Wednesday, July 27, 2011

"De todos os animais, o homem é o único que é cruel. É o único que inflige dor pelo prazer de fazê-lo."

Mark Twain.



- Parvati, visita pra você – Alexis bateu na porta do meu quarto e a abriu.

Lukas entrou com um sorriso que ia de uma orelha a outra e me puxou da cama para um abraço apertado. Ele me girou pelo quarto e quase caímos no chão.

- Ok, o que aconteceu? – comecei a rir da empolgação dele.
- Você é a melhor namorada do mundo.
- Isso eu já sei, mas porque está me lembrando disso?
- O teste no Vancouver Canucks – ele agarrou meu rosto e me beijou – Acabei de voltar do Canadá e a vaga é minha!
- Lukas, isso é maravilhoso! – abracei-o feliz – Mas pensei que o teste era só daqui a duas semanas.
- Era, mas liguei pra lá e expliquei que já estava no país de férias, eles concordaram em conversar comigo antes.
- Parabéns, você mereceu essa vaga.
- Não sei como conseguiu isso, mas vou ser eternamente grato a você. Esse era meu emprego dos sonhos.
- Eu sei disso, por isso consegui a entrevista. Digamos apenas que eu conheço as pessoas certas.
- Só tem um problema... – a voz dele perdeu um pouco da empolgação – Vou precisar me mudar até o final de julho, os treinos começam em agosto. Vamos ficar longe.
- Lukas, eu volto pra Durmstrang em setembro e você já se formou, já íamos passar um ano separados. Vamos fazer assim, você vai pro Canadá, eu volto pra escola e nos encontramos nos seus finais de semana de folga. E ai ano que vem, quando eu estiver formada, conversamos. Quem sabe não vou para o Canadá com você?
- Você é mesmo a melhor namorada do mundo.
- Outra vez, falando o óbvio. Por que não para de repetir isso e me recompensa?
- É pra já.

Lukas me pegou no colo e me derrubou na cama, caindo por cima de mim. Não tinha sido simples conseguir aquele teste pra ele, mas se ele conseguiu a única vaga disponível no time, tinha valido a pena o esforço.

ºººººº

Duas semanas depois

Depois que a viagem a Nova York foi brutalmente interrompida pela morte da avó da Leo, voltamos todos para a Bulgária. Tínhamos muitos planos para as férias, outras viagens, mas Robbie já havia decretado que estavam todas suspensas, a menos que Leo dissesse o contrário. Ninguém sabia bem como confortá-la, ela não nos deixava muitas brechas para isso, então tudo que fizemos foi dar a ela tempo e espaço para que se recuperasse sozinha.

Meus novos planos não incluíam muitas coisas. Com todas as atividades para as próximas duas semanas canceladas, Robbie se viu preso a viagens de negócios com o pai e eu acabei confinada em casa com Alexis, Jack e Julie. Os três tinham acabado de voltar de uma viagem à França e me ocupava em dividir com eles as histórias de Nova York e começar a planejar nossa road trip pela costa do Mar Negro. Partiríamos em três semanas, só nós quatro, e Alexis estava especialmente animada. Era a primeira vez que nossos pais a deixavam viajar conosco sem um adulto supervisionando.

Enquanto o dia da partida não chegava, procurávamos outras coisas para nos manter ocupados, como uma festa que acontecia todo ano na última semana de julho em Sofia. Não era o tipo de evento que eu adorava, mas mamãe sempre tinha que ir e acabávamos sendo arrastados com ela. Era divertido, não nego, mas esse ano não estava animada. Leo não ia comigo e Robbie ainda não tinha voltado da Alemanha, com quem ia falar mal dos mal vestidos espalhados pela praça? Mamãe já estava no local do evento desde cedo e me preparava para sair com minha irmã e meus primos quando a campainha tocou. Julie abriu a porta e Ozzy entrou feito um furacão na sala, gritando meu nome.

- Sua vadia! – ele gritou apontando o dedo pra mim. Levantei do sofá, já furiosa.
- Olha como fala comigo, está na minha casa!
- Você tem idéia do que fez? – ele ainda gritava, vermelho de raiva – Você acabou com o meu futuro!
- Ai Merlin, que drama! – debochei – Isso é pra aprender a não se meter comigo.
- Então você nem nega, não é? – ele riu, mas era de nervoso – Sua filha da-
- Ei! – Jack apareceu na sala, atraído pelos gritos – Ozzy, olha como fala com ela.
- Falo com essa vagabunda como eu quiser, você sabe o que ela fez? Cancelou minha entrevista com o dirigente do Vancouver Canucks, alegando erro nos nomes, e mandou o namoradinho no meu lugar duas semanas antes! Ele ficou com a minha vaga!
- Você fez isso? – Julie saiu do estado de transe pela gritaria.
- Fiz, e faria de novo. Ele foi contar pro diretor que eu estava com a pasta roxa, quase fui expulsa!
- Está maluca? Não falei nada com ele e nem com ninguém!
- Você foi o único que nos viu com a pasta e ele só não nos expulsou porque não podia provar. Só você poderia ter nos dedurado.
- Ah, então você acabou com o meu sonho baseado em uma suposição? Por que você acha que só eu poderia ter contado a ele? Já lhe ocorreu que ele sempre desconfia de vocês duas pra tudo de ruim que acontece na escola e só precisou somar 2 + 2 pra descobrir as autoras do roubo?
- Parv, você foi longe demais – Julie o apoiou e me irritei mais ainda.
- Se estão esperando que eu diga que estou arrependida, podem desistir. Não estou. E faria outra vez.
- Não vim aqui esperando ouvir um pedido de desculpas, não se preocupe. Sei que você é egoísta e prepotente o suficiente pra não sentir remorso. É por isso que só tem dois amigos de verdade, ninguém gosta de você além dos seus dois comparsas. Ninguém confia em você. Acha que manda na escola e todos fazem o que quer e dão risada das suas piadas, mas na verdade estão todos rindo de você. Se ouvisse o que falam pelas suas costas, perderia umas boas noites de sono. Eu tenho pena de você, sabia? Por que vai ser uma daquelas velhas ricas que não tem amigos e quando morrer, sozinha em casa, vão levar dias pra achar o corpo porque ninguém vai sentir sua falta.
- Já chega – Jack se pôs entre nós dois e Julie já segurava o braço de Ozzy, que avançada contra mim – Vá embora, depois conversamos.
- Não, ele não vai a lugar nenhum desse jeito, vai se acalmar antes! – Julie puxou Ozzy pra longe de mim.
- Não queria interromper a confusão, mas realmente quero ir pra festa – Alexis apareceu na sala pronta pra sair – Eddie está me esperando.
- E você fique longe do meu irmão! – ele apontou o dedo pra Alexis, que se assustou – Não quero ele metido com a irmã dessa vadia.
- Não grita com a minha irmã! – agora era eu que gritava e botava o dedo na cara dele – E sou eu que não quero ela metida com aquele esquisito do seu irmão. Sei lá se aquele garoto vai surtar de uma hora pra outra e atacar minha irmã.
- Eddie não é psicopata como você!
- Parvati, para com isso! – Alexis segurou meu braço – Parem de discutir! Nenhum dos dois tem que se meter na nossa vida!
- Vamos embora – agora era Jack que me puxava na direção da porta – Vamos pra festa, você se acalma no caminho.
- Tudo bem, mas eu dirijo.
- Ah, vai dirigir? Então faz um favor pra humanidade e joga esse carro contra um muro. – ele falou frio, me encarando.

Peguei a chave do carro no balcão e sai batendo a porta. Minha mão tremia, de tanta raiva que estava sentindo. Alexis saiu logo depois e Jack vinha atrás dela. Ele tentou tomar as chaves da minha mão, mas o olhei atravessado e ele desistiu, me deixando dirigir. Estava tão nervosa que minhas mãos não ficavam firmes no volante e eu ainda bufava de raiva. Era muito audácia dele entrar na minha casa e me ofender.

- Parv, ele estava nervoso e não pensou direito quando disse aquelas coisas, mas você também passou dos limites – Jack falou ao meu lado e o olhei furiosa.
- Não ouse defende-lo! Você ouviu do que ele me chamou?
- Sim, ouvi, e também não gostei, mas o que você fez foi sério.
- Ele não tinha o direito de entrar na minha casa e me ofender! – comecei a gritar dentro do carro, fora de controle – E ainda me chamar de vadia! Não vou deixar isso barato!
- Parv, calma – Jack se dividia entre olhar a estrada e me acalmar – Presta atenção no volante, depois a gente fala disso.
- Garoto insuportável e arrogante! – continuei gritando – Quem ele pensa que é?
- PARVATI, CUIDADO!

Olhei para frente, mas era tarde demais. A luz forte do farol do caminhão já estava a milímetros do carro. As lembranças me invadiram como um turbilhão. Era como se cada defesa, cada fachada, cada insegurança que tinha na vida tivessem sido arrancadas. Estava ali em carne e osso indo de encontro à morte. E então fechei os olhos, sentindo o impacto do carro contra o caminhão.