Saturday, November 10, 2007

Depois do episódio da Festa do dia das Bruxas, as coisas estavam um tanto quanto diferentes. Principalmente quanto à minha relação com Ricard. Ele parecia estar se divertindo bastante, e agora passava a maior parte do tempo com Miyako, os amigos dela, os amigos dos amigos dela, e mais sorridente do que jamais o vira. Eu estava até evitando me esbarrar com os dois, pois cada vez que isso acontecia (por acidente ou destino) eu sentia uma louca vontade de gritar desaforos, sacudi-lo, balançá-lo. Mas não estava no meu direito, como Victor, Evie, Nina, Annia, Milla, e quem mais se sentisse à vontade, não cansavam de me lembrar...

“Vocês são só amigos. Você não tem direito de ditar quem é bom ou ruim para ele”

“Desencana, Vina. Ricard já é bem grandinho para saber o que quer. E me parece que ele está se divertindo muito...”

“Se ele quebrar a cara, é a cara dele que vai doer, não a sua. Não sei por que está tão preocupada.”

Só que eu digo que se conselhos fossem bons, não seriam dados de graça. Ninguém nunca conseguiria entender por que eu me preocupava tanto com Ricard. Por que me sentia tão aflita quando o via de mãos dadas com Miyako, ou a beijando, ou sorrindo feito uma criança com brinquedo novo pelos quatro cantos. Ninguém nunca entenderia. Não eram ciúmes. Era uma espécie de proteção. Como se me sentisse responsável por Ricard. Suas quedas, seus erros... Como se tudo fosse minha culpa! Mas como eu diria isso?

A primeira oportunidade que encontrei de me ver livre da Miyako por um tempo para conversar com Ricard, foi no domingo, quando todos os atletas das Olimpíadas se deslocariam de Durmstrang para Beauxbatons, segunda hospedagem da programação. O clima era de animação, ansiedade, alegria. Todos queriam conhecer novos lugares, novas pessoas. Continuarem competindo e ganhando medalhas para suas escolas...

Quando as carruagens de Beauxbatons tomaram o ar em alta velocidade e com dianteira, para chegarem a tempo de nos receber, Ricard entrou no navio de Durmstrang e antes que pudesse se unir à Iago, Micah e Ty em uma cabine, o puxei para trás. Victor entendeu que eu queria conversar com ele sozinha e fez um aceno de mão que iria se sentar na cabine com Karl, Christine e Adam, e lançando um olhar que misturava o de incentivo e apoio com um indiferente para Ricard, se dirigiu em direção aos irmãos e ao primo. Ricard sorriu o vendo afastar e então se virou para mim, ainda sorrindo.

‘Algum problema Vina? Aconteceu alguma coisa?’

‘Interessante... Você não parecia muito preocupado em me perguntar se estava indo tudo bem comigo durante essa semana. Eu é que pergunto: aconteceu alguma coisa?’ perguntei azeda. Ele continuou sorrindo.

‘Primeiro: eu não tenho obrigação nenhuma de perguntar a você todos os dias se está indo tudo bem, se você nunca se preocupou em me perguntar se eu também estava legal. Mesmo antes das Olimpíadas. Então, cospe esse limão, desamarra essa cara, por que sua raiva não vai me aborrecer. Segundo: aconteceu sim. Estou namorando. Não é demais?! Você sempre dizia que era para eu me apaixonar, e olhe só o que aconteceu!’

Ele abriu um sorriso ainda maior e se sentou. Senti uma azia derreter meu estômago.

‘Você? Apaixonado pela japonesa? Ta brincando.’

E eu percebi, tarde demais, que ele não estava brincando. E que eu havia atingido um ponto muito delicado. Muito, muito delicado. O sorriso desapareceu do rosto dele quando respondeu.

‘Não. Não brinco com coisas assim. E a japonesa tem nome. É Miyako.’

‘Certo. Mas duvido que ela me chame pelo meu nome quando vocês conversam...’

‘Quanto a isso, você não precisa se preocupar. Geralmente, preferimos outros assuntos, bem distantes de nossas amizades. E quando ela tem que falar sobre você, em algum ponto, ela fala sim o seu nome. Até por que, não é presunçosa.’

‘Então eu sou presunçosa?’

‘E você me chamou aqui para quê então? Para me dizer que está tudo bem com você quando isso já está visível a olhos nus? Você continua aqui, falando, andando, corada, namorando alguém que gosta muito de você e que pelo visto você ainda não aprendeu a dar o mínimo valor... Ou para me dizer que quase morreu de dor de cabeça, que pegou uma tuberculose, ou vai morrer semana que vem de anemia?’ ele perguntou com raiva. Sem que me desse conta, fechei os punhos.

‘Não te reconheço mais!’ gritei e uma lágrima saltou dos meus olhos. ‘Você se tornou um completo idiota. Está babando por uma garota que vai te abandonar assim que essas Olimpíadas acabarem, e vai vir chorando para cima de mim. Não ouse vir.’

‘Ótimo. Não se preocupe. É assim que conhecemos nossos amigos. Se realmente me decepcionar com alguém, fique sabendo que você me decepcionou muito antes do que a Miyako pode estar pretendendo. Mas fique tranqüila. Se ela me “abandonar” você não vai ter que me consolar. Não preciso disso.’ Ele também gritou e saiu da cabine batendo a porta com força.

Desabei no banco e as lágrimas escorreram descontroladas. Tinha perdido o meu melhor amigo.

°°°

No sábado pela manhã ocorreram as provas de Remo. Victor estava competindo a final, então eu e vários amigos de Durmstrang, nos unimos nas arquibancadas que haviam sido montadas ao redor do lago, animados.

Ricard e Miyako também estavam lá, e conversavam exaltados. Ela apontava o dedo para a água e falava com alegria, e ele ria se divertindo. Ricard passou seu olhar por mim, mas o desviou um segundo depois, não se alterando. Resmunguei.

Como se eu fosse me importar com isso... ’

‘Falou comigo, Vina?’ Nina perguntou desviando o olhar da água azul cristal do lago para mim. Balancei negativamente a cabeça. Desde que ela e Evie tinham ganhado a final do tênis, nenhuma das duas parecia muito disposta a tirar a medalha de ouro do pescoço.

‘Ela só está brava por que Ricard está namorando Miyako, e eles brigaram. ’ Evie disse categórica, olhando para mim. Fechei a cara.

‘Não tem nada a ver, Evangeline. ’

‘Ah sim, certo. Vai dizer que você ficou azeda a semana inteira por que está com saudades de Durmstrang?’ Foi a vez de Annia se intrometer irônica. A verdade é que ela, de primeira, também não tinha ido muito com a cara de Miyako, por que a achava empolgada demais nos abraços ao Ty. Mas desde que Ricard e ela começaram a ficar juntos, ela pareceu achar que a garota era uma pessoa digna de confiança.

‘É. Exatamente isso. Estou morrendo de saudades de Durmstrang’ respondi ácida. Ela deu uma risadinha. Milla girou os olhos.

‘Você não deveria estar tão preocupada. Conversei pouco com a Miyako, mas ela me parece ser uma ótima pessoa. E no mais, Ricard está feliz. Você deveria ficar feliz por ele! O amor é tão lindo...’ ela completou soltando um suspiro e deitando a cabeça ao ombro de Iago, que deu um beijo carinhoso em sua testa.

Ty, Gabriel e Micah não estavam escutando a conversa. Entretinham-se com o novo amigo deles, Juan. Um mexicano que falava rápido demais, enrolado demais, e ninguém entendia absolutamente nada. Mas parecia divertir muito os três, pois desde que o conheceram, eles gastavam a maior parte do dia fazendo mímicas com o garoto. Resolvi não responder. Victor, e mais cinco competidores empurraram suas canoas para a beira do lago e entraram nelas, preparando os remos.

Um voluntário de cabelos espetados ergueu uma bandeira, e uma pistola. Quando o tiro foi disparado, ele abaixou a bandeira rapidamente e os seis competidores começaram a remar freneticamente.
Logo, Victor se encontrava em terceiro lugar. O quarto colocado estava muito distante dele, e o segundo, logo a sua frente... Micah, Ty, Iago, Gabriel e Ricard começaram um coro de vivas e gritos para que ele se adiantasse na água. Eu me levantei tensa.

‘VAI! VAI VICTOR!’

Karl, Christine e Adam dividiam seus gritos entre ‘Victor’ e ‘Fabrício’. Então eu reparei quem estava em segundo lugar. Era Fabrício Neitchez, a pessoa da família de quem Victor menos gostava. E com razão. Se bem o conhecia, ele morreria de remar, mas não deixaria Fabrício chegar à sua frente. E adivinhei. Menos de um minuto depois, Victor emparelhou com Fabrício e o passou, com dificuldade, mas abrindo uma dianteira boa depois. Gritamos. Agora Victor se dirigia ao primeiro colocado, que também descobri que o conhecia... Naveen Odebretch, um garoto moreno de cabelos arrepiados em gel, extremamente arrogante e prepotente.

Tinha entrado para o clube de Herbologia, sob instruções do professor Mikhail, e desde então, dividia o tempo das aulas entre se sobressair em respostas e comentários que eu tinha certeza ter saído de livros-textos ou entre me dar sugestões de o quê poderíamos estudar, ou como poderíamos fazer para ‘aumentar o nível’ do clube. Ele me dava nos nervos. Nina e Evie eram minhas testemunhas vivas do quanto eu tinha que me segurar com sorrisos falsamente calmos para não saltar em seu pescoço durante as reuniões.

Vendo Victor em segundo lugar, perdendo para aquele garoto, eu senti uma fúria encurralada. Percebi o quanto queria que Victor o passasse também. Mas não havia tempo. Naveen cruzou a linha de chegada com alguma dianteira, e Victor em segundo lugar, descansando o remo, mas não parecendo tão empolgado quanto sua torcida. Nem quanto a mim.

‘E a medalha de bronze fica para Fabrício Neitchez, da Escola Americana de Magia da Califórnia.’ Outro voluntário anunciou ao lado do podium montado. Adam, Karl, Christine, e um outro extremo da arquibancada com garotos tipicamente americanos aplaudiram empolgados enquanto Fabrício levantava a mão agradecendo e subindo para receber sua medalha.

‘O segundo lugar, com medalha de prata, é Victor Neitchez, do Instituto Durmstrang.’ Um arrombo de aplausos, gritos e vivas explodiu ao meu lado. Victor sorriu recebendo a medalha de prata e acenando para nós. Karl e Christine começaram a cantar “nosso herói, nosso herói” em uníssono, arrancando risadas de todos nós.

‘E para ocupar o lugar mais alto do podium, com medalha de ouro... Naveen Odebretch, também do Instituto Durmstrang’ Os outros alunos de Durmstrang deram vivas e aplausos, mas bem menos empolgados. Naveen não parecia o tipo popular, e para a “torcida” dele, a medalha não era de Naveen, e sim de Durmstrang.

Assim que o hino acabou de tocar, descemos para cumprimentar Victor. Uma pequena aglomeração se formou ao redor dele enquanto o apertavam a mão, o abraçavam, ou no caso de Karl e Adam, o jogavam para cima. Depois, Karl, Christine e Adam foram até Fabrício, e também o deram tapas generosos aos ombros e abraços exageradamente apertados.
Quando a maioria se dispersou, Victor me abraçou com força e me deu um beijo.

‘É... Está bom a prata para um começo. O que acha?’ Ele perguntou sorridente. Dirigiu um olhar para Fabrício. Sorri.

‘Sim. Um pouco de humildade para os principiantes.’

Fabrício passou por nós e estendeu a mão à Victor.

‘Parabéns, Neitchez.’ Disse abrindo um sorriso sarcástico. Victor apertou a mão dele também sorrindo afetado.

‘Para você também, Neitchez.’

Ele se afastou com a medalha de bronze. Victor continuou acompanhando cada passo do primo, até sumir de uma vez nos jardins. Seu olho tremia de prazer vingativo. Mas eu não estava dando muita atenção. Ali perto, uma cena me prendia ainda mais. Uma garota incrivelmente bonita, com longos cabelos negros e olhos verdes, tinha os dois braços em volta do pescoço de Naveen, enquanto eles se beijavam intensamente.

Victor pareceu ter decidido seguir o meu olhar e ao deparar com a cena, deixou o queixo cair.

‘Não acredito! Deborah é namorada daquele imbecil?’

Deborah? Hum, quanta intimidade, hein?’ Perguntei e ele sorriu me abraçando ainda mais forte. ‘Ela é da mesma casa e da mesma turma que eu. É legal. Já conversamos algumas vezes... Só que deve ter parafusos a menos para agüentar aquele idiota.’

‘Então ele não deve ser tão idiota assim.’ Conclui. Victor me soltou olhando incrédulo.

‘Como não? Você mesma me contou todas as coisas que ele faz nas aulas do clube!’

‘Eu sei... Mas se namora alguém legal, é por que deve ser legal também, no fundo. Às vezes ele só é um pouco chato demais com relação aos estudos.’ Respondi pensativa, mas Victor pareceu insatisfeito com a resposta e balançou negativamente a cabeça.

‘Ricard também é paranóico com os estudos e nem por isso é um babaca. E digo o mais: uma vez um idiota, sempre um idiota. Se eu tivesse tido mais um minuto, passava ele.’

‘Gostaria que você parasse de falar do Ricard comigo.’ Disse aborrecida. Naveen e a garota se soltaram e ele sorriu, tirando a medalha de ouro de seu pescoço e colocando no dela. Depois, olhou para mim como se tivesse sentido que eu o observava e acenou. Devolvi o aceno. Victor agarrou minha mão o olhando com raiva.

‘Ok. Desculpa. Só acho que é muito infantil da su...’ ele parou me olhando de relance. Naveen e a garota saíram abraçados para os gramados e eu virei o rosto, desafiadora para Victor, esperando e desejando que ele completasse a frase. ‘Da parte de vocês dois, sustentarem essa briga.’

‘Você ia falar da minha parte. Por que se arrependeu? Eu sei que você também acha que eu estou errada na confusão.’

‘Você que está se culpando. Eu não disse nada.’ Ele respondeu na defensiva e bem depressa.

‘Ótimo. Então continue fingindo que não está apoiando o Ricard nesse namoro idiota. Quando ele quebrar a cara, quem vai ter que agüentar é só você.’

Ele não disse nada, mas soltou minha mão e ficamos nos encarando um minuto. Sacudi os ombros.

‘Vou treinar esgrima.’

‘Ok. Quer que eu treine com você?’

‘Não precisa. Evie me disse que vão fazer um treino de montaria agora, e você é da equipe.’

‘Ah, é, sou. Então a gente se vê mais tarde?’

‘Estamos na mesma casa, não estamos? Óbvio que nos vemos mais tarde.’

Ele sorriu e me deu outro beijo. Mas cortei rápido. Estava com raiva. Saí andando pelos jardins. Não estava com a mínima vontade de treinar esgrima ou o que quer que fosse. Me larguei embaixo de uma árvore, do outro lado dos jardins, que estava completamente deserto.

Antes, só queria que as Olimpíadas começassem rápido. Mas agora, ali sozinha, com Ricard sem falar comigo, Victor e todos os meus amigos achando que eu era a errada da briga, e o mundo todo parecendo tão feliz enquanto eu sentia meu coração se apertando, eu só queria que a terceira semana também passasse depressa para voltarmos às nossas vidas normais, e reais.

You gotta find a way
Yeah, I can’t wait another day
Ain’t nothin’ gonna change
If we stay around here
I gotta do what it takes
Cause it’s all in our hands
We all make mistakes
Yeah, but it’s never too late to start again
Take another breath
And say another prayer

And fly away from here, anywhere
Yeah, I don’t care
We just fly away from here
Our hopes and dreams
Are out there, somewhere
Won’t let time pass us by
We’ll just fly...

N.A.: Fly Away From Here – Aerosmith.