Thursday, April 03, 2008

Trecho do diário de Lavínia Durigan:

“Eu não saberia responder exatamente o porquê de estar namorando Naveen. Lembro-me de ter bebido mais do que o necessário no Baile do dia dos namorados e ter visto Victor sumir para os jardins de mãos dadas com a garota do vilarejo. Senti raiva, ciúmes e uma sensação nova onde se mesclavam vingança e loucura.
Naveen me perguntou se eu queria dar uma volta, eu o acompanhei. Então, depois, só me lembro de estarmos nos beijando.

Ele tem um jeito fechado, grosso, rude, mas é bastante inteligente e sempre que pode, quer me agradar. Só não consegui ainda fazer com que eu não pense em Victor todas as vezes que ele me abraça, e chego até mesmo a compará-los algumas vezes, embora eu admita que os dois sejam completamente diferentes, em todos os aspectos”.

°°°°°

- Onde está o clorofila boy? – Ricard perguntou rindo sarcástico enquanto servia-se de ponche. Lavínia aproveitou para encher a taça que estava em sua mão, quase vazia.
- Onde está... Quem? – perguntou em voz alta fingindo não ter escutado por causa da música.
- Seu namorado.
- O nome dele é Naveen.
- E o apelido é clorofila boy, biodesagradável, Grinch... O que preferir. Micah tem um estoque imenso.

Ela não riu. A boate estava cercada de alunos de Durmstrang convidados para a festa particular de Micah. As dançarinas deslizavam no palco e em gaiolas, atraindo a atenção de quase todos os meninos ali presentes.

- Ele disse que viria um pouco mais tarde. Tinha de terminar um relatório. – Ela respondeu categórica.
- Hum, que bom partido! – Ricard disse em tom de ironia e quando ela o encarou, sorriu.
- Não comece as piadinhas, Ricard. Eu gosto do Naveen, ok? Aceite esse fato.
- Gosta mesmo? – ele provocou.
- Isso aqui é uma festa ou entrevista da Santa Inquisição? Vou ficar com as meninas que dá mais resultado.

Deixou Ricard para trás com um sorrisinho vitorioso no rosto que estava a irritando. Quando se aproximou da mesa onde as amigas estavam sentadas, percebeu que as intenções delas eram as piores, pois já haviam conseguido uma jarra inteira de ponche e se serviam sem parar. Entrou na roda.

Depois desse ponto, ela também se lembra de poucas coisas. Sabia que havia bebido exageradamente, mas não conseguia parar. Sentia cada gole de ponche entrar em sua cabeça e aliviar um dos problemas que passavam ali continuamente, principalmente nos últimos meses. Acabou aceitando se transformar em uma dançarina com Milla e Annia, deslizando em postes no palco, na frente de todos. Enquanto dançava, viu Naveen no fundo do local, sentado sozinho em uma mesa, observando-a sério.
Quando a música acabou, caminhou até ele e tirou a peruca de cabelos negros que escondiam os seus. Ao contrário do que imaginava, ele não pareceu surpreso a vê-la ali. Pelo contrário. Sorriu.

- Você demorou. – ela disse com a voz alterada e pegando um copo de whisky de fogo de uma bandeja próxima. Virou metade.

Ele continuou a encarando sem falar nada alguns segundos, então tirou o copo das suas mãos e colocou na mesa. Esticou as pernas, entrelaçando às dela, puxando-a para perto. Ela acabou perdendo o equilíbrio e caiu em cima dele, que agarrou seu rosto com um pouco de ferocidade e a beijou.

Ela sentiu os braços dele em torno de sua cintura a segurando com muita força enquanto as pernas continuavam a envolvê-la como se tivessem dado um nó. Ele puxava seus cabelos e a beijava com uma vontade louca, quase faminta.
Então pararam e se olharam um segundo, ambos recuperando o fôlego. Os dedos dele embaraçados no cabelo dela. Ele se aproximou bem do seu ouvido e deu uma mordidinha de leve que a fez arrepiar.

- Vamos sair daqui. - Disse baixo e ela concordou sem saber exatamente o que estava acontecendo. Estava em uma espécie de transe.

Ele se levantou, pegou uma garrafa inteira de whisky de fogo no bar e saiu puxando-a pela mão entre os corredores da boate.
Estavam em um quarto de cor vermelha viva, e ele serviu um copo de bebida para ela, que o tomou inteiro antes que ele a derrubasse na cama. Depois disso, escuro.

°°°°°

- Acorda, Gata Borralheira. – um par de mãos me sacudiu com violência e abri os olhos.

Uma claridade descomunal invadiu todo o meu ser. Os olhos queimaram, o estômago revirou, a cabeça inchou e me senti de ponta-cabeça. Ricard sentou-se na beirada da minha cama me observando.

- O que aconteceu? – foi a única pergunta que eu consegui fazer enquanto me esforçava para sentar, os olhos semi-fechados.
- O de sempre: você achou que todo o ponche do mundo fosse acabar ontem, dançou em cima do palco, depois sumiu com o Naveen. Hoje de manhã ele te trouxe para cá, e desde então, você está dormindo.

A onda de informações fez com que eu me sentisse ainda pior. Forcei a memória para me lembrar da festa, mas só vi alguns flashes confirmando o que Ricard havia acabado de dizer. Devo ter feito uma careta muito feia de arrependimento, por que ele riu.

- Consciência Pesada 1 X 0 Lavínia. – ele disse sem empolgação e o encarei com raiva. – Não adianta me olhar desse jeito. Não fui eu quem aprontou a noite toda. Toma esse café bem forte que é para o chão parar de rodar. Quando estiver mais bem disposta, estou lá embaixo te esperando.
- Onde estão as meninas? – perguntei olhando ao redor. Não havia sinal de Milla, Evie, Nina e Annia.
- Foram para a enfermaria.
- Estão passando mal?
- Podem estar, mas não ia adiantar nada. Lá não tem poção que cure ressaca moral. Toma um banho e desce, que te explico tudo o que aconteceu enquanto você estava “ausente”.

Ricard saiu do quarto me deixando sozinha e um tanto quanto zonza. Os acontecimentos da noite anterior passavam pela minha cabeça como flashes descompassados, e aos poucos eu fui montando o quebra-cabeça.

°°°°°

Desci as escadas em um tropeço e passei correndo por Ricard, que estava sentado na sala. Ele me acompanhou atravessar correndo a porta para os jardins e me seguiu.

- O que aconteceu? – ele gritou enquanto corria para me acompanhar.
- Preciso falar com o Naveen! Agora.
- Micah foi atacado! – foi a última coisa que o ouvi gritar antes de parar de correr atrás de mim. Mas não parei.

Entrei na Vulcano desabalada e encontrei Naveen sozinho, na sala. Ele parecia distraído olhando para o conteúdo que carregava dentro de uma caixinha preta, simples, de madeira. A me ver, fechou-a rapidamente e se levantou.

- Lavínia?! Você acordou agora? Está tudo bem?
- O que exatamente aconteceu ontem à noite?
- Como assim?
- Entre nós dois.

Ele não disse nada, mas o sorriso que abriu foi o suficiente para responder minha pergunta. Senti o rosto queimar e uma vontade doida de sair correndo dali.

- Você não se lembra? – ele perguntou maliciosamente.
- Não. De nada.
- Nossa. Parecia tão... acordada... ontem a noite.
- Olha, Naveen, foi um grande erro tudo o que aconteceu. Esquece, ok? Aliás, eu acho que nosso namoro está sendo um imenso equívoco, então é melhor se terminarmos aqui. Eu estava muito bêbada e,...

Ele andou até mim e ficou bem na minha frente e eu parei de falar. Olhou fundo nos meus olhos e se abaixou me dando um beijo rápido. Sorriu.

- Você tem razão. Acho que foi muito bom enquanto durou, mas é melhor se continuarmos apenas amigos.
- Então... está tudo bem pra você? – eu perguntei um tanto surpresa e levemente decepcionada. Ele parecia não estar se importando. Pelo contrário. Parecia estar feliz.
- Está. Se você prefere assim, então é melhor mesmo. Não quero perder sua amizade, que me foi sempre tão valiosa.
- Ótimo então. Amigos. – eu engoli em seco e o estendi a mão, que ele apertou sorrindo.

Saí da república alguns minutos depois e caminhei sozinha para a Avalon. Deveria estar me sentindo leve, mas alguma coisa estava me preocupando e eu não sabia exatamente o quê. Talvez fosse o ataque em Micah. Eu não sabia o que havia de fato acontecido com ele...
Passei a mão pelo peito e então parei de andar, aterrorizada. Procurei em volta do pescoço e nos bolsos, nada. A chave da Estufa Imperial havia sumido, da noite para o dia.