A volta para Durmstrang estava sendo muito pior do que eu esperava. Ou desejava. Por mais que já se passassem quase duas semanas, todas as minhas amigas contavam rindo as histórias das Olimpíadas. Ou relembravam as competições em que ganharam medalha de ouro.
Eu, ao contrário, voltei para o castelo sem medalha de ouro, sem histórias engraçadas para contar, sem namorado e sem Ricard para desabafar. Tirando o fato que meu olho ainda estava um pouco inchado em função da briga... Resumindo: só queria que aquelas três semanas fossem esquecidas o mais rapidamente possível.
Na quarta-feira, uma chuva persistiu em cair o dia inteiro obrigando os alunos a circularem pelos jardins embaixo de capas de chuva, e mesmo assim, chegando ensopados para todas as aulas.
Estávamos na Estufa Imperial, e eu havia acabado de liberar todos. Evie se despediu apressada e correu para a reunião do jornal. Nina me ajudou a limpar os balcões, que estavam cheios de bosta de dragão, e além de nós duas só havia uma única pessoa: Naveen. Mas alguma coisa muito estranha estava acontecendo com ele. Geralmente ele era MUITO participativo nas reuniões. Até demais. Dava palpites, se atropelava para responder coisas que nem se quer tinha perguntado... Mas naquele dia, ele entrou calado e permaneceu calado até o fim. Quando Nina puxou a capa e saiu correndo da estufa para evitar o máximo de pingos que pudesse, me aproximei dele.
‘Oi...’ disse me sentando ao seu lado e sorrindo. Ele levantou os olhos para mim e forçou um sorriso.
‘Oi’
‘Está tudo bem com você? Não disse nada na reunião. E está com uma cara péssima’
‘Está tudo sim, obrigado’ ele respondeu meio seco, meio educado. Fiquei calada e apenas balancei a cabeça. Ele se levantou e vestiu sua própria capa.
Vesti a minha também e preparávamos para sair da estufa quando a chuva engrossou de maneira tão inesperada que me assustei. Os pingos batiam com violência ao nosso redor, e o chão da estufa tremia.
‘Maravilha... Esqueci meu guarda-chuva e ainda tenho clube de astronomia hoje!’ Soltei, mais como um pensamento alto do que como um desabafo. Naveen se adiantou.
‘Posso te dar uma “carona”, se quiser...’ ele disse e abriu o guarda-chuva, suficientemente grande para caber nós dois. Olhei em dúvida.
‘Não, não precisa, obrigada. A república não fica muito longe daqui...’
‘Ou seu namorado poderia achar ruim te ver comigo, não é?’ ele perguntou com simplicidade. Senti um gosto amargo na boca.
‘Não tenho mais namorado. Terminamos nas Olimpíadas...’ respondi depressa, como se quisesse me livrar do fardo. Naveen pareceu interessado. ‘Ah, e se quer saber, vou aceitar sim sua companhia. A chuva está muito forte.’
Saímos juntos da Estufa, e Naveen abraçou minha cintura para que eu ficasse grudada do lado dele. Fomos correndo juntos em direção à república, tentando escapar das poças de lama. Quando chegamos a Avalon, nos precipitamos encharcados para dentro, respirando ofegantes. E rindo. Naveen sacudiu a capa e os cabelos, que já não estavam arrepiados como de costume, e sim caídos sobre os olhos, pingando. Puxei minha varinha apontando para meu uniforme e ordenei ‘secar’. Aos poucos, o uniforme ia se livrando da água, soltando vapores.
‘Acho que precisamos de um chocolate quente. Pegar chuva gelada pode levar a pneumonia!’ eu disse séria e Naveen riu, também secando o uniforme.
‘Bom, se você está dizendo... Não sou eu quem vai discordar! Já me contaram da sua fama na enfermaria.’
‘Tudo intriga. Eu só me sinto um pouco doente, de vez em quando. Só isso.’ Respondi constrangida, ele concordou sorrindo.
Fomos até a cozinha e preparei o chocolate, estendendo uma caneca para ele. Sentamos à mesa e ficamos uns minutos em silêncio.
‘Eu também terminei meu namoro.’ ele disse de maneira repentina, quebrando o silêncio. ‘Na verdade, foi Deborah quem terminou comigo... Disse que precisa de um tempo, que está precisando organizar as idéias. Eu a amo!’ ele exclamou e tomou um gole exagerado de chocolate. Eu estava me sentindo desconfortável. Aquilo era definitivamente um desabafo, e Naveen nem era meu amigo! Eu não sabia o que dizer. Até por que, enquanto ele me contava aquilo, o rosto de Victor não saía da minha cabeça...
‘Sinto muito’ foi a pior coisa a se dizer. Não tinha morrido ninguém! Mas foi a única coisa que saiu. Ficamos em silêncio um tempo, cada um encarando o fundo de sua própria caneca.
‘Tudo bem. Se depender de mim, esse tempo vai ser curto. Vou correr atrás dela, até ela se cansar de me dizer não.’ Ele sorriu amargurado.
‘Boa sorte então...’
Queria mudar de assunto imediatamente. Já estava me sentindo deprimida com aquele clima. Milla e Annia apareceram na escada, conversando e rindo. Pararam de chofre ao nos encontrar na cozinha, com um silêncio desagradável despejado em cima da mesa.
‘Vina? Você não vai para o Clube de Astronomia?’ Milla perguntou caminhando até nossa direção. Annia em seu encalço. Consultei o relógio: faltavam 20 minutos para começar. Naveen se levantou.
‘Vou indo nessa então, Vínia. Obrigado pelo chocolate.’ Ele sorriu gentil e eu retribui.
‘Obrigada pela “carona”. Ah, espero que você consiga...’
Ele balançou a cabeça, arrumou a capa, abriu o guarda-chuva e saiu da porta. Acompanhei seus pés sumirem pensativa, e Milla e Annia também. Quando a porta bateu, as duas ficaram me olhando interrogativas.
‘O que é?’
‘Pensei que você tivesse dito que ele era um imbecil!’ Annia disse enérgica.
‘Ele era... Quer dizer, é. Ah, sei lá. Acho que eu julguei cedo demais. Me parece ser simpático.’ Respondi me levantando. ‘Melhor nos apressarmos. Os jardins estão um rio, e temos 15 minutos para chegarmos na Torre de Astronomia. Nina e Evie já foram.’
‘Ainda não gosto da cara desse menino!’ Milla gritou enquanto eu subia correndo a escada para apanhar o meu guarda-chuva.
‘Ótimo. Acho que ele também não foi com a sua cara, Milla...’ respondi rindo quando voltei ao patamar. As duas riram. Saímos desabaladas pelos jardins.
‘Será que está chovendo em Saturno também?’ Annia perguntou ao meu lado.
‘Se conseguirmos encontrar Saturno, embaixo dessa chuva, saberemos!’ respondi e apressamos o passo em direção às torres de Durmstrang.