Tuesday, April 15, 2008

"Faça da sua ausência o bastante para que alguém sinta sua falta, mas não a prolongue demais para que esse alguém não aprenda a viver sem ti."

Autor Desconhecido


- Xeque-mate. – Ricard avançou sua torre em direção ao meu rei, derrubando-o. Era a décima sexta partida de xadrez, consecutiva, e o placar marcava uma boa vantagem pra ele.

Recomecei a organizar as peças no tabuleiro sem muita empolgação, e Ricard jogou o peso do corpo para trás na cadeira, fazendo-a balançar sob dois pés. A Osíris estava completamente deserta e escura na noite de sábado, e o feriado de Páscoa no castelo, um completo tédio.

Fiz o primeiro movimento com um dos meus peões e Ricard olhou para suas próprias peças, intactas. Antes que pudesse movimentar qualquer uma delas, a porta da República se abriu e um vento frio passou por nós. Uma figura parou na entrada nos observando. Era Victor.

- O que raios você está fazendo aqui?! – Ricard perguntou assustado. Victor entrou na sala, fechando a porta e jogando a mochila no chão.
- Voltei mais cedo. O clima lá em casa ficou um pouco pesado hoje de tarde, então eu... – ele parou quando me viu do outro lado da mesa o encarando. Senti o rosto queimar e levantei.
- Já estou indo. Amanhã terminamos o nosso torneio, Ricard.
- Se você está indo embora por minha causa, não se dê ao trabalho. Por mim, pode ficar aqui. Você já conhece muito bem a minha família... – Victor disse seco e se sentou na poltrona. Olhei para Ricard, que sacudiu os ombros e balançou a cabeça. Sentei-me novamente.

Ficamos calados esperando que Victor começasse a falar, mas ele ficou nos observando em silêncio. Ricard perdeu a paciência.

- Vai falar o que aconteceu, ou não? – Victor o observou uns segundos e então puxou o ar, começando a contar.
- Há mais ou menos um mês, Charlotte comprou um gato para ela. Christine contou que ela ficou tão empolgada com esse gato que passava até perfume. – Victor fez uma careta e eu e Ricard rimos imaginando a situação. Ele continuou. – O gato desapareceu há uns dois dias atrás, e Charlotte chegou a fazer até mesmo alguns cartazes para espalhar pelo vilarejo, mas não precisou...
- Então ela encontrou o gato? – Ricard concluiu e Victor concordou com a cabeça, segurando um sorriso.
- Encontrou. Morto. – ele disse rindo e eu arregalei os olhos horrorizada.
- E você está rindo... disso?! – perguntei e ele riu mais ainda.
- Não estou rindo do fato de ela ter encontrado o gato morto, estou rindo de ONDE ela o encontrou. Na estufa do papai! Ele provavelmente foi estrangulado por... visgo do diabo. Acreditam que papai tinha um visgo do diabo imenso? – ele contou e riu alto. Ricard também. Senti meu estômago dar uma volta.
- Acredito... – disse em voz baixa. – Eu já sabia. Ele me mostrou quando estávamos na sua casa. – eles pararam de rir e olharam para mim assombrados. Sacudi os ombros. – O que é? Não podia contar para vocês, não é?
- Então é por isso... – Victor falou pensativo.
- Por isso, o que? – perguntei.
- Por isso que ele te mandou uma muda. – ele disse apontando para um vaso de plantas pequeno, perto da mochila. – Ele disse que era pra te entregar isso, por que você saberia o que fazer com ele... Primeiro eu pensei que fosse por que você era líder do Clube de Herbologia, mas agora eu entendi. Você já sabia.

Ficamos calados alguns minutos. Eu, observando os pequenos ramos de visgo do diabo dentro do vaso. Não pude deixar de sorrir.

- Então o clima ficou pesado por que Charlotte descobriu que o pai de vocês cultivava visgo do diabo e foi o assassino do gato dela? – Ricard perguntou quebrando o silêncio.
- Também. Vocês já devem estar imaginando o tamanho do grito que ela soltou, não é? Mas tudo ficou realmente muito tenso quando mamãe foi conferir o que havia acontecido. Disse para papai escolher entre ela e o visgo do diabo, e ele, é claro, começou a cortar várias mudas para se desfazer da planta. Mandou uma para você, - disse se virando para mim - algumas para um amigo de Karl e Adam, que queria, e as outras, vendeu. Mas mesmo assim, mamãe ainda estava muito nervosa, então, para não me estressar junto, decidi antecipar minha volta.
- Coitada da Charlotte. – Ricard disse se divertindo e os dois riam. Me levantei.
- É... Melhor eu ir, então. Boa noite.

Fui até a porta apanhando o vaso de visgo. Os dois me acompanharam com o olhar.

- Boa noite. – Ricard falou também se levantando. Victor não disse nada.

Caminhei sozinha pelos jardins e já estava quase chegando à Avalon quando um par de braços me segurou.

- Chega. – Victor disse olhando sério para mim. – Acho que já passou da hora de conversarmos.
- Também acho. – disse firme, mas me sentindo um pouco tonta. Ele soltou meu braço.
- Então pode começar a falar.
- Foi você quem me parou. Comece você.
- Não sei por onde começar. Para falar a verdade, nem me lembro bem por que nos separamos. Lembro de ter falado tudo o que não gostava em você, e você ter confundido isso.
- Eu não confundi nada!
- Ótimo, então por que pediu um tempo? Ficou muito decepcionada comigo ao perceber que eu também enxergava seus defeitos??? Não significa que eu não goste de você!
- Então você ainda gosta de mim? – eu perguntei rápido.
- Claro que gosto! – ele respondeu sem pensar muito e então parou. – Ah, você sabe disso. Não adianta eu tentar esconder.

Ficamos nos encarando um segundo e ele abaixou a cabeça.

- Foi você quem me beijou aquela noite, não foi? E depois ficou fingindo que eu estava maluca. Que não tinha sido você. – perguntei nervosa e ele me encarou.
- Fui eu sim, e se quer saber, foi muito bom ter feito aquilo. Tive que me controlar bastante para no dia seguinte, não te abraçar e fingir que tinha esquecido tudo e estava tudo bem. Mas valeu a pena, por que você mesma me mostrou o quanto ainda gostava de mim. Ninguém precisou me dizer.
- Você é muito presunçoso.
- E você é muito teimosa. Se sabia desde o começo que estávamos brigados por sua culpa, por que não me procurou e pediu desculpas?
- A culpa não foi só minha! – eu quase gritei e ele riu. – Está rindo por quê?
- Estou rindo de nós dois. Será que não vamos mudar nunca?
- Do que você está falando?

Ele se aproximou bem de mim e tirou o vaso de visgo da minha mão, colocando-o no chão. Então, me encarou bem de perto.

- Estou falando que estou com saudades de brigar com você.
- Como?
- Isso mesmo. Estou dizendo que sei que ainda vamos brigar muito, por que é isso que sabemos fazer de melhor. Eu vou te chamar de “teimosa”, você vai me chamar de “arrogante”, “presunçoso”, “idiota” e variações, mas logo depois eu vou me dar conta de que é isso o que eu quero pro resto da minha vida, entendeu? Brigar com você, só para fazermos as pazes depois. – Ele se aproximou tanto que podia contar os riscos dos olhos verdes dele, mas não se encostou em mim. – Antes de darmos um tempo, você disse que era melhor só voltarmos quando os dois tivessem certeza de que era isso mesmo que queríamos... Bom, eu sei o que eu quero, e eu quero você. A pergunta é: você também quer isso?

Ele me encarava firme esperando uma resposta e a voz parecia não sair. Fiquei alguns segundos tentando formular uma frase completa, mas sem sucesso.

- Você não passa de um estúpido narcisista... – comecei brava, mas não consegui manter a pose. - Mas é de você quem eu gosto.

Ele sorriu e me abraçou com força. Quando me beijou, foi como se os últimos meses tivessem sido apagados da minha cabeça e não houvesse mais ninguém no mundo. Ainda abraçados, andamos depressa pelas Repúblicas e paramos em uma cabana bem no final do castelo, escura e deserta. A antiga cabana dos guarda-caças, na orla da floresta. Victor bateu com a própria varinha na porta e ela se abriu. Entramos.

Acho que não me importo de viver o resto da vida brigando com ele, se todas elas sempre terminarem com boas “pazes”.