Tuesday, March 06, 2007

- Unh... Um diário?! – disse intrigada e com um quê de desapontamento quando livrei o presente de Ricard do embrulho. Logo tentei sorrir e não mostrar indignação, mas ele me conhecia bem demais pra reparar nesses detalhes. Soltou um sorriso discreto e se sentou ao meu lado sem falar nada, olhando o bloco de neve que se formava em cima da minha bota.
- Não gostou, não é?
- AH, gostei sim, é lindo! Obrigada!
- Vina... Você não gostou!

Parei e soltei um suspiro! Estava com medo de ele ter ficado desapontado com isso...

- Ric, não quero parecer o tipo de amiga mal agradecida...
- Não pareceu!
- Você sabe que não nasci pra escrever em diários, não sabe? – me sentindo um pouco mais leve e com vontade de me expressar de uma vez.
- Ah, eu sei! Sempre me disse que não suporta a idéia de escrever da sua própria vida em folhas brancas e sem opinião... – ele disse rindo.
- Exatamente! – parei confusa. – Então, se você sabe disso, porque me deu um diário? É algum tipo de vingança? Te fiz alguma coisa que você não gostou? Desculpa!!!
- Vina, respira! Você não fez nada! Pelo menos, nada que me inspirasse em uma vingança...
- Então, se não é vingança é o que afinal?
- Ajuda. Ajuda de amigo que se preocupa com você! E muito!
- Não estou te entendendo... – cada vez mais perdida no que ele estava tentando dizer.
- Ah, vou ter que te falar sinceramente... Bom, o que acontece é que andei conversando com a minha mãe sobre você...
- Você andou conversando com uma terapeuta sobre mim?
- Não é como se estivesse falando com uma terapeuta mesmo, certo? Ela é minha mãe, gosta de me aconselhar! O fato é... – continuou mais firme- que ela, analisando a sua personalidade, me esclareceu algumas coisas que eu não conseguia entender sobre você!
- Ah é? E o que ela te esclareceu sobre mim hein? – esquecendo que estava confusa e falando em um tom amargo.
- Coisas mais ou menos assim... Sua precipitação, sua teimosia. Seu orgulho. A sua mania de sempre achar que é a errada, de sempre achar que as pessoas não gostam de você, ou que você fez alguma coisa equivocada. Resumindo: a sua mania de pedir desculpas excessivas pelo que não fez! Sem contar do seu nervosismo precoce, da sua irritação boba...
- Ok, pode parar. Não sabia que você tinha essa visão tão defeituosa de mim... – disse levantando o pé e fazendo a neve em cima da bota cair no chão, me preparando pra levantar.
- Você vai ficar aqui e me escutar. – Ric me segurou com firmeza e permaneci sentada, mais irritada agora.
- Olha só, deixa eu te dizer uma coisa. Cada pessoa é de um jeito! Se você pensa que me dando esse diário eu vou me tornar uma menina meiga e paciente, esqueça! Não gosta de mim do jeito que eu sou, ótimo, mas não precisava se incomodar em me dar um diário para tomar seu lugar de “amigo”!
- Ta vendo? Você devia parar pra se escutar de vez em quando! Te garanto que ia se divertir...
- Não estou achando graça! – e agora eu estava me controlando para não pular no pescoço dele e dar uns tapas.
- Vina, você é muito precipitada! Eu não te disse ainda nem o porquê de ter te dado o diário, e você concluiu que te dei porque só vi defeitos em você e não quero amizade assim! Eu só disse alguns dos seus defeitos, mas eles se escondem em muitas e muitas qualidades! Agora, será que dá pra você aceitar que como pessoa comum você tem defeitos e parar de tramar todo o nosso “fim de amizade”?

Parei e encarei ele. Sério, eu tive que ter um autocontrole irracional, mas parei pra o deixar falar. Não queria violentar ele, sem um motivo forte para isso. Ele respirou, vendo que eu tinha me rendido, e continuou mais calmo.

- Bom, o fato é que minha mãe disse que você sofre de Síndrome do Déficit de Auto-estabilidade.
- É grave isso??? Merlin! Eu disse pra enfermeira que dessa vez eu realmente estava sentindo náuseas tonteantes!!!
- Calma. Basicamente, e em linguagem popular, a Síndrome significa que você sofre de falta de segurança! Você é insegura com relação a tudo. À amizades, à relacionamentos, à você mesma! Problemas de confiar demais nas pessoas...
- Eu confio em você! Muito! Você não acredita nisso? –começando a ficar desapontada.
- Acredito, mas você não... Vina, tem coisas sobre mim que você não quer saber. Você tem medo de descobrir demais sobre o que eu sou e você se desapontar com algum traço que te desagrade. Você conversa muito com suas amigas, mas aposto que nunca perguntou pra elas o que elas pensam de você. Por quê? Porque você tem medo da resposta e da sua reação, tem medo de não aceitar críticas! E o Victor...
- Não quero falar sobre ele ok? Se todo esse discurso seu é pra me fazer entender que a culpa dessa briga foi de novo minha, não perca seu tempo!
- ele gosta muito de você! Acho que você um dia vai compreender o tanto! Mas você é distante! Não estou dizendo que você não gosta dele, pode até ser que você goste muito dele, mas você não consegue se entregar demais, estou errado? Sempre com um pé atrás, com medo, precaução, sei lá!
- Foi ele que te mandou aqui, não foi? – Raspando os dentes.
- Não, não foi. Se ele imaginar que vim falar com você, me mata! Ele me contou porque vocês brigaram...
- A versão dele tem efeitos chocantes? A minha tem até sangue voando, quer ouvir?
- Sem brincadeiras...
- Você me pede pra ter senso de humor, eu estou tentando!
- Vina, olha pra mim, eu quero te ajudar! Eu acho que boa parte dessa sua insegurança é porque você não aprendeu a confiar em si mesma ainda... Então eu me perguntei um jeito de fazer você conversar consigo mesma de vez em quando. E o diário foi a maneira que eu escolhi. Olha só, pensa comigo... Se você relatasse alguns, ALGUNS, dias da sua vida, aqueles dias que realmente você tenha sofrido algum tipo de emoção forte, se você os relatasse aqui, e desse uma lida depois, então você aprenderia qual é o seu comportamento em cada tipo de situação. E então, você iria querer conversar com seus amigos sobre seus comportamentos, mas estaria interessada em ouvir suas opiniões sinceras. Feito isso, eu e seus outros amigos diríamos o que pensamos, e você tentaria melhorar os pontos que você não gostou. Melhorando isso, você estaria renovando seu espírito e sua personalidade, gostando mais de você mesma, e confiando mais nas pessoas, se entregando mais às relações sem medo do que pode acontecer! Entendeu?

Fiquei encarando ele em choque, sem saber o que responder, mas tinha entendido toda a progressão psicológica que ele tinha estabelecido pra mim. Depois, olhei pra baixo e suspirei, tentando encontrar alguma coisa pra falar, mas ele foi mais rápido, de novo!

- Olha, eu acho que boa parte das suas “doenças”, são causadas por isso... Você inventa doenças por se sentir insegura e corre para a enfermaria buscando um tipo de segurança e conforto que na verdade não seria necessário...
- Mas eu realmente sinto muitas dores! – ofendida.
- Eu sei, mas poderia sentir menos se aprendesse a se automedicar, concorda?

Estava cansada, minha cabeça estava rodando com tantas informações.

- O que você quer que eu faça? Só escrever nesse diário esporadicamente?
- É, seria um bom começo, pra variar...
- E se eu fizer isso, você vai continuar agüentando escutar meus desabafos e minhas queixas? Vai continuar tentando entender meu lado, mesmo sendo melhor amigo do Victor também?
- Prometo!

Olhei pra ele, que sorria meigamente, como se estivesse vendo uma criança de 4 anos encantada com o mundo.

- Certo, certo! Eu vou tentar escrever nessa coisa de vez em quando! Mas se não adiantar nada e eu só me estressar mais, paro! Na hora! Combinados?
- Você que manda!

Sorri de volta e encostei minha cabeça no ombro dele, ao mesmo tempo em que ele ajeitava a cabeça dele na minha para ficar mais confortável. Ficamos um tempo em silêncio, enquanto eu observava o diário intrigada. Victor passou longe, me lançou um olhar, e outro expressivo ao Ricard, abaixou a cabeça e entrou na república deles. Ric decidiu quebrar o silêncio.

- Então, a briga dessa vez foi porque afinal? Ele me disse que você ficou extremamente irritada quando ele quis saber aonde você tinha passado a tarde.
- Ele não quis saber, ele estava exigindo saber, é diferente!
- É o que os namorados fazem. Não é só porque é proibido namorar nesse castelo, que você tem direito de sumir a tarde toda e chegar de noite fria e estressada com ele, só porque ele queria saber onde você tinha andado!
- Ele está me sufocando! Ele sabe que gosto de ficar sozinha, estudar, ler, pensar na vida...

- Ele sabe, mas custa responder?
- Eu quero que ele entenda que é meu namorado e não meu dono!
- Vina, ele gosta muito de você, só estava preocupado!
- Certo, mas eu prefiro que ele se preocupe menos...
- Tá vendo o tanto que você é teimosa? Um dia, quando ele se cansar dessa sua implicância e te largar, talvez você dê mais valor ao que tem!

Parei de falar. Droga. Eu odiava essas lições de moral que só o Ricard sabe fazer... Às vezes ele esteja certo quando diz que eu exagero só pra brigar com o Victor, e às vezes eu não saiba valorizar meu namoro, mas estava realmente me sufocando! Ok, amanhã eu procuro o Victor pra conversar, mas amanhã! Por hoje ta bom de tantas conversas. O fato é que, agora, vou escrever aqui pra mim mesma de vez em quando, porque prezo muito o amigo que eu tenho, e isso basta!