de ser nosso professor. E acho que foi bom para ele, que sorriu de forma alegre para nós e saiu de mãos dadas com Archer.
Quando dei por mim, continuava de mãos dadas com Lenneth e ela tinha a cabeça deitada em meu ombro, ainda comovida com a história. Huan latia alegre, enquanto eu segurava sua coleira com a outra mão. Abracei Lenneth e voltamos para casa, enquanto ela dizia que eu seria um excelente pai, e eu dizia que ela seria sempre uma manteiga derretida.