‘O que é isso?’ Fiz uma careta empurrando o frasco de poção verde escura e amarga que o Curandeiro me ofereceu. Ele riu.
‘Isso é enxofre, essência de heléboro e umas gotas de baunilha. Ótimo remédio para sangrias, infecções, inchaços e stress’ ele listou me olhando divertido. ‘Toma’.
‘Pensei que você iria me dar SOMENTE poções calmantes. Foi o que a sua chefa mandou’ falei com raiva. Era óbvio que ele estava se divertindo comigo, e óbvio que era amigo da Miyako.
‘Você já passou uma noite toda tomando aquilo. Continua nervosa? E não vejo a Chefinha aqui, você vê? Olha, você é hipocondríaca e eu sou o curandeiro. Confia em mim, é melhor tomar essa poção e ir embora de uma vez’.
Abri a boca para responder, mas a porta da enfermaria abriu e nos interrompeu. Victor, Christine, Karl e Adam entraram. Lancei um olhar raivoso ao curandeiro e ele se afastou rindo debochado. Victor se adiantou e me deu um beijo de leve, enquanto Karl conjurava quatro cadeiras ao redor da minha cama.
‘Então... A noite foi divertida?’ Christine perguntou rindo.
‘Ah, nada mal. Estou bêbada de tantas poções calmantes. Onde vocês arrumaram essas medalhas?’ Apontei para as medalhas que ela, Karl e Adam tinham no pescoço. Victor se adiantou para me explicar.
‘Hoje tiveram algumas competições entre os voluntários. Karl e Adam ganharam em Canoagem, no Caiaque K-2. Christine ganhou uma em montaria, na Atena, e uma em arremesso de martelo. Foi muito engraçado!’ Ele completou contente e os outros riram concordando.
‘Droga. Não acredito que perdi isso!’
‘Não perdeu nada. E se perdeu a culpa é toda sua. Nunca esperava uma coisa dessas de você, Lavínia’ Vlade irrompeu no aposento e se adiantou até minha cama, não olhando para os demais. Parecia nervoso.
‘Obrigada. Eu estou bem. ’
‘Briga? BRIGA? Com uma garota de outra escola? Você perdeu completamente o juízo. Não me surpreenderia se recebesse uma detenção ou coisa pior!’
‘Quem é você, hein? Por que está gritando com a Lavínia? Estamos em uma enfermaria caso ainda não tenha reparado’ Christine olhava Vlade de cima a baixo, avaliando. Victor lançou um olhar nervoso de mim para Christine, parando em Vlade. Meu irmão pareceu reparar que eu tinha visitas e quando se virou para Christine manteve uma expressão arrogante e surpresa.
‘Sou irmão da Lavínia, portanto, falo com ela como preferir. E não vejo nenhum outro doente por aqui, para ter de ser discreto. ’ Disse em seu melhor tom arrogante. Christine levantou a sobrancelha. Vlade continuou. ‘A pergunta é: quem é VOCÊ? Quem são vocês?’
‘Esses são Victor, meu namorado, Christine e Karl, irmãos dele, e Adam, primo deles. E esse, é meu MEIO-irmão, Steven’ disse sem empolgação enquanto fazia as apresentações. Vlade se virou para mim abruptamente.
‘Meio-irmão ou não, sou o responsável por você. Que comportamento baixo, Lavínia!’
‘Você nunca foi responsável por mim, Vlade. E não precisa se preocupar, por que se eu estou pagando, ou ainda vou pagar caro por essa briga, isso não vai te prejudicar de nenhuma forma. ’ Respondi agressiva também. Ficamos em silêncio um minuto.
‘Ótimo então. Como você quiser. ’ Ele respondeu e virou as costas para sair da enfermaria. Christine se levantou de um pulo e vi Victor se recolher na cadeira.
‘O prazer foi todo meu de te conhecer!’ Ela disse e Vlade parou com a mão na maçaneta, sem palavras. Lançou um olhar rude para mim e saiu. Karl e Adam soltaram risadas. ‘Sem educação!’ Ela disse para a porta fechada e se virou para mim. ‘Desculpa Lavínia, mas seu meio-irmão é um grosseirão!’
‘Tudo bem. Eu concordo. Vlade acha que ética, boa aparência e comportamento exemplar são as únicas coisas que realmente importam. Ele nunca se diverte’ Christine me olhou surpresa.
‘Nossa. Charlotte se daria muito bem com ele então. E Jason. E Ashley. ’ Ela completou e rimos.
‘Mas é legal quando quer. Quando não tenta me convencer que ser auror é a oitava maravilha do mundo. Ou vem com lições de moral, daquelas bem cansativas. Tirando isso, ele é legal...’
Demos mais algumas risadas e após alguns minutos deixei a enfermaria com eles para os jardins, onde haveria um encerramento formal das Olimpíadas. Mas o mais esperado mesmo era a festa que haveria na casa onde estávamos (Lufa-lufa) e que tinha fama de ser muito animada.
O encerramento foi simples. Os três diretores dos castelos que haviam sido sede agradeceram nossa participação e colaboração, etc. etc. e etc. Quando fomos dispensados, saímos em massa para o Salão Comunal da Lufa-lufa. A verdadeira festa iria começar.
°°°°
‘Seu irmão não gosta de mim’ Victor falou de repente, enquanto dançávamos uma música lenta no meio de outros casais. Eu parei e o olhei, rindo.
‘Vlade não tem que gostar de ninguém. Não peço permissão para ele. E outra, ele provavelmente só não vai com a sua cara por que sabe que é por sua causa que eu quebro uma das regras mais fundamentais de Durmstrang: a de não permitir namoros’
‘Eu sei. Mas é que... E se sua família também não gostar de mim?’ ele perguntou parecendo aflito. Continuamos parados no meio da pista de dança, e eu ri ainda mais.
‘Por que não gostariam? E não pretendo te apresentar à minha família tão cedo... ’
‘Por que não?’
‘Porque não é como na sua família, entende?! Eles não se importam comigo. Não faz diferença. Nunca nem se deram ao trabalho de perguntar como andam minhas aulas, minha vida. Tirando Vlade, que pergunta demais, os outros realmente não dão a mínima.’
Victor pareceu desconfortável, como se estivesse com pena. Como se eu fosse me sentir triste ao falar da minha família e do nosso relacionamento. Mas eu ri. Já estava tão acostumada a estampar essa verdade para quem quisesse ouvir, que ela nem me parecia tão absurda mais... O puxei para mais perto e continuamos a dançar.
De longe, víamos nossos amigos se divertindo da melhor maneira que poderiam. Milla e Iago também não se desgrudavam na pista de dança. Evie e Micah pareciam querer aproveitar bastante aquela noite para curarem o tempo perdido. Nina conversava com Lizzie e as duas pareciam estar se entretendo bastante, mesmo quando Michael ensaiava uns abraços em Nina, que ela prontamente se desviava. E Annia... dessa eu não tinha notícias há tempos! Só sabia que tinha saído com o Ty, e isso já era o suficiente.
‘Ricard passou na enfermaria ontem a noite, quando você já estava dormindo... Foi ver como você estava. ’ Victor disse devagar, claramente estava escolhendo as palavras. Senti uma sensação horrível. Como se tivesse engolido uma pedra de gelo inteira.
‘Ah, é? Nossa. Quanta sensibilidade!’ disse irônica. Foi a vez de Victor parar de dançar e ficar me olhando.
‘Ele adora você, Lavínia. Estava realmente preocupado. Disse que também não havia achado legal a Miyako ter te batido e tudo. Por que vocês não param com essa briga?’
‘Por que eu não quero ser cúmplice desse namoro idiota dele! Eu também gosto muito do Ricard, mas ele não me dá atenção, então que quebre a cara para aprender. E se ele não achou legal a japonesa brigar comigo, por que continua dançando com ela logo ali?’ Disse apontando a cabeça para onde Ricard e Miyako dançavam juntos e lentamente e conversavam baixo, ambos rindo.
‘Por que ele gosta dela? E ela gosta dele? Não é motivo suficiente? Tem certas coisas que eu também não gosto em você, e nem por isso precisamos terminar nosso namoro, precisamos?’
‘WOW! Então agora estamos sendo sinceros por aqui, é? Então me fala, Victor: o que você não gosta em mim?’
Ele fez uma cara de espanto, como se tivesse acabado de se dar conta do que tinha dito. Ficou me olhando sem expressão. Seco. Mudo. Mas então, virou a cabeça para Ricard e observou ele rir e rodar Miyako pelo salão, a puxando de volta. Quando voltou a olhar para mim parecia ter tomado uma decisão, um novo ar de coragem...
‘Não gosto quando você faz drama e se entope de remédios só para amenizar seus problemas. Deveria enfrentá-los, e não se esconder deles em poções. Odeio sua mania de exagerar as coisas e ver pêlos em cascas de ovo. Quando eu pergunto “por onde você esteve, Lavínia?” eu NÃO estou querendo controlar sua vida! Estou SOMENTE querendo saber o que a minha NAMORADA andou fazendo durante o dia, por que eu AMO você e gosto de saber da sua vida, dividir seus problemas. E sabe o que mais odeio? Você sempre descontando em mim seus problemas, me fazendo te ajudar a passar por eles, e menosprezando os meus próprios quando eu também preciso de ajuda!’ Victor falou tudo tão rápido e com uma firmeza tão surpreendente, que por um momento não acreditei. Ele nunca tinha sido tão duro comigo. Nem quando brigávamos e ele tinha razão. Nem assim. Aquelas palavras pareciam estar entaladas na garganta dele há anos, e agora ele as vomitara na minha cara.
‘Desculpa.’ Ele acrescentou com urgência ao reparar minha expressão de total incredulidade. ‘Desculpa. Não tem nada a ver. Você...’
‘Tem tudo a ver. Nunca vi você ser tão sincero. Só estou assustada por que ainda não consegui entender uma coisa: Se eu tenho tantos defeitos assim, por que você me ama tanto? Acho que nosso namoro é só um capricho, afinal...’
You’re doing it again, you know
Sometimes I don’t even know who you are
And I don’t think you know how bad it hurts
‘Cause you don’t have to see the scars
If you knew how bad you made me feel
You’d never do a thing like this again
But if it’s just a game you’re playing
I don’t think I’ll make it to the end
I don’t think I’d last that long
Baby I’m not that strong
So if you care about me you’ve gotta stop acting this way
‘O que? Lavínia, eu amo você por que amo. Também tenho defeitos. Todos nós temos. Não tinha nada a ver despejar essas coisas hoje. Estamos bem, em uma festa, nos divertindo. Vamos esquecer ok?’ Ele se aproximou tentando me abraçar, mas o empurrei.
‘Não Victor. Não vamos mais adiar isso. Se você tem problemas comigo, então vamos resolvê-los agora. Por que adiar mais?’
‘Eu NÃO tenho problemas com você! Mas que coisa! Por que você tem que ser tão teimosa?’ Ele abandonou o tom de urgência e adotou um de impaciência para a pergunta. ‘Ricard tem mesmo razão quando diz que você adora complicar o simples...’
‘AHHH, é claro que Ricard tem razão. Ricard tem SEMPRE razão quando é sobre mim e meus defeitos, não é? Ele é o Sr. Perfeição!’
‘Ricard conhece muito mais sobre você, do que eu pensava. E do que você imagina.’ Ele disse firme e sério. Seus olhos verdes brilhavam em desafio. ‘Não quero discutir com você, Lavínia. Não hoje. E pelo jeito, você quer discutir. Acho melhor darmos um tempo...’
‘Darmos um tempo? O que você quer dizer? Terminar nosso namoro?’ perguntei vacilante e ele também pareceu murchar. Mas logo se recuperou.
Or I’m leaving today
I’ll say goodbye to my favorite face
Don’t wanna go, but I just can’t stay
And be treated, I won’t be treated this way
‘Não disse isso. Disse que é melhor nos acalmarmos longe um do outro, pelo menos hoje a noite. Por que não pretendo brigar com você de novo.’ Ele respondeu categórico.
‘Pois eu não tenho namorado para passar sozinha uma festa. Melhor darmos um tempo no nosso namoro então, e organizarmos nossas idéias. Quem sabe assim você não se recupera do seu turbilhão de problemas que eu me desfiz? Ou do meu drama? Do meu exagero? Da minha falta de sensibilidade?’
At times I think I love you
And at times I know I’ve finally found the one
But it’s times like this that make me feel
The game of love has only just began
Então, quem quebrou a cara fui eu. Pois o Victor que eu namorava naturalmente se desesperaria sob essa expectativa de término e tentaria me convencer que tudo era um grande engano. Que iria enlouquecer se terminássemos. Mas um segundo depois eu claramente percebi que aquele Victor não era exatamente igual ao Victor que eu namorava. Naquele momento ele parecia ser Victor Leví, uma pessoa com um orgulho imenso e vontade de me provar que eu estava sendo uma idiota.
‘Ótimo. Você tem razão. Melhor ficarmos uns dias separados. Ou semanas. Se você preferir, meses e anos! Melhor só voltarmos a ficar juntos quando ambos tiverem certeza absoluta de que é isso mesmo que querem. Então... a gente se esbarra por aí.’
You know I’d never leave
But making threats to you could be the only way
I love everything about you
But when I’m in doubt then something’s gotta change
Ele disse com a maior educação e calma que conseguiu transparecer, virou as costas e sumiu no meio da multidão de casais que continuavam dançando lentamente. E me deixou sozinha. Pela primeira vez, em cinco anos, Victor saiu e me deixou sozinha, completamente sem ação e reação.
N.A.: Leavin’ – Plain White T’s