- O que você está fazendo, Vina? – Evie se sentou na cama esfregando os olhos. O domingo mal começara.
- Te acordei, Evie? – Levantei a cabeça para olhá-la. No chão, ao meu redor, estava uma verdadeira zona de peças de roupas, sapatos, perucas e colares extravagantes.
- Não, não me acordou. Mas agora estou curiosa... O que você está fazendo? Definitivamente não está arrumando o armário, está?
- Não chegou nem perto. – Sorri satisfeita. – Tive uma idéia um pouco... divertida, para o show de talentos.
- Me conta! – Evie disse já se animando. – De onde vieram tantas roupas?
- Algumas doações do professor de teatro... Algumas minhas... – falei pensativa analisando cada uma delas. Evie pareceu ansiosa e eu ri. – Ok, vou contar tudo. Mas antes, vamos acordar as outras. Vou precisar de muita ajuda.
Em poucos minutos, o quarto do último andar da República Avalon já estava tomado por planos e risadas...
°°°
- Não queremos roupas, senhora. Estamos felizes servindo a Durmstrang. – O elfo chamado Bashful falou com a vozinha fraca, baixando as orelhas. Evie o mostrava uma calça xadrez com suspensório. Troquei um olhar paciente com ela, e me agachei para ficar da altura dele.
- Escuta, Bashful. Não somos nós a quem você deve servir. Não estamos te dando roupas. Só queremos proporcionar um pouco de diversão para vocês... Vocês podem participar do show de talentos, sabia?
O olhar de temor que ele tinha pareceu desanuviar um pouco. Estava começando a considerar a idéia, o que era um bom passo. Os outros elfos se aproximaram para escutar. Nina se agachou ao meu lado, sorrindo.
- Já ouviram falar da banda “The Dobbys”? É uma banda só de elfos, como vocês! Vocês podem fazer a diferença! E nós estamos aqui para ajudar. Podemos inscrever e orientar vocês para o show de talentos. Agora eu pergunto: quem se anima? – ela perguntou exaltada, o que os assustou um pouco. Esticou a mão.
Os elfos se entreolharam em dúvida e ficaram parados por alguns segundos. Bashful foi o primeiro a se adiantar e colocar a mãozinha cheia de calos em cima da de Nina. Ela sorriu. Um por um, mais oito ou nove elfos se adiantaram também.
- Ótimo! Se preparem para a diversão! – Milla comentou sorrindo.
- Melhor começarmos a ensaiar logo. Temos muito trabalho a fazer! – Annia disse, também sorrindo.
Se dependesse de nós, os elfos de Durmstrang iriam arrasar no Show de Talentos da I F.C.P.C.M.
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Havíamos “invadido” uma sala de aulas vazia no sétimo andar. Os dez elfos estavam irreconhecíveis! Alguns usavam batom, saltos, colares, perucas e vestidos. Outros com chapéus, bengalas, calças, sapatos de palhaço e coisas do gênero. Pareciam estar se divertindo muito também, pois Nina havia conjurado um grande espelho e a cada minuto um parava em frente a ele para se admirar.
Annia e Milla haviam conseguido um rádio e colocamos músicas da The Dobbys para entrarmos no clima...
- Vocês estão ótimos! – Evie gritou para sobrepor ao barulho que eles faziam em conversas. – Mas agora precisamos ensaiar o desfile, ok? Então, vamos fazer uma fila indiana alternando um elfo vestido de mulher, um elfo vestido de homem.
Organizamos os elfos na fila, que estava de frente para o longo corredor que havíamos aberto na sala, dentre as carteiras. Fomos para o final dela.
- Ok. Bashful, imagine que esse corredor é a passarela. Entre nela sorrindo e olhando para cima. Não se preocupe com os saltos. Vai dar tudo certo!
Bashful concordou e começou a andar vindo em nossa direção. Milla virou de costas segurando uma risada. O vestido florido se arrastava no chão, e seus pés calçavam grandes sapatos de salto amarelos que batiam com violência a cada passo. O elfo, porém, parecia ter entendido bem nossas instruções. Segurava o vestido com as mãozinhas e andava olhando reto em nossa direção. Os olhos de bola de golfe brilhavam, e ele sorria. Sua cabeça careca estava disfarçada por uma peruca loira, de cachos, e seus lábios carregados com batom vermelho sangue.
Quando estava chegando ao final, um dos pés finalmente saiu do sapato largo e ele tropeçou, caindo. Nina correu para ajudá-lo a se levantar, mas ele foi mais rápido, levantando-se sozinho e arrumando a peruca. Riu. Nos entreolhamos e rimos também.
No fim da manhã, não havíamos feito ainda muitos avanços com a postura deles, mas com um pouquinho de treino diário eles se sairiam bem em uma passarela de verdade.
°°°
Chegamos ao Salão Principal para almoçar e como era domingo, muitos dos estudantes comiam sem pressa e conversavam despreocupadamente. Mal havia sentado com as meninas e Ricard veio correndo em minha direção. Parou diante de mim, pálido, e não disse nada. Me estendeu um exemplar de jornal, apontando uma notícia. Li.
AURORES, FUNCIONÁRIOS DO MINISTÉRIO DA MAGIA, MORREM TRAGICAMENTE,
conforme informa Meg Rachmaninoff.
Morrem neste domingo, Johnny Alenxinsky, 45 anos, e Tohry Gheorghieff, 47 anos, aurores e funcionários do Ministério da Magia.
O laudo dos curandeiros que foram chamados a prestar socorro imediatamente após a morte dos dois aurores atesta que foram envenenados. Ainda não se sabe exatamente que tipo de substância pode ter sido a causa do envenenamento, mas o Ministro da Magia, Boyardo Molov, declarou ainda esta manhã, que as investigações serão rigorosas e em breve todas as perguntas acerca do caso serão esclarecidas.
Tohry era solteiro e sem filhos, ao contrário de Johnny, que era casado e tinha dois filhos. Nenhuma das duas famílias quis se pronunciar sobre o ocorrido.
Terminei de ler a notícia e Ricard me encarava sério.
- Certo. O que exatamente você quer me dizer com essa notícia? – o devolvi a “Gazeta Dominical” em dúvida. Ele pareceu impaciente.
- Johnny Alenxinsky! Esse nome não te lembra nada? – Ricard perguntou aflito e pareceu ainda mais, quando fiz sinal negativo com a cabeça. – Ele é casado com uma medibruxa que trabalha no St. Alborghetti. O nome dela é Agatha. Agatha...
-... Neitchez. – eu completei ligando as peças e arregalando os olhos. Ricard concordou.
– Você está querendo dizer que o “tio Johnny” foi assassinado? Envenenado?!
Ricard concordou novamente com a cabeça, tenso, e eu continuei assimilando a informação, em choque. Um balde de água fria havia esfriado toda a minha alegria daquele dia.
- Onde está Victor? Ele já sabe?
- Sabe. Ainda estávamos na República quando Karl chegou para buscar ele e Andrea. A menina estava pálida. Não disse nada. Victor disse que vai nos mandar notícias. Ainda não sabe quando voltará para Durmstrang e nem se chegará a tempo da feira.
- Como conseguiram envenenar dois aurores de uma única vez DENTRO do Ministério da Magia?
- Não sei. Mas estou com medo da resposta...
Eu também estava. Sendo bem sincera, não estava angustiada somente pela morte de um tio de Victor. Estava com uma sensação ruim. Sensação de que alguma coisa naquele assassinato acabaria sendo ligada a mim.