"Faça da sua ausência o bastante para que alguém sinta sua falta, mas não a prolongue demais para que esse alguém não aprenda a viver sem ti."
Autor Desconhecido
- Xeque-mate. – Ricard avançou sua torre em direção ao meu rei, derrubando-o. Era a décima sexta partida de xadrez, consecutiva, e o placar marcava uma boa vantagem pra ele.
Fiz o primeiro movimento com um dos meus peões e Ricard olhou para suas próprias peças, intactas. Antes que pudesse movimentar qualquer uma delas, a porta da República se abriu e um vento frio passou por nós. Uma figura parou na entrada nos observando. Era Victor.
- Voltei mais cedo. O clima lá em casa ficou um pouco pesado hoje de tarde, então eu... – ele parou quando me viu do outro lado da mesa o encarando. Senti o rosto queimar e levantei.
- Já estou indo. Amanhã terminamos o nosso torneio, Ricard.
- Se você está indo embora por minha causa, não se dê ao trabalho. Por mim, pode ficar aqui. Você já conhece muito bem a minha família... – Victor disse seco e se sentou na poltrona. Olhei para Ricard, que sacudiu os ombros e balançou a cabeça. Sentei-me novamente.
- Há mais ou menos um mês, Charlotte comprou um gato para ela. Christine contou que ela ficou tão empolgada com esse gato que passava até perfume. – Victor fez uma careta e eu e Ricard rimos imaginando a situação. Ele continuou. – O gato desapareceu há uns dois dias atrás, e Charlotte chegou a fazer até mesmo alguns cartazes para espalhar pelo vilarejo, mas não precisou...
- Então ela encontrou o gato? – Ricard concluiu e Victor concordou com a cabeça, segurando um sorriso.
- Encontrou. Morto. – ele disse rindo e eu arregalei os olhos horrorizada.
- E você está rindo... disso?! – perguntei e ele riu mais ainda.
- Não estou rindo do fato de ela ter encontrado o gato morto, estou rindo de ONDE ela o encontrou. Na estufa do papai! Ele provavelmente foi estrangulado por... visgo do diabo. Acreditam que papai tinha um visgo do diabo imenso? – ele contou e riu alto. Ricard também. Senti meu estômago dar uma volta.
- Acredito... – disse em voz baixa. – Eu já sabia. Ele me mostrou quando estávamos na sua casa. – eles pararam de rir e olharam para mim assombrados. Sacudi os ombros. – O que é? Não podia contar para vocês, não é?
- Então é por isso... – Victor falou pensativo.
- Por isso, o que? – perguntei.
- Por isso que ele te mandou uma muda. – ele disse apontando para um vaso de plantas pequeno, perto da mochila. – Ele disse que era pra te entregar isso, por que você saberia o que fazer com ele... Primeiro eu pensei que fosse por que você era líder do Clube de Herbologia, mas agora eu entendi. Você já sabia.
Ficamos calados alguns minutos. Eu, observando os pequenos ramos de visgo do diabo dentro do vaso. Não pude deixar de sorrir.
- Também. Vocês já devem estar imaginando o tamanho do grito que ela soltou, não é? Mas tudo ficou realmente muito tenso quando mamãe foi conferir o que havia acontecido. Disse para papai escolher entre ela e o visgo do diabo, e ele, é claro, começou a cortar várias mudas para se desfazer da planta. Mandou uma para você, - disse se virando para mim - algumas para um amigo de Karl e Adam, que queria, e as outras, vendeu. Mas mesmo assim, mamãe ainda estava muito nervosa, então, para não me estressar junto, decidi antecipar minha volta.
- Coitada da Charlotte. – Ricard disse se divertindo e os dois riam. Me levantei.
- É... Melhor eu ir, então. Boa noite.
- Também acho. – disse firme, mas me sentindo um pouco tonta. Ele soltou meu braço.
- Então pode começar a falar.
- Foi você quem me parou. Comece você.
- Não sei por onde começar. Para falar a verdade, nem me lembro bem por que nos separamos. Lembro de ter falado tudo o que não gostava em você, e você ter confundido isso.
- Eu não confundi nada!
- Ótimo, então por que pediu um tempo? Ficou muito decepcionada comigo ao perceber que eu também enxergava seus defeitos??? Não significa que eu não goste de você!
- Então você ainda gosta de mim? – eu perguntei rápido.
- Claro que gosto! – ele respondeu sem pensar muito e então parou. – Ah, você sabe disso. Não adianta eu tentar esconder.
- Fui eu sim, e se quer saber, foi muito bom ter feito aquilo. Tive que me controlar bastante para no dia seguinte, não te abraçar e fingir que tinha esquecido tudo e estava tudo bem. Mas valeu a pena, por que você mesma me mostrou o quanto ainda gostava de mim. Ninguém precisou me dizer.
- Você é muito presunçoso.
- E você é muito teimosa. Se sabia desde o começo que estávamos brigados por sua culpa, por que não me procurou e pediu desculpas?
- A culpa não foi só minha! – eu quase gritei e ele riu. – Está rindo por quê?
- Estou rindo de nós dois. Será que não vamos mudar nunca?
- Do que você está falando?
- Como?
- Isso mesmo. Estou dizendo que sei que ainda vamos brigar muito, por que é isso que sabemos fazer de melhor. Eu vou te chamar de “teimosa”, você vai me chamar de “arrogante”, “presunçoso”, “idiota” e variações, mas logo depois eu vou me dar conta de que é isso o que eu quero pro resto da minha vida, entendeu? Brigar com você, só para fazermos as pazes depois. – Ele se aproximou tanto que podia contar os riscos dos olhos verdes dele, mas não se encostou em mim. – Antes de darmos um tempo, você disse que era melhor só voltarmos quando os dois tivessem certeza de que era isso mesmo que queríamos... Bom, eu sei o que eu quero, e eu quero você. A pergunta é: você também quer isso?
Acho que não me importo de viver o resto da vida brigando com ele, se todas elas sempre terminarem com boas “pazes”.