Uma semana inteira já havia se passado desde que fui envenenado e ainda estava na ala hospitalar, mas finalmente seria liberado. Já não havia mais variações de poções que ainda não tivesse tomado e depois de ouvir milhares de recomendações da enfermeira, recebi permissão de voltar para a república. Ty, Reno, Iago e Chris já estavam me esperando na porta, e isso agora era rotina. Os quatro não saiam do meu pé e passaram a semana toda se revezando em inventar doenças malucas para poderem passar a noite na ala hospitalar. Andava suspeitando que contavam sempre a ajuda do professor de Herbologia, mas resolvi não perguntar, queria distancia de qualquer informação sobre esse assunto.
‘Pronto pra ir?’ Ty perguntou batendo continência em deboche ‘Sua guarda real já está a postos!’
‘Vou providenciar uma roupa da guarda real inglesa pra vocês’ Respondi também em deboche e Reno fez uma careta
‘Vamos logo, ainda dá tempo de pegar a aula do clube de transfiguração sem muita bronca, só começou há 5 minutos’ Chris falou impaciente
‘Nossa, vamos correndo então, não podemos perder uma aula de transfiguração!’ Falei sarcástico e Ty e Iago riram
‘Eu vejo vocês mais tarde, já estou atrasado também pra minha aula de Feitiços. Não aprontem nada na minha ausência’ Iago ajeitou a mochila nas costas e sumiu pelo corredor
Chris e Reno caminhavam acelerados em direção à sala de transfiguração, mas Ty e eu vínhamos mais atrás sem muita pressa. Ele ia me contando as últimas notícias da Spartacus, e de como Max, Luka, Naveen, Igor e Klaus ainda não faziam a menor idéia de que eu estava vivo e na escola. Ia ser difícil resistir à tentação de avançar contra eles lançando azarações, mas Chris e Iago nos fizeram prometer que manteríamos a calma. A situação já estava deveras ruim sem que iniciássemos um duelo que podia acabar mal no meio da escola.
Quando entramos na sala, as reações foram exatamente como imaginamos. Os cinco ergueram a sobrancelha e trocaram um olhar de espanto, mas tentaram disfarçar e logo se ocuparam em uma conversa aos sussurros. Sentei com eles perto da janela, mas foi impossível me concentrar. Passei uma hora inteira da aula com os olhos fixos no jardim, onde uma turma do 1º ano assistia a uma aula extra de Trato de Criaturas Mágicas.
‘Está tentando descobrir o impacto de um corpo caindo do 6º andar?’ Ty perguntou também sem prestar atenção à aula
‘Já avistei algumas moitas embaixo da janela, não me machucaria muito’
‘Você é igual gato, têm sete vidas’ Ele riu ‘Já desperdiçou uma, mas ainda lhe sobram seis. Relaxa’
‘Estou mais preocupado em descobrir o que eles tanto conversam do que saber quantas vidas ainda me restam’ Desviei o olhar da janela e encarei os cinco. Eles pararam de falar alguns segundos e me encararam, mas logo retomaram a conversa ‘Eles sabem que eu sei, olha como estão assustados’
‘Bom, tecnicamente não temos como provar ainda’ Chris ouvia a conversa e virou para trás ‘São apenas especulações, mesmo que muitas’
‘Claro que foram eles’ Ty lançou um olhar irritado pra direção deles antes de continuar ‘Pra mim, a fofoquinha das comadres ali só confirma a suspeita’
‘Ainda assim, não vamos fazer nada. Pelo menos por enquanto’ Chris virou para frente outra vez, voltando à atenção para o professor
Chris não voltou a virar para trás e Ty passou a copiar as instruções dadas pela professora para o processo de transfiguração em animagos que começaríamos trabalhar na próxima aula, mas continuei encarando o jardim. Quinta-feira começava o recesso de páscoa e queria ir para casa, mas os pais adotivos de Connor iam viajar com ele e o filho, então de nada adiantaria ir para a Califórnia se não poderia vê-lo. O sinal indicando o fim da aula finalmente tocou e caminhei com Chris direto para o teatro ao invés de ir para o campo de Trancabola. Para o meu alívio, Maddox havia desmarcado o treino de hoje e o professor Ivo aproveitou para marcar um ensaio extra antes do horário normal da aula. E como já tinha perdido dois ensaios, não poderia cogitar sequer chegar atrasado.
‘Boa noite, boa noite! Vamos entrando e se acomodando no palco’ Ivo gesticulava animado enquanto a turma ia chegando aos poucos ‘Micah, como está se sentindo?’
‘Estou bem, professor, obrigado’
‘Que ótimo, já estava preocupado se teria que substituir o astro principal do espetáculo!’ Falou empolgado e dei uma risada sem graça quando Chris deixou escapar uma gargalhada alta ‘Mas sentem-se, depressa. Quero começar logo a aula!’
Sentamos no palco ao lado de Evie e Nina e aguardamos o restante da turma chegar. Ouvimos o professor dar uma verdadeira palestra sobre musicais da Broadway sem entender exatamente o motivo daquilo e quando já eram quase 22h começamos o ensaio para a peça. Tive poucas cenas dessa vez, a maioria era com alguns dos figurantes, então sobrou bastante tempo para jogar conversa fora com Evie, Nina e Chris na platéia. O assunto era o recesso de páscoa.
‘Nem acredito que vamos ter quatro dias de folga!’ Nina disse empolgada, e concordei com a cabeça
‘Que bom que alguém está ansioso pelo recesso, pois eu não estou. Ir para casa com Max não é nada animador, não agüento mais ele no meu pé!’ Evi reclamou e senti que Chris me observava atentamente, mas fingi não notar
‘E o que pretendem fazer no feriado?’ Chris perguntou ‘Já têm planos?’
‘Ah, vou ficar em casa mesmo, né? Almoço tradicional com a família’ Evi não aparentava animação ‘E vocês? Vão ficar na escola?’
‘Não, Micah vai lá pra casa, minha família toda também vai’
‘Vou?’ Olhei para Chris sem entender e ele quase me desintegrou com o olhar ‘Ah é verdade, vou pra casa dele’
‘Que bom, podemos todos sair, pois também vou estar à toa em casa’ Nina logo se animou ‘O clima lá ainda está péssimo desde a morte do pai dos trigêmeos, nem mesmo Nico e Ivan conseguem animar’
‘Ótimo, então está combinado, vamos sair no feriado!’ Evi levantou o puxou Nina ‘Agora vamos, é nossa cena’
‘O que vou fazer na sua casa?’ Perguntei quando elas já estavam no palco ‘Podia ter me avisado! E se já tivesse me programado para ir até a Califórnia?’
‘Pare de drama, sabia que não ia para casa. Meu pai quer conversar com você, e ficar sozinho aqui na escola está fora de cogitação na sua situação. Não reclame, Gabriel e Shannon também vão, eles já sabem o que aconteceu’
‘Eles sabem tudo?’ Perguntei desconfiado
‘Sabem o necessário’ Respondeu olhando as meninas no palco ‘Ela ainda não sabe quem bateu em você, não é?’
‘Não. E não precisa saber’
‘Precisa sim. Conte a ela que foi Max e os amigos, ou eu contarei. Evie tem o direito de saber e é você quem deve contar. Não me obrigue a me meter’ Disse levantando e saindo das poltronas ‘Entramos na próxima cena, vou pro palco’
Chris voltou para junto do resto do elenco, mas ainda fiquei sentado alguns segundos. Não tinha a menor intenção de contar a ela toda a verdade, e nem mesmo a verdade parcial. Mas talvez seja melhor começar a pensar nisso, pois preferia que ela soubesse por mim o que realmente aconteceu antes do envenenamento do que e não por terceiros. E pior: antes que Max contasse sua versão dos fatos. Mas não hoje... Quem sabe depois do feriado?